Especial / O Estado

Quase dois séculos de faróis na Grande Ilha e as histórias dos faroleiros

A Baía de São Marcos era o acesso até a Ilha e, para otimizar a entrada até o canal, era necessário orientar os navegadores; nesta Baía, é visto até hoje o forte de São Marcos

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
Farol de São Marcos, que, nos áureos tempos, recebeu a influência da ex-comerciante lendária Ana Jansen
Farol de São Marcos, que, nos áureos tempos, recebeu a influência da ex-comerciante lendária Ana Jansen

SÃO LUÍS - A desgraça de um favoreceu ao surgimento do outro. As histórias dos faróis de São Marcos e do Araçagi, na Ilha de São Luís, estão conectadas. O termo negativo mais forte é usual para definir que, foi a partir da degradação de um, houve a iniciativa para a construção do outro.

Para entender o que aconteceu, necessário novamente voltar no tempo e ir até a primeira metade do século XIX, quando o Maranhão entrou definitivamente na rota comercial, com o advento de culturas e transporte de mercadorias (como algodão) negociadas com outros centro.

A Baía de São Marcos era o acesso até a Ilha e, para otimizar a entrada até o canal, era necessário orientar os navegadores. Nesta Baía, é visto até hoje o forte de São Marcos, uma das construções feitas ainda na fundação da cidade, em meados da segunda metade do século XVII.

Foi neste forte que, em 1831, foi acesa a luz definitiva do Farol de São Marcos, instalado no seu interior.

De acordo com “Luzes do Novo Mundo”, de Ney Dantas, São Marcos desempenhava duas funções: repelir os inimigos em tempos de guerra e, nos tempos de “paz”, indicar aos barcos amigos, com suas luzes, quais rotas a percorrer.

O Farol de São Marcos e Ana Jansen

O atual inspetor naval e ex-comandante dos Portos do Maranhão (1993-1995), Carlos Alberto Santos Ramos (com 55 anos de tempo na Marinha do Brasil) disse a O Estado que, nos tempos de fogueira, o Farol de São Marcos recebia a influência da personagem e ex-comerciante, Ana Jansen. “Cabia a ela a doação à Marinha do combustível usado para abastecer a chama usada nos primeiros anos do Farol de São Marcos”, disse o membro da instituição e um dos nomes mais respeitados da Marinha no estado.

Com esse incentivo, os navegadores que avistavam a Ilha se deparavam com as iluminações advindas do Forte de São Marcos que, de acordo com o histórico oficial referendado pela Marinha Brasileira, foi construído “em uma falésia de 28 metros de altura”.

A construção fora praticamente abandonada no século adiante. Até 1950, o farol era avaliado como um caso de iminente destruição. De acordo com a Capitania dos Portos do Maranhão, uma comissão de “oficiais hidrógrafos” avaliou que o farol deveria ser derrubado e, a partir daí, construído outro.

Nem esperaram um fato acontecer para surgir o outro farol da Ilha: o do Araçagi.

Varanda de barco no Farol do Araçagi, em Raposa, de onde se tem vista deslumbrante de toda a Ilha
Varanda de barco no Farol do Araçagi, em Raposa, de onde se tem vista deslumbrante de toda a Ilha

“A varanda de barco” e seus 40 metros pujantes: o farol de onde se avista “toda” a Ilha

Era próximo do Natal de 1957, mais especificamente dia 16 de dezembro do corrente ano, quando a construção de 40 metros de altura fixada a uma altitude aproximada de 51 metros em latitude 02°27''''03S e longitude 44° 08''''89W (cujas coordenadas estão previstas nas cartas náuticas) a partir da Baía de São Marcos, no município de Raposa(Região Metropolitana de São Luís) se deu, recebendo o nome de Farol do Araçagi. A obra foi possível a partir de iniciativa da Marinha do Brasil, assim como o Farol de São Marcos (em comum acordo com o governo da província).

Com uma estrutura de torre de tronco piramidal quadrangular, feito de alvenaria e com losangos pretos e brancos, o Farol era visto em boa parte da orla. Em paralelo à construção do Farol do Araçagi o Farol de São Marcos (ainda que antigo) resistia.

Os dois faróis funcionaram simultaneamente por sete anos, até que em 1964, a tripulação do navio hidrográfico “Sírius” - que então fazia o levantamento de Baía de São Marcos nas áreas de fundeio, onde ficam os navios mercantes no instante – testemunhou o desmoronamento dos restos do forte e, em consequência, do farol pelo desgaste da falésia.

Durante 20 anos, o Farol do Araçagi “reinou absoluto”, até que um novo Farol de São Marcos foi reerguido na área do antigo forte (que atualmente é gerido por uma vila militar de responsabilidade da Marinha do Brasil).

Atualmente, uma das características que mais chama a atenção no Farol do Araçagi é, além de sua posição geográfica – considerada uma das mais altas da área da Ilha de São Luís – sua varanda em formato de barco. Segundo o capitão dos Portos do Maranhão, Márcio Ramalho Dutra, trata-se de um ganho estético. “É a única estrutura do Brasil com essa configuração”, disse.

O Estado teve acesso à parte interna do Farol do Araçagi, na quinta-feira (11). A área, demarcada pela Marinha, fica às margens da MA-203, que dá acesso ao município de Raposa (um dos que integram a Região Metropolitana de São Luís). Antes de chegar ao topo da estrutura, é necessário enfrentar uma subida de aproximadamente 15 minutos e “encarar” os 208 degraus até o cume.

Ao chegar no local exato, é possível vislumbrar uma das vistas mais belas da Grande Ilha. Na varanda, são observadas as praias do Araçagi, Olho d´Água, Raposa e Panaquatira. É nela que está instalado o aparelho lenticular. É por meio dele (um equipamento fabricado no século XIX que a luz, através de prismas laterais, é canalizada até o prisma central que, por sua vez, lança o feixe luminoso pela costa.

Oficialmente, o Farol do Araçagi oferece aos navegadores um feixe de luz de alcance aproximado de 33 milhas náuticas, ou 60 quilômetros. Além disso, como característica do sinal luminoso, o chamado lampejo (ou disparo de luz) é avistado a cada três segundos. O efeito do disparo somente é possível, pois o eixo do aparelho lenticular, onde estão fixados os prismas, é móvel.

Capitão dos Portos do Maranhão, Márcio Ramalho Dutra
Capitão dos Portos do Maranhão, Márcio Ramalho Dutra

Vantagens dos faróis

Em meio à tecnologia e aos recursos avançados de referência espacial, para quem desbrava os mares, os faróis ainda são considerados instrumentos eficazes de monitoramento e navegabilidade. “Como se sabe, apesar dos avanços, a navegação visual ainda é a mais precisa para o navegador, pois é ela que te oferece a linha de posição mais precisa. E um dos instrumentos mais importantes deste tipo de navegação é, sem dúvida, o farol”, disse o capitão dos Portos do Maranhão, Márcio Ramalho Dutra.

Ele cita ainda que, por se tratarem de equipamentos eletrônicos, aparelhos de navegação mantidos por satélites estão sujeitos a falhas técnicas. Para não perder a referência, os faróis ainda são fundamentais. “E ainda o satélite pode falhar. No caso da referência astronômica, também dependeria do tempo. Ou seja, embora sejam mais precisos, nunca é bom duvidar da eficácia dos faróis”, disse o capitão.

Outra vantagem dos faróis é o auxílio aos navegadores de baixa renda (pescadores, em sua maioria). Como não dispõem, muitas vezes, de poder aquisitivo para obterem equipamentos mais modernos, cabe aos faróis a orientação a eles no mar.

O atual Farol de São Marcos

Atualmente, o Farol de São Marcos está com sinais de desgaste, pela ação do tempo e da salinidade vinda do mar. Ao lado da estrutura vista hoje, está uma parte da estrutura anterior. Segundo a Capitania dos Portos, está prevista uma reforma ainda este ano no Farol de São Marcos.

ABRINDO O JOGO - Sargento Jackson Memória

Sargento Jackson Memória vive a mesma rotina há dois anos no Farol do Araçagi
Sargento Jackson Memória vive a mesma rotina há dois anos no Farol do Araçagi

A vida de um faroleiro: a rotina no Araçagi

Ele acorda todos os dias às 5h da manhã e, ao sair de sua casa (um pequeno chalé ao lado da estrutura de orientação marítima), se desloca até o topo do Farol do Araçagi para checagem da estrutura e pequenos reparos. À noite, a mesma missão.

Esta é a rotina, há mais de dois anos, do sargento Jackson Memória. Filho da Raposa, nascido na terra - após rodar pelo país cuidando de outros faróis como o de Ilha Rasa – o sargento membro da Marinha voltou ao Maranhão para cuidar do Farol do Araçagi.

Faroleiro oficial da estrutura, o sargento contou um pouco mais de sua rotina e como chegou a missão.

Como o senhor se interessou pela função de faroleiro?

Na verdade, na academia, há cursos para formação específica em orientação marítima. Foi a partir da especialização que me interessei pela carreira e pretendo seguI-la.

E sua família, como reagiu após a escolha da carreira?

Sem problema. Muitas vezes a função de faroleiro é vista pela sociedade como inferior, mas não é o caso. Trata-se de uma missão que recebemos e de inteira responsabilidade. As embarcações, sejam elas de pequeno ou grande porte, dependem mais ou menos da orientação pelo farol. Ou seja, quem embarca nelas também estão sob a minha responsabilidade.

Como foi sua permanência no Farol de Ilha Rasa, no Rio de Janeiro?

Por seu aspecto de isolamento, em alguns momentos, não foi fácil pela distância da família. Mas era a minha missão e me designei a ela ciente desta situação. Passei quatro meses eu e outros oficiais no local. Depois, fui para outra missão.

Quando os seus reparos necessitam de uma peça, de outra estrutura, como você faz?

Neste caso, a gente entra em contato com o Centro de Sinalização Náutica Almirante Moraes Rêgo, situado no Rio de Janeiro. É esta entidade responsável por orientar e coordenar as atividades de auxílio à navegação no Brasil. Eles são oficiados e, quando necessários, nos dão o suporte aqui.

E se alguém perguntar a você sobre seguir a carreira de faroleiro, o que diria?

Para segui-la com certeza. É uma missão necessária e fundamental a qual exerço com orgulho e afinco diariamente.

SAIBA MAIS

Outros faróis do Maranhão: Preguiças, Santana e São João

Inaugurada em 16 de julho de 1909 (data provável), o Farol Preguiças – no povoado de Mandacaru (próxima a Barreirinhas) está a 24 milhas ao norte do Porto de Tutóia e com alcance luminoso de 43 milhas náuticas. A torre original, no alto de seus 28 metros, representava uma novidade para a época por causa de seu equipamento luminoso, movido a gás.

Meio século mais tarde, completamente corroída (de acordo com o exemplar “Luzes do Novo Mundo), a estrutura foi substituída por outra, mais moderna, de concreto. O projeto escolhido para ela foi o mesmo utilizado para a construção do Farol Mostardas, no Rio Grande do Sul (RS).

Preguiças foi um dos faróis brasileiros que contou com um elevador manual capaz de içar até duas pessoas.

Mais

Ao leste da Baía de São José, o Farol de Santana foi inaugurado em 1831, mesmo ano do Farol de São Marcos (originário). Antes disso, havia pressão no governo local para que os navios estrangeiros pagassem uma taxa para aplicação na orientação marítima.

Antes do Farol de Santana, a única referência era um conjunto de pedras onde, a noite, se fazia uma fogueira. Após sua construção, o governo percebeu o alto custo para a sua manutenção, por sua proximidade com o mar.

A primeira torre resistiu por 29 anos, sendo outra inaugurada em 1861. Esta segunda teve duração de 23 anos Em 1884, a terceira torre foi erguida.

Além dos faróis de Santana e Preguiças, há ainda o Farol de São João, em Carutapera (MA).

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