Violência

Massacre de civis e crianças na guerra da Síria foi ignorado

Segundo a ONU, mais de 350 civis foram mortos e 330 mil foram forçados a deixar suas casas desde que o conflito na região síria de Idlib se intensificou, no fim de abril

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
A Síria e a Russia miraram em áreas civis na região de Idlib, deixando mais de cem mortos
A Síria e a Russia miraram em áreas civis na região de Idlib, deixando mais de cem mortos (Reuters)

SÍRIA - Mais de cem pessoas, incluindo 26 crianças, morreram em ataques aéreos feitos em hospitais, escolas, mercados e em uma padaria no nordeste da Síria nos últimos 10 dias, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).

A chefe de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, diz que os ataques foram feitos pelo governo sírio e seus aliados nas áreas controladas pela oposição.

Mas os ataques foram recebidos com "aparente indiferença internacional", disse ela. Bachelet criticou a "falha de liderança nas nações mais poderosas do mundo". A Síria e a Rússia, que é sua aliada, negaram ter mirado em civis durante os ataques aéreos na região de Idlib.

A número de mortos crescente em Idlib tem sido recebido com um "dar de ombros coletivos" e o conflito ficou fora do radar internacional, disse ela, enquanto o Conselho de Segurança da ONU está paralizado.

Ela afirma que é muito improvável que os ataques a civis tenham sido acidentais e disse que os países que os fizeram podem ser julgados por crimes de guerra.

"Ataques intencionais a civis são crimes de guerra, e aqueles que os ordenaram ou os executaram são criminalmente responsáveis por seus atos", disse Bachelet.

O que está acontecendo?

A província de Idlib, junto com as província de Hama e Aleppo, é uma das últimas áreas controladas pela oposição na Síria depois de oito anos de guerra civil.

A área em tese está protegida por uma trégua negociada em setembro entre a Rússia, aliada do governo sírio, e a Turquia, que apoia a oposição. A trégua deveria proteger os mais de 2,7 milhões de civis que vivem na região de uma grande ofensiva das forças do governo.

Na semana passada, a ONU disse que mais de 350 civis foram mortos e 330 mil foram forçados a deixar suas casas desde que o conflito se acirrou em 29 de abril.

Mas o número agora foi revisado, com o acréscimo de 103 mortes somente nos últimos 10 dias. O número de refugiados subiu para 400 mil.

O governo – com apoio da força aérea russa – disse que o aumento nos ataques se deve a repetidas violações da trégua por jihadistas ligados à al-Qaeda que estariam na área dominada pela oposição.

No entanto, as Forças Democráticas Sírias (FDS), que são apoiadas pelos Estados Unidos, disseram em março ter derrotado os jihadistas e dado fim ao grupo extremista autoproclamado Estado Islâmico (EI).

No início desta semana, a Rússia negou que tenha feito ataques aéreos em mercados e áreas residenciais que deixaram pelo menos 31 civis mortos.

Como a guerra começou?

Antes do conflito começar, muitos sírios estavam insatisfeitos com os altos índices de desemprego, a corrupção e a falta de liberdade política sob o presidente Bashar al-Assad.

Em março de 2011, protestos pró-democracia começaram ao sul da cidade de Deraa, inspirados por revoltas populares pró-democracia em países vizinhos – o que ficou conhecido como "Primavera Árabe".

Quando as forças de segurança sírias abriram fogo contra os ativistas - matando vários deles -, as tensões se elevaram e mais gente saiu às ruas. Protestos pedindo a renúncia do presidente começaram no país todo.

A revolta se intensificou, assim como a resposta do governo. Apoiadores da oposição se armaram – primeiro para se defender, depois para expulsar as forças de segurança das áreas onde viviam. Assad então disse que iria acabar com o que chamou de "terrorismo apoiado por estrangeiros".

A violência aumentou rapidamente, dando início a uma guerra civil.

Grupos rebeldes se reuniram em centenas de brigadas para combater as forças oficiais e retomar o controle das cidades e vilarejos.

Em 2012, os enfrentamentos chegaram à capital, Damasco, e à segunda cidade do país, Aleppo.

O conflito já havia, então, se transformado em mais que uma batalha entre aqueles que apoiavam Assad e os que se opunham a ele - adquiriu contornos de guerra sectária entre a maioria sunita do país e xiitas alauítas, o braço do Islamismo a que pertence o presidente.

Isso arrastou as potências regionais e internacionais para o conflito, conferindo-lhe outra dimensão.

Quem está lutando?

A rebelião armada evoluiu significativamente desde suas origens. Há membros da oposição moderada secular lutando contra as forças de Assad. O Exército curdo, um dos grupos que os Estados Unidos estão apoiando no norte da Síria, faz parte da oposição.

Mas há também uma grande quantidade de radicais e jihadistas - partidários da "guerra santa" islâmica. Entre eles estão o autointitulado Estado Islâmico (EI) e a Frente Nusra, afiliada à al-Qaeda. Os combatentes do EI - cujas táticas brutais chocaram o mundo - criaram uma "guerra dentro da guerra", enfrentando tanto os rebeldes da oposição moderada síria quanto os jihadistas da Frente Nusra.

Os rebeldes moderados têm requisitado armas antiaéreas ao Ocidente para responder ao poderio do governo sírio. Mas Washington e seus aliados têm procurado controlar o fluxo de armas por medo de que acabem indo parar nas mãos de grupos jihadistas.

Em março, as Forças Democráticas Sírias (FDS), que são apoiadas pelos Estados Unidos, disseram ter derrotado o EI.

"As Forças Democráticas Sírias declaram a total eliminação do chamado califado e a total derrota territorial do EI", disse Mustafa Bali, porta-voz da FDS, pelo Twitter. "Neste dia único, celebramos os milhares de mártires que tornaram essa vitória possível."

Em seu auge, o EI controlou uma área de 88 mil km² no norte da Síria e do Iraque, governou quase 8 milhões de pessoas, ganhou bilhões de dólares com a exploração de petróleo, extorsões, roubos e sequestros, e usou seu território como base para ataques em outros países.

A aliança de forças representada pela FDS, lideradas pelos curdos, começou sua ofensiva final contra o EI no início de março, contra militantes que estavam encurralados no vilarejo de Baghuz, no leste sírio.

Qual é o impacto da guerra?

Além de causar centenas de milhares de mortes, a guerra incapacitou 1,5 milhões de pessoas, entre elas 86 mil que perderam membros do corpo.

Ao menos 6,1 milhões de sírios tiveram de deixar suas casas para buscar abrigo em alguma outra parte do país, enquanto outros 5,6 milhões se refugiaram no exterior.

Líbano, Jordânia e Turquia, onde 92% desses sírios refugiados vivem hoje, têm enfrentado dificuldades para lidar com um dos maiores êxodos da história recente.

A ONU estima que 13,1 milhões de pessoas necessitaram de algum tipo de ajuda humanitária na Síria em 2018.

A guerra

Um fator chave é a intervenção de potências regionais e internacionais. Seu apoio militar, financeiro e político tanto para o governo quanto para a oposição tem contribuído diretamente para a continuidade e intensificação dos enfrentamentos, e transformado a Síria em campo para uma guerra indireta.

A intervenção externa também é responsabilizada por fomentar o sectarismo no que costumava ser um Estado até então secular (imparcial em relação às questões religiosas).

As divisões entre a maioria sunita e a minoria alauita no poder alimentaram atrocidades de ambas as partes, não apenas causando a perda de vidas, mas a destruição de comunidades, afastando a esperança de uma solução pacífica.



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