Crise política

Brasil e Paraguai anulam acordo sobre usina de Itaipu

Governo do país vizinho enfrenta crise desde que veio à tona que assinou uma ata em que, na prática, se comprometia a pagar mais caro pela energia comprada da usina binacional

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23
Embaixador do Brasil no Paraguai, Carlos Alberto Simas Magalhães, (à direita) assinou documento que anula nova ata sobre energia de Itaipu
Embaixador do Brasil no Paraguai, Carlos Alberto Simas Magalhães, (à direita) assinou documento que anula nova ata sobre energia de Itaipu (AFP)

ASSUNÇÃO/BRASÍLIA - Brasil e Paraguai anularam, ontem, 1º, a ata sobre compra de energia da usina de Itaipu assinada em maio por representantes dos dois países que iniciou uma crise política no governo de Mario Abdo Benítez.

Em seguida, a bancada Honor Colorado, ligada ao ex-presidente Horacio Cartes, que é da base de apoio do mandatário, mas estava alinhada à proposta de fazer um julgamento político que poderia resultar em impeachment, declarou que mudou de posição. O anúncio foi feito pelo presidente da Câmara dos Deputados paraguaia, Pedro Alliana. Com isso, segundo a imprensa paraguaia, acaba a chance de a oposição avançar com o processo de deposição.

O embaixador do Brasil no Paraguai, Carlos Alberto Simas Magalhães, assinou em Assunção um documento em que o Estado brasileiro reconhece a decisão do Estado paraguaio de anular a renegociação que faria o país vizinho pagar mais caro pela energia da usina binacional.

O ministro das Relações Exteriores paraguaio, Antonio Rivas Palacios, destacou que, desta forma, as negociações a respeito voltam à estaca zero.

'Erros'

Abdo discursou em Assunção logo após o cancelamento da ata e o anúncio do grupo Honor Colorado de que não apoiaria o processo de impeachment. Ele agradeceu aos parlamentares que o "salvaram".

"Disse que não vou tolerar a corrupção, que não importa o quanto dia, por causa da proximidade de meus colegas e amigos de luta, isso não nos dá o direito de ter má conduta na administração de coisas públicas. Não só atos de corrupção, mas também erros. É por isso que ordenei que aqueles que participaram do processo, talvez sem má vontade, sejam removidos do cargo", disse o presidente.

Pedido de impeachment

Os partidos de oposição do Paraguai haviam anunciado na quarta,31, que apresentariam um pedido de impeachment contra Abdo e o vice-presidente Hugo Velázquez por conta do escândalo em torno da polêmica renegociação.

O acordo elevaria os custos para a empresa estatal de eletricidade do Paraguai em mais de US$ 200 milhões, segundo o ex-diretor da entidade. O documento, assinado sem divulgação à opinião pública pelos governos de Brasil e Paraguai, foi revelado apenas na semana passada.

Resumo da crise

em maio, os governos brasileiro e paraguaio assinaram uma ata que, na prática, faria o Paraguai pagar mais caro pela energia de Itaipu.
pelo texto assinado, o Paraguai aumenta a previsão de compra da chamada energia garantida, mais cara, reduzindo o consumo da energia chamada de excedente, que é mais barata.
a revelação da existência do acordo levou o chanceler paraguaio, o presidente de Itaipu e outros dois funcionários de alto escalão a renunciarem.
a oposição paraguaia acusa o presidente Mario Abdo de favorecer interesses brasileiros e passou a defender um processo de impeachment na Câmara dos Deputados.
a ata foi cancelada, Abdo fez um discurso admitindo que houve erro e o setor da sua base que cogitava apoiar o impeachment voltou a apoiá-lo.

O que diz a ata

A oposição paraguaia denuncia que o acordo firmado em maio poderia levar a aumentos nos custos de energia para o país. O jornal paraguaio "ABC Color" aponta que a usina de Itaipu fornece energia com dois preços diferentes a Brasil e Paraguai: há a energia garantida (mais cara) e a energia adicional, que é um excedente (mais barato).

Em 2007, em troca da instalação de mais duas turbinas binacionais, das quais o Brasil precisava, o Paraguai conseguiu negociar o benefício para comprar energia adicional em maior quantidade, pagando menos do que se consumisse o mesmo volume na forma de energia garantida.

Com a nova ata, diz o "ABC Color", o Paraguai concordava em usar a energia garantida de Itaipu -- mais cara que a excedente, que é usada hoje pelo país em maior proporção --, renunciando assim ao benefício que representava a compra dessa energia adicional, mais barata. O novo acordo geraria uma diferença de US$ 350 milhões (R$ 1,3 bilhão) para a Administração Nacional de Eletricidade (Ande) paraguaia, segundo especialistas da área ouvidos pelo periódico.

Usina binacional

A hidroelétrica de Itaipu, construída sobre o rio Paraná, que separa o Brasil e o Paraguai, produz 14 mil megawatts e é a segunda maior do mundo, atrás da chinesa Três Gargantas. O Brasil consome 93% da energia da usina, e compra o excedente da parte que caberia ao Paraguai.

A oposição paraguaia questiona a venda dessa energia "a um preço ridículo", segundo afirmou o parlamentar Ricardo Canese, que pertence ao partido Frente Guasú (Frente Grande).

Depois de 50 anos, em 2023, os dois países devem rever o tratado original de Itaipu, assinado em 1973 por Alfredo Stroessner e Ernesto Geisel.

Um novo tratado envolve a revisão do preço da energia, que sempre foi percebida no Paraguai como desfavorável aos seus interesses.

"O Paraguai deixou de receber US$ 75 bilhões por não vender a preço de mercado, desde que a usina começou a operar em 1984", garantiu à AFP o cientista político Miguel Carter, segundo cálculo feito a partir de dados oficiais.

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