Artigo

Juvenal e os vigias

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Bizarra essa polêmica sobre a Lei de Abuso de Autoridade, há pouco aprovada pelo Congresso Nacional. Por sua causa, pela primeira vez vejo um homem incapaz de dúvidas e ter somente certezas absolutas, Jair Bolsonaro, vacilar em tomar uma decisão, neste caso de grande importância para a vida do país, em todas as suas dimensões, agora e no futuro. O Brasil, não duvido, necessita com urgência atualizar a legislação sobre abuso de autoridade, visto ser a vigente velha de muitas décadas e obsoleta no mundo de hoje.

O gatilho a disparar o intenso debate acerca da lei foi a publicação de diálogos entre Sérgio Moro - juiz então encarregado de julgar ações no âmbito da Lava Jato e atual ministro da Justiça -, e membros da força-tarefa da operação Lava Jato. Nas conversas, a meu ver, está clara a associação contra o então acusado, Lula, acertada entre Moro e o Ministério Público, este representado pela força-tarefa. No entanto, o direito de ampla defesa nas democracias implica a absoluta neutralidade do julgador e não, como neste caso, a indicação ao órgão acusador, pelo magistrado, de testemunhas contra o réu. Caso crimes como esse prevaleçam e passem a ser considerados como meio legal e legítimo de combater a corrupção, abre-se uma “selva oscura”, onde se esconderiam os inimigos do Direito e das liberdades, prontos a eliminá-las. Preciso dizer novamente não ser admissível combater crimes com o cometimento de crimes? Ou justificar fins nobres por meio do uso de meios espúrios? Se na era PT os fins, talvez nobres, eram dessa maneira justificados, nós não queremos repetir esse tempo, o qual tanto rejeitamos.

Os atingidos pela divulgação - promotores e juiz - usam o argumento da ilegalidade da obtenção dos diálogos enviados por fonte anônima ao site Intercept Brasil, que os vem divulgando em colaboração com grandes jornais brasileiros, com o fim de desqualificar a autenticidades das conversas, sem nunca, no entanto, emitirem um claro desmentido: “Esses diálogos são mentirosos, são falsos”. Dizem apenas: “Os diálogos não podem ser confirmados”. Não se surpreenda, leitor, se, ao aparecerem os áudios dos diálogos, eles disserem; “Essa voz não é minha”.

Agora recordem disto. Entre as Dez Medidas de Combate à Corrupção, projeto de lei elaborado pela Lava Jato e cuja aprovação foi defendida veementemente no Congresso por Delta Dallagnol, chefe da força-tarefa, encontra-se uma que propõe a aceitação de provas obtidas ilicitamente, mas “de boa fé”. Agora, a ilicitude já não serve mais a Dallagnol, pois não atende seu desejo de poder, e a boa-fé inexiste, a seu ver. Isso me faz lembrar do romano Juvenal e sua pergunta de dois mil anos atrás, em sua Sexta Sátira: Quem vigiará os vigias? Ou supostos vigias da lei, acrescento.

Levantam-se sindicatos do meio jurídico contra a benvinda lei, sob a alegação de sua aplicação criar obstáculos ao combate à corrupção. De modo semelhante ao caso dos diálogos, exemplos de como isso se daria não são dados nem serão. Mais importante, porém, é prestar atenção a isto. O titular da ação penal será sempre o Ministério Público. Ele se encarregará de fiscalizar a aplicação da Lei e o magistrado julgará serenamente, conforme sua convicção diante das provas dos autos. O certo é que os eventuais crimes cometidos pelos envolvidos nos diálogos não poderão ser esquecidos, pois isso, sim, prejudicará, e muito, o trabalho de combater os corruptos.

Lino Raposo Moreira

PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras

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