Especial

Apeadouro, bairro formado por uma gente simples e acolhedora

Caracterizado por ser um bairro pacato, apesar de ausência de espaços para socialização como praças por exemplo, local é o famoso "todo mundo se conhece"

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
Seu “Célio Batata”, seu “Caju” com o filho, em conversa com o professor Ed Wilson Araújo, no bairro
Seu “Célio Batata”, seu “Caju” com o filho, em conversa com o professor Ed Wilson Araújo, no bairro

SÃO LUÍS - “Daqui eu não saio para a Península [na Ponta d’Areia, área com metro quadra­do mais valorizado de São Luís]!”. A frase, dita por José Braga Cantanhede, conhecido entre os vizinhos como “seu Caju”, exemplifica o sentimento de quem mora na velha, mas ainda conservada Apeadouro. Apesar da ausência devido a uma carência histórica do bairro de espaços públicos, como praças, por exemplo, devido à dimensão reduzida (poucas ruas), número estrito de residências e, principalmente, por causa do tempo longo de permanência, moradores se conhecem e, apesar de não carregarem os famosos “laços familiares”, se correlacionam como se assim os fossem.

E uma das principais regras para se morar no Apeadouro é ter pelo menos “um apelido”. Não há aquele que resida ou tenha residido no espaço urbano que não seja conhecido por outro termo além do nome e sobrenome oficiais. Tem de tudo: “seu Bala”, “seu Caju”, “seu Moura” (o “safadeiro” e inventor) e “seu Batata”. O que enriquece é conhecer a origem de cada apelido, que, em alguns dos casos, tem ligação direta com algo corriqueiro do bairro.

Um dos personagens mais enriquecedores começou a constituir família a partir do Apeadouro, onde chegou, há cerca de 45 anos. Aos 88 anos, Norberto Guimarães é anônimo no conjunto habitacional quando é tratado pelo nome de identidade. Mas quando se referem a “seu Bala”, não há quem não conheça ou não tenha conhecido.

Se atualmente o aposentado sofre com as limitações físicas, internamente ainda é possível um senhor ativo e atrevido, como os próprios amigos o definem. O apelido se deve especialmente por sua atividade comercial no bairro, que, além de o sustentar, foi um dos points do bairro por vários anos. E ainda pela sua rapidez enquanto jogador (dizem no interior que ele batia o escanteio e ia para a área cabecear).

A “Quitanda do Bala” ficava na esquina entre as ruas Manoel da Nóbrega e Sousa Andrade, onde atualmente encontra-se uma moradia. Além de oferecer produtos do gênero alimentício (arroz, farinha, feijão, linguiça e outros), a quitanda (com seus balcões, prateleiras e balança para pesagem) também era onde todo mundo se encontrava nos fins de tarde para bater aquele papo ou tomar aquela cervejinha.

O próprio “seu Bala” lembrou sobre estes tempos. “Era muito bom, dava para a gente conversar na por­ta. Não tinha esse negócio de assalto. Sempre foi um bairro tranquilo e meu comércio era referência”, disse. Foi com o comércio no Apeadouro que “seu Bala” - morador do bairro - sustentou a família.

Outra atividade de “seu Bala” também não é esquecida por quem ali morou no Apeadouro nos anos 1960 e 1970. No quintal de sua residência (atualmente vizinha à de dona Terezinha Araújo), era possível se debruçar sobre o muro de uma casa ao lado e vê-lo matando porcos.

A matança era uma atração em um tempo em que as diversões da garotada se restringiam a jogar “chuço ou chucho”, ou peteca, ou empinar papagaio ou jogar bola nas ruas de areia. “Quando ‘seu Bala’ ia matar porcos, todo mundo ia lá para vê-lo degolar o porco, tirar o sangue e depois tirar a pele do animal”, disse Ed Wilson Araújo, antigo morador. Na entrada de sua residência, já havia pessoas interessadas em adquirir os tais porcos de cria de quintal de casa.
Outro “personagem” famoso do Apeadouro foi o sr. João Moura (João Izidoro de Moura), o “Pamogia”, sogro de Serra de Aquino – famoso criminalista da Ilha e falecido em 2012. Um autodidata, sua oficina mecânica era localizada na rua Manoel da Nóbrega e, além de consertar os veículos da época, seu Moura era um contador de histórias (que nem sempre eram verdadeiras).

O antes de moradia construída no Apeadouro (Arquivo)
O antes de moradia construída no Apeadouro (Arquivo)
A residência na época atual, no bairro Apeadouro
A residência na época atual, no bairro Apeadouro

Seu Moura era ainda um inventor. Foi atribuída a ele a construção de um veículo movido a ar, que seria o primeiro da cidade com esta capacidade. O estabelecimento de seu Moura também era um “bico” para quem queria pegar um troco.

Seu Moura já é falecido, ao contrário de outros dois ilustres moradores ainda vivos. Seu José Braga Cantanhede (conhecido como “seu Caju”) é também antigo morador e amante do Apeadouro. Leitor crítico de O Estado diário e com um exemplar nas mãos, ele faz elogios ao bairro em frente a sua residência, na rua Sousa Andrade. “Aqui era muito tranquilo, na verdade sempre foi. Gosto demais de morar aqui. Não trocava nem para morar na Península”, bradou.
Mas o personagem talvez mais curioso seja Célio Magalhães, conhecido como “Célio Batata”.

Antigo lateral-direito dos tempos de Sampaio Corrêa, Vitória do Mar, Moto Club e Maranhão Atlético Clube, “seu Batata” mora atualmente em uma pequena casa no bairro.
Adquirida ainda enquanto jogador, “seu Batata” cita o tempo em que era reconhecido no Apeadouro como grande craque. “O pessoal me conhecia aqui no bairro por ter jogado em importantes clubes do futebol local”, disse.

Dos estabelecimentos comerciais ainda existentes, há o antigo Bar do Zeca. Atualmente, o estabelecimen­to é administrado por dona Vanderlita Baldez, uma simpática senhora que, de tão tímida, somente aceitou tirar uma foto no antigo balcão das origens do local, antes um comércio. Atualmente, o bar funciona na Rua Astolfo Marques.

Os costumes
Em um período histórico sem redes sociais ou outras atrações. Divertir-se no Apeadouro era, antes de tudo, um aprendizado. Aprender que começava a partir das lições de Dona Enedina, outra antiga moradora, já falecida, e responsável pela alfabetização da maior parte do bairro em sua casa, no território apeadourense.

Uma das diversões da época famosas era se dirigir aos clubes. Nes­te período, havia um local do gêne­ro no Bairro de Fátima, que recebeu vários grupos de então adolescentes do Apeadouro.
Outro barato era juntar a turma de amigos das principais ruas e ir de carro (na maioria das vezes na carona de seu Serra de Aquino) para jogar bola no Olho d’Água. Quando regressavam da bola, era comum recuperar as energias tomando aquele mingau maravilhoso feito por dona Ana, também no Apeadouro.

Dona Vanderlita Baldez, atrás do balcão do Bar do Zeca, um dos que resiste no bairro Apeadouro
Dona Vanderlita Baldez, atrás do balcão do Bar do Zeca, um dos que resiste no bairro Apeadouro

Berço de arraial
A partir da década de 1970, o Apeadouro foi palco de um dos principais arraiais da cidade. Pessoas de todas as partes da cidade se juntavam nas ruas apertadas do Apeadouro para ver as manifestações, que, no chão, levavam o público ao delírio. Antes disso, o bairro já recebia grupos, em meados da década de 1960.

Foi neste período que o compositor Didi, do boi de orquestra de Baiacuí (nome de um povoado de Icatu), homenageava Baicilícia Correia de Azevedo, a Dona Bazica, em retribuição ao bordado que ela fa­zia para o couro de boi. A apresentação aconteceu na porta de Dona Bazica, na Rua Sousa Andrade, no Apeadouro.

O idealizador da brincadeira, pós-1970, foi o advogado Serra de Aqui­no, que contou com os incentivos de “Pamogia”, e de sua esposa, Francisca Moura, a dona Chiquinha. Auxiliados pelo “Cabeça Branca”, seu Raimundo Nonato, começaram a fazer os convites às brincadeiras, mediante o repasse de um agrado, que costumava ser um ou dois conhaques e/ou garrafas de cachaças.

Pelo arraial, de acordo com pesquisa do jornalista Ed Wilson, passaram os principais grupos folclóricos do Maranhão (Maracanã, Apolônio, Pindoba, Cururupu, dentre outros). No entanto, a relação é mais estreita com o Boi de Axixá. Tanto que os versos do hino da festa, “Bela Mocidade” - foram ecoados pelas ruas do Apeadouro a partir também da inspiração do próprio arraial.

Com o passar dos anos, esporadicamente, vinham grupos para se exibir na porta de um morador a convite. O arraial do Apeadouro ocorreu até meados do início da década de 1990. Segundo Maristela Raposo, antiga moradora, dois foram os fatores para o término.

“Houve um crime no arraial, e ele ficou mal falado. Depois, após uma enxurrada, um epiléptico foi levado pela água, e a Justiça impediu a festa, alegando insegurança”, disse.

Ruas curiosas
Além das ruas Manoel da Nóbrega e Sousa Andrade, outras ruas conhe­cidas do bairro são as ruas Agostinho Reis, Astolfo Marques, Valê Sobrinho e Duque de Caxias.

Ao lado onde atualmente funciona uma academia, passava a Estrada da Vitória, que cortava o Apeadouro e era uma atração. Crianças se juntavam ao lado dos trilhos para jogar pedras nos vagões.

Outro fato pitoresco é a alta concentração no bairro de sedes de editoras. Em períodos de início de aulas, é comum ver a grande concentração de pais e responsáveis se concentrando nestes estabelecimentos.

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