Entrevista Felipe Mussalém

"Quero muito ver a Casa sendo consultada pelo poder público"

Segundo o presidente da Associação Comercial, Felipe Mussalém, a entidade está sempre disposta a ser consultada e determinante na discussão das medidas de governo que impactem a classe produtora

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Em entrevista exclusiva a O Estado, por ocasião das comemorações pelos 165 anos da Associação Comercial do Maranhão, o presidente da entidade, Felipe Mussalém, faz uma reflexão sobre o papel da Casa, desde a sua criação como Comissão da Praça até os dias de hoje. Também remete ao atual momento político-econômico do Brasil, ao tempo em que fala da falta de interesse do poder público em ouvir a classe produtora e deixa uma mensagem de esperança ao empresariado maranhense, de que acredita no Brasil.

A Associação Comercial do Maranhão completa 165 anos de fundação. Como o senhor avalia a atuação da entidade em todos esses anos e sua importância para o desenvolvimento econômico do estado?

Sempre disse que a história da ACM se confunde com a história do comércio no Maranhão. Hoje, após quase três anos à frente da entidade, posso afirmar que a ACM participou ativamente e foi uma das grandes responsáveis pelo desenvolvimento do nosso estado. Desde a fundação da antiga Comissão da Praça até os dias de hoje, a ACM teve papel de protagonismo na discussão acerca dos negócios e na elaboração de políticas de incremento da atividade econômica. Passando pela campanha de produção, que concebeu estradas ligando a capital ao interior, até nos dias de hoje, na luta dos interesses da classe produtora e no diálogo constante com a sociedade, seja ela empresária ou não.

Um dos marcos da ACM foi a Campanha da Produção, iniciativa dos empresários voltada para a construção da infraestrutura necessária para o escoamento da produção agrícola. Hoje, esses problemas de infraestrutura, além de outros, persistem, lógico, em um contexto bem diferente da época da Campanha da Produção. Que contribuição os empresários podem dar hoje?

Por incrível que pareça, realmen­te os problemas persistem. É só olhar para a nossa BR-135, que não impede o escoamento. Porém, o torna tão caro que por vezes inviabiliza a chegada a São Luís, deixando nosso frete com um dos valores mais altos do país. A ACM busca constantemente através da interlocução e cobrança dos entes públicos a resolução desse e de outros gargalos do nosso Estado. Cito, como exemplo, a infraestrutura da maior veia de comércio da nossa capital, que é a Rua Grande. Esse projeto iniciou há mais de 10 anos, na gestão do ex-presidente Zeca Belo e só em 2017 tivemos um desfecho. A ACM teve um papel preponderante, junto com outras entidades de classe na liberação da verba junto ao governo federal e na articulação com a bancada maranhense em Brasília. Atualmente, com a obra quase pronta, nosso desafio é auxiliar o poder público na condução dos comércios ambulantes para um lugar mais adequado que os atenda como sustento ao mesmo tempo garantindo que a Rua Grande esteja livre para se fortalecer novamente como opção de compras e lazer das famílias maranhenses.

Em sua história, a ACM se notabilizou como órgão técnico consultivo, colaborando com o poder público nas questões econômicas e de interesse do empresariado, mas em determinado momento essa relação ficou mais distante. Na sua opinião, o que contribuiu para isso?

Eu acredito que muito dessa distância mostra o quão distante as políticas públicas e de gestão públicas estão fora de um desenvolvimento sustentável de longo pra­zo, que é o que fazemos na iniciativa privada. Desculpe a franqueza, mas não vejo o poder público interessado em ideias nem tampouco contribuição da iniciativa provada. O que eles querem é o aval, e isso só daremos quando houver interlocução e construção compartilhada. O motivo? Falta de interesse da gestão pública.

Outro diferencial da Associação Comercial é que reúne empresas de diversos segmentos econômicos. Esse ecletismo é salutar e necessário para a entidade?

É salutar, sim. A ACM não tem bandeira. Ou, melhor, ela levanta todas as bandeiras. São 14 vice-presidências que trazem todos os temas do empresariado para dentro da casa, para a discussão e providências. Na ACM, tem do comércio à indústria, do pequeno ao grande. Isso garante a constante renovação dentro da casa. Precisamos buscar meios de sermos importante para todos os segmentos de todos os tamanhos. E isso é desafiador e muito instigante.

Como o senhor classifica a relação da ACM com as demais entidades de classe e com o poder público?

A palavra que melhor define nos­so relacionamento com as outras entidades é “coirmãs”. Somos irmãos que partilhamos das mesmas esperanças, dores e vitórias. Isso pôde ser visto nos eventos onde recebemos os candidatos à presidência da República e governo do estado em 2018. E em outras campanhas também. Também podemos ver nos posicionamentos públicos em conjunto e no compartilhamento de ações como Campanha de Natal, Impostômetro... enfim. Há quem diga que, pelo seu contexto histórico, a ACM é a mãe das outras entidades. Eu me contento em sermos irmãos. Quanto ao relacionamento com o poder público, esse será sempre pautado com respeito e colaboração mútua, contudo, tenho concluído que os interesses estão cada vez mais divergentes. Não no propósito, mas no caminho para se chegar lá. Isso nos exige uma capacidade muito grande, quase sobre-humana, de diálogo, pois a velocidade e o ritmo são bem diferentes.

Hoje, o Brasil vive um momento crítico de polarização, de ameaças à democracia e de incertezas na economia. Como o empresariado maranhense está acompanhando essa situação. Há esperança de dias melhores?

Não vejo ameaça à democracia. O que vejo é uma deturpação do que, de fato, seja democracia. As pessoas estão confundindo democracia com “poder fazer o que quiser”. Isso é extremamente danoso. Não é porque não concordo com um político, por exemplo, que vou destratá-lo publicamente ou faltar com o respeito num avião. A democracia não me permite dizer o que penso a qualquer custo. Isso, não. Não preciso me posicionar nas redes sociais e, sem querer, ofender um cliente meu ou um funcionário que tenha opinião divergente. Enfim, essa polarização se dá porque as pessoas acham que podem sair por aí dizendo o que pensam e que, quem pensa errado é inimigo. A nossa classe está atenta, participando e dialogando nos meios corretos. Se posicionando de maneira técnica, articulada e coesa. Quanto aos dias melhores, claro que acreditamos. Essa é a característica principal de todo empreendedor, acreditar. Porém, mais que acreditar, estamos trabalhando.

O senhor assumiu o comando da ACM buscando alinhar tradição com inovação. Isso está sendo possível e de que forma, uma vez que mudanças sempre encontram resistências, sobretudo em uma entidade tradicional como a Associação Comercial?

Sim. A todo momento essa frase, que foi o slogan da nossa campanha, martela na minha cabeça. Me pergunto diariamente se esse ou aquele projeto é mais tradição ou mais inovação. De que forma os dois podem andar juntos? Acredito que estejamos conseguindo. Como? compartilhando com a bancada tradicional os benefícios da inovação e vi­ce-versa. Cito alguns exemplos: logo no primeiro ano de gestão promovemos uma reformulação muito importante no nosso estatuto, acabando com a possibilidade de reeleição, criando cláusula anticorrupção e proibindo pessoas de cargos públicos, eletivos ou não, de assumirem o comando da entidade. Es­sas foram inovações propostas em nossa carta magna, que é a detentora de toda a tradição. Por outro lado, permanecemos com as plenárias todas as quartas-feiras, promovendo toques de inovação, como, certa vez, transmitindo ao vivo no facebook, por exemplo.

Diante desse cenário brasileiro, quais os novos rumos e desafios para a Associação Comercial?

Na minha opinião é resgatar o poder consultivo dela, como falamos no começo. Quero muito ver a Casa sendo mais escutada pelos poderes públicos, mas não no faz de conta como é hoje. Quero ver a casa sendo determinante na discussão das medidas de governo que impactem a classe produtora. Dispostos nós sempre estaremos, pois esse é o DNA da ACM.

Que mensagem o senhor deixa para o empresariado maranhense, sobretudo aquele associado da ACM?

Em tempos de crise e polarização, não vejo que a solução se dará pelo capitalismo nem tampouco pelo socialismo. Devemos fazer juntos, em rede, compartilhando ideias, construindo soluções e crescendo de forma compartilhada. A ACM vive para isso, para associar e cooperar. E, nesses 165 anos de vida, estamos sempre à frente.

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