Artigo

A Revolução dos Brinquedos

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

Fascinante são as mutações no mundo dos brinquedos através dos tempos, observar como o design tradicional das peças, perpassando centenas de anos sem alterações significativas, mudou radicalmente. Já repararam que, desde tempos remotos, os brinquedos oferecidos às crianças sempre foram feitos à imagem e semelhança de pessoas, animais ou objetos: bonecas de feições delicadas, cabelos sedosos, corpo proporcional; bichinhos, mesmo selvagens, de feições agradáveis, de modo a despertar sentimentos de maternidade, afeição e ternura, e máquinas replicadas nos seus mínimos detalhes. O mundo real representado. E assim pareceu bom por gerações. É apenas observação empírica, curiosidade leiga, mas quem quiser conferir, basta visitar um desses museus europeus de brinquedos. O mundo dos brinquedos perpassou do Cubismo ao Concretismo e demais ismos sem se contaminar com as suas características.

Um inesperado ismo, o consumismo, surge no mundo dos brinquedos no final dos anos 50. Ele trouxe à banda ocidental uma mudança radical: uma boneca-moça. Sucesso total e derrocada de bonecas-meninas ou bebês. A Barbie, um protótipo de perfeição feminina impingido para o mundo, o da adolescente loura dolicocéfala, magérrima, perfeito para estimular a venda de roupas, acessórios e cosméticos e encurtar a infância de um consumidor inexplorado: as meninas. Apesar da mudança, dos exageros da silhueta longilínea - ah, o tormento feminino da magreza - a boneca conservou “humanos o gesto e o peito”, lembrando nosso bardo maior.

Súbito, outra reviravolta, as bonecas de hoje, a exemplo das Superpoderosas – um sucesso de vendas -, são cabeçudas, do olhão, outras são de pernas longuíssimas e cabeças miúdas, quando não atarracadas de pernas curtas e imensos pés. Nenhuma de proporções normais. Os bichinhos de pelúcia e borracha transformaram-se em animais monstruosos, mistura de répteis e figuras de pesadelo, um composto que lembra o conúbio de um dragão com uma escavadeira. Com esse horrendo aspecto, tornaram-se os companheiros prediletos de bebês, substituindo ursos-panda e fofos gatinhos e cãezinhos. Ao observar esses monstros, que os pais colocam dentro dos berços ou decorando o quarto, acho estranhíssimo os infantes não rebentarem em berreiros de pavor à sua visão. Que nada, o bebê de colo sorri quando um demônio da Tasmânia rosna para ele, arreganhando os dentes.

Pessoas teorizam sobre a aceitação desses monstros impingidos às crianças: isso faz parte de bem urdida estratégia do anunciado fim dos tempos, os demônios querem tomar o mundo e estão cooptando as crianças para essa dominação. Os adultos, esses, já estão conquistados, na medida em que não crêem mais no diabo – uma das artimanhas do tinhoso para melhor agir. Ou será o consumismo, manipulando o gosto infantil? Atualizando os brinquedos de acordo com as outras mídias, desenhos, filmes, histórias em quadrinhos, jogos, cosplays. Vide Pokémon, Harry Potter, os mangás, os super-heróis etc. Criando lucrativos merchandises. E você, que acha?

Por outro lado, os brinquedos tradicionais vêm sofrendo o desmonte de suas características. Filmes como O Brinquedo Assassino, com o boneco Chucky como titular, que já tem até série própria, Anabelle e outros em que pacatos brinquedos se revoltam contra os maus tratos dos pequenos donos, têm levado crianças a temê-los mais que aos monstros. Minha neta Júlia, tempos atrás, recusou a sua boneca preferida na hora de dormir. Estranhei, e veio a revelação, É que sonhei com ela acordando durante a noite e me enchendo a cara de tapas. Preferiu abraçar-se a um jacaré dentuço e de chapéu. Sinal dos tempos.

Ceres Costa Fernandes

Mestra em Literatura e membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: ceresfernandes@superig.com.br

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