Acusações

Maduro reprime e criminaliza opositores, diz informe da ONU

Em documento, a comissária de Direitos Humanos,Michelle Bachelet, revela aumento de execuções extrajudiciais e afirma que o governo de Nicolás Maduro se comprometeu a solucionar questões como uso da tortura

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
A alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, ao lado do presidente Nicolás Maduro
A alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, ao lado do presidente Nicolás Maduro (Reuters)

GENEBRA - Duas semanas após a visita da chefe de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet , a Caracas , um informe contundente publicado acusa o governo de Nicolás Maduro de “tentar neutralizar, reprimir e criminalizar políticos opositores”.

No documento, a ex-presidente chilena adverte ainda, que se a situação não melhorar, continuará o êxodo sem precedentes de emigrantes e refugiados que deixam o país, assim como piorarão as condições de vida daqueles que permanecem.

O relatório, baseado em 558 entrevistas com vítimas e testemunhas de violações dos direitos humanos no país, afirma que na última década, e especialmente desde 2016, o governo venezuelano e suas instituições têm usado uma estratégia “orientada a neutralizar, reprimir e criminalizar a oposição política e aqueles que criticam o governo”.

Segundo o documento, até maio de 2019, havia 793 pessoas arbitrariamente privadas de liberdade no país, incluindo 58 mulheres. Além disso, 22 deputados da Assembleia Nacional, incluindo seu presidente, Juan Guaidó, tiveram retirada sua imunidade parlamentar.

Embora a alta comissária tenha saudado a recente libertação de 62 presos políticos, Bachelet voltou a pedir às autoridades que libertem prisioneiros detidos por protestos pacíficos .

“Um padre católico me disse em Caracas: 'Não se trata de política, se trata do sofrimento do povo'. Este relatório também não trata de política, geopolítica, relações internacionais ou qualquer outra coisa que não sejam os direitos humanos aos quais todo venezuelano tem direito”, afirma no informe.

Militarização do Estado

O relatório detalha a gradual militarização das instituições do Estado durante a última década. No período, tanto as forças civis quanto as militares foram “responsáveis por detenções arbitrárias, maus-tratos e tortura contra os críticos do governo e suas famílias, violência sexual e de gênero perpetrada durante os períodos de detenção e visitas, e uso excessivo de força durante manifestações”.

Segundo o informe, grupos armados civis pró-governo, conhecidos como coletivos, contribuíram para a deterioração da situação. O Escritório documentou 66 mortes durante os protestos de janeiro a maio de 2019, dos quais 52 podem ser atribuídos às forças de segurança ou aos coletivos. O documento enfatiza ainda que a maioria das vítimas de violações não teve acesso real à justiça ou reparação adequada.

“O Ministério Público tem falhado regularmente em cumprir sua obrigação de investigar e levar à justiça as pessoas responsáveis pelos fatos e o Defensor do Povo manteve silêncio sobre as violações dos direitos humanos”.

As execuções extrajudiciais, supostamente cometidas pelas forças de segurança, em particular pelas Forças Especiais (FAES), também tem sido surpreendentemente alta, segundo o relatório.

Em 2018, o governo registrou 5.287 mortes, supostamente devido à “resistência à autoridade”, em operações policias. Entre 1º de janeiro e 19 de maio deste ano, outras 1.569 pessoas foram mortas, segundo as estatísticas do próprio governo. Outras fontes sugerem que os números poderiam ser muito maiores.

Nesse sentido, a comissária da ONU afirma que “o governo se comprometeu a solucionar algumas das questões mais espinhosas”, como o uso da tortura e o acesso à Justiça, e a facilitar a entrada ilimitada de observadores da ONU a centros de reclusão.

Crise econômica

Para a jornalista Luz Mely Reyes, do site Efecto Cocuyo, trata-se de um relatório contundente, que aborda a maioria das denúncias feitas por ativistas no país. Para ela, o mais importante é que o documento não deixa dúvidas sobre a situação dos presos políticos.

" O relatório é um marco que revela violações que muitos negavam que acontecessem na Venezuela. E fará com que Maduro busque mudar ações, como por exemplo, a atuação da FAES, um grupo de extermínio que já vinha sendo denunciado por diversas ONGs e jornalistas do país".

No documento, se destaca ainda a repercussão da profunda crise econômica que privou a população de seus direitos básicos à alimentação e cuidados de saúde, dentre outros. Bachelet afirma que, embora a economia estivesse em crise muito antes das sanções impostas a alguns setores, as últimas punições econômicas dos Estados Unidos, principalmente vinculadas ao setor petrolífero, estão agravando ainda mais os efeitos da crise.

"Importante ainda o destaque dado à emergência humanitária complexa, que se dá inclusive antes das sanções financeiras dos Estados Unidos. Outro tema citado foi a hegemonia comunicacional, ou seja, a tentativa do governo de que haja apenas uma opinião, e a consequente perseguição de jornalistas por parte do Estado", afirma Reyes.

Relatório

Rafael Uzcátegui, do Provea, destaca ainda o valor simbólico do relatório.“O informe da ONU não traz nenhuma novidade para quem está bem informado sobre a Venezuela. Mas seu valor simbólico diante daqueles que persistem em apoiar um governo antidemocrático é inegável”, disse no Twitter.

A alta comissária esteve em Caracas de 19 a 21 de junho e durante os dois dias de visita realizou entrevistas com políticos do governo e da oposição, incluindo Maduro e Guaidó; membros da sociedade civil, como empresários, ativistas e professores; e vítimas e familiares.

Após a visita, uma equipe de dois funcionários do escritório de Direitos Humanos permaneceu no país, como parte de um acordo que lhes permite prestar assessoria e assistência técnica, além de monitorar a situação dos direitos humanos.

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