Polêmica

Show de banda no Complexo Deodoro coloca obra em perigo

Preocupada com anúncio de gravação de DVD no local, AML informou que ingressaria com ação na Justiça para impedir show; Prefeitura de São Luís não autorizou realização do evento

Nelson Melo / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Um dos outddors que anunciam show com gravação de DVD no Complexo Deodoro, recém-requalificado
Um dos outddors que anunciam show com gravação de DVD no Complexo Deodoro, recém-requalificado (DVD)

Defensores da preservação do patrimônio histórico e escritores ficaram preocupados com a realização de uma festa no Complexo Deodoro, na região central de São Luís. O evento está agendado para acontecer no dia 23, às 17h, com gravação do DVD de uma banda de arrocha. Para os críticos, os bustos de pessoas ilustres da história maranhense, que estão na Praça do Pantheon, podem ser alvos de vandalismo, além de todo o espaço. A Prefeitura negou autorização para o evento e afirmou que ele não acontecerá ali.

Um dos outdoors de divulgação da gravação do DVD está fixado na Avenida dos Holandeses, nas proximidades do Comando Geral da Polícia Militar do Maranhão, no Calhau. Em contato com O Estado, o escritor Benedito Buzar, presidente da Academia Maranhense de Letras (AML), disse que repudia, veementemente, a realização do evento, que ele caracterizou como iniciativa absurda. “Não é possível que logo após uma reforma no Complexo Deodoro, em um espaço voltado para a cultura e preservação da nossa história, um evento como este ocorra no local”, manifestou Buzar.

Ele anunciou que a AML ingressará com uma ação na Justiça para tentar impedir a realização do evento. “Na próxima segunda-feira, a Academia Maranhense de Letras agirá, judicialmente, para que a barbaridade não seja realizada”, declarou.

Falta de consciência intelectual
Igualmente indignado, o médico veterinário Renan Nascimento Morais, que é filho do poeta maranhense José Nascimento Morais Filho e neto do escritor José Nascimento Moraes, disse que a gravação de um DVD no Complexo Deodoro é uma falta de respeito, uma falta de consciência intelectual. “Aquele local sem os bustos é como um filho sem pai. Não podemos perder nossas referências culturais. Isso é inadmissível. Ali, há histórias incríveis, como a da Maria Firmina dos Reis, que foi descoberta pelo meu pai quando ele fazia pesquisas na Biblioteca Pública Benedito Leite. Um evento ali, sem vínculo cultural, vai destruir toda essa história”, expressou.

O filho do poeta José Nascimento disse que o Poder Público não pode permitir uma festa com essa abordagem no Complexo Deodoro. Ele enfatizou que vai denunciar o caso no Ministério Público (MP) o quanto antes, para que o evento não seja realizado. “É óbvio que as pessoas que comparecerão à gravação vão colocar caixas de suco e latas de cervejas em cima dos bustos. Isso é uma falta de respeito muito grande. Não podemos aceitar isso. É um crime contra os valores culturais e nossa memória”, ponderou o médico veterinário.

“Em vez de promover festa, deveriam é promover sarau, músicas clássicas e peças de teatro no local. Isso, sim, seria valioso não somente na Deodoro, como também nas outras praças que levam os nomes de intelectuais, como a Gonçalves Dias”, pontuou Renan Nascimento, cujo avô, José Nascimento Moraes – autor de “Vencidos e Degenerados” -, tem um busto no local.

Espaços apropriados
Também revoltado com o anúncio da festa na Deodoro, Antonio Noberto, presidente da Academia Ludovicense de Letras (ALL), mencionou que o Complexo Deodoro é um local para outro tipo de cultura, pois foi restaurado para essa finalidade. “Existem outros locais na cidade que são apropriados para festas desse tipo. Quem vai prestigiar a gravação da banda, não vai para lá para aprender com os imortais do Pantheon nem vai apreciar o frontão e as colunas neoclássicas da Biblioteca Pública Benedito Leite”, opinou Noberto.

“Nós, que formamos o mundo acadêmico e somos guardiões da memória e das festas, ficamos preocupados com as manifestações des­te tipo naquele espaço tão significativo para a preservação da me­mória”, analisou Antonio Noberto.

Prefeitura negou autorização
Em nota, a Prefeitura de São Luís, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação (Semurh), informou que não autorizou a realização do evento, que está em desconformidade com a Lei de Ocupação do Solo do local. “A secretaria comunicou, ainda, que os produtores do show estão cientes do fato e que, em conversa com a organização foi oferecido um outro espaço adequado para a gravação do DVD, de modo que não haja prejuízo, nem para o patrimônio, e, nem para os organizadores”, complementou o órgão.

O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Secma), informou que não tem conhecimento do evento em questão. Sobre liberação de espaço público, o Governo do Estado ressaltou que não é responsável.

A entrega do Complexo Deodoro
Como parte do projeto de revitalização da região central de São Luís, o Complexo Deodoro foi entregue à população no dia 22 de dezembro de 2018, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Prefeitura de São Luís. Considerado o maior investimento na capital maranhense na recuperação do patrimônio público, o projeto reordenou toda a área, por meio da requalificação urbanística, que ofereceu nova paisagem com os elementos arquitetônicos.

Foram colocados novos pisos, os banheiros públicos foram estruturados, os bancos ornamentados com as pedras lioz e ações de jardinagem foram implantadas nos canteiros. Assim como foi renovada a iluminação pública. Um momento marcante foi o retorno dos bustos à Praça do Pantheon após 11 anos, totalizando 18 esculturas, que foram forjadas em bronze e seriam resistentes ao sol e à chuva, segundo a Prefeitura de São Luís.

Há bustos de Clodoaldo Cardoso, Gomes de Sousa, Henriques Leal, Arthur Azevedo, Urbano Santos, Dunshee de Abranches, Nascimento Moraes, Gomes de Castro, Bandeira Tribuzzi, Maria Firmina, Arnaldo de Jesus Ferreira, Ribamar Bogéa, Coelho Neto, Raimundo Corrêa, Raimundo Teixeira, Raimundo Corrêa de Araújo, Silva Maia e Josué Montello.

Os bustos haviam sido retirados em 2007 da Praça do Pantheon justamente devido à ação de vândalos. No Museu Histórico e Artístico do Maranhão, eles passaram por um processo de restauração e higienização.

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