Artigo

A verdadeira história de Simonal

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

Uma sombra de mistério pairou sobre três de nossos grandes cantores da década de 70. A dúvida sobre Belchior era “Por onde andará Belchior?”; sobre Geraldo Vandré “O que foi feito de Geraldo Vandré?” e sobre Wilson Simonal “Como pode ter desaparecido depois de um sucesso tão avassalador?”

Sobre Simonal vamos encontra-lo em começos da década de 70, pleno e esfuziante como show-man e apresentador. Mas não era apenas isso, Simonal era muito bom cantor: Juca Chaves e Jô Soares o consideravam o melhor cantor do Brasil. Para Maria Bethânia era nota 10 e melhor do que Chico Buarque. Idem Vinícius de Moraes. Para Roberto Carlos era um dos três melhores do Brasil ao lado de João Gilberto. Ah, sim, tem mais: Wilson Simonal era negro, envolvente, e ostentava a riqueza adquirida. Teria isso alguma coisa a ver com seu declínio? Mas o que aconteceu mesmo?

Vamos ao que sei de sua ótima biografia Simonal, de Gustavo Alonso:

em pleno apogeu Wilson Simonal montou sua própria empresa visando maximizar seus lucros e sua imagem. Ao suspeitar de que estava sendo lesado, socorreu-se de amigos que tinha no DOPS (a polícia da ditadura) para dar uma lição no seu antigo contador. Em tempos de repressão, o episódio ganhou contornos de escândalo nacional, quando a vítima denunciou o ocorrido. Isso bastou para que intelectuais da esquerda passassem a acusá-lo de informante e traidor.

Wilson Simonal tornou-se a bola da vez. Tudo começou quando o Pasquim o taxou, em primeira página, de dedo-duro e traidor. A partir daí o cantor encarnou para os jornalistas (que se investiam da carapaça de resistentes ao regime) o protótipo do abominável e execrável. Punir os dedos-duros era uma das intenções declaradas do Pasquim. O cartunista Jaguar desenhou Sig, o mascote do jornal como uma estátua da liberdade em que lia-se o mandamento “Não dedurarás”.

Fecharam-lhe as portas. A Rede Globo deu para trás. O circuito universitário o isolou. Em poucos dias seu talento e charme que antes magnetizavam plateias foram soterrados. Até as minorias o esqueceram. (Estranhamente, até hoje, inclusive, sua bela composição de exaltação à raça negra Tributo a Martin L. KIng). Os colegas viraram-lhe as costas, esquecidos de que, além de ter ajudado o início da carreira de Chico e Caetano, Simonal foi o primeiro a gravar Toquinho.

Havia se transformado, a partir de uma Fake-news da época, em um Negro Dedo-Duro. Num gesto desesperado e vão solicitou ao Ministério da Justiça pós-ditadura o desagravo que tanto necessitava. O documento o reabilitou, nunca se provou que tivesse sido informante, mas era tarde demais, a injustiça se perpetrara.

Um único gesto de solidariedade lhe foi prestado por Geraldo Vandré, que o visitou, ao fim, sendo, talvez, o único dos seus colegas cantores com legitimidade para isso, por ter enfrentado, de fato a Ditadura. Vandré nunca foi um aproveitador de ideologias, como disse Millor Fernandes de Chico Buarque de Holanda ao ser perguntado porque a amizade entre ambos acabara “Não confio naqueles que lucram com a ideologia que defendem”.

Simonal não era político e nem propagava ideologias. Apenas, ao seu modo, defendia a sua raça. Um grande cantor cujo filme a seu respeito, recém-lançado e anunciado, merece ser visto por admiradores ou não.

José Ewerton Neto

Autor de O ofício de matar suicidas

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com

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