Tortura

Preso de Guantánamo tenta fazer governo americano compensá-lo

Em processo inédito, ex-mensageiro da al-Qaeda busca redução de pena; homem ficou pendurado pelos pulsos por dois dias seguidos, pelado e encapuzado, sofrendo violentas alucinações

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
Bandeira americana hasteada na base naval de Guantánamo, em Cuba
Bandeira americana hasteada na base naval de Guantánamo, em Cuba (Reuters)

GUANTÁNAMO, Cuba — Antes de ser enviado para prisão de Guantánamo, Majid Khan passou mais de três anos em prisões daAgência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos. Durante este período, o homem ficou pendurado pelos pulsos por dois dias seguidos, pelado e encapuzado, sofrendo violentas alucinações.

Khan, que confessou ser um mensageiro da al-Qaeda , ficou detido em escuridão quase completa por um ano, temendo ser mergulhado em uma banheira cheia de gelo ou isolado em uma cela com insetos que o mordiam até que sangrasse. Em 2004, quando fez greve de fome, a agência "introduziu" uma mistura pastosa de macarrão, molho, castanhas, uva passa e hummus em seu reto, segundo um relatório da Comissão de Inteligência do Senado.

Agora, o homem e sua equipe de defesa estão buscando algo inédito: fazer o governo americano reconhecer que Khan foi submetido à tortura e compensá-lo por isso.

Em 2012, perante tribunal militar, Khan disse ser culpado de entregar US$ 50 mil da al-Qaeda para financiar um atentado terrorista ao hotel Marriott, na Indonésia, em 2003, e que ajudou a bancar o planejamento de outros ataques que nunca se concretizaram.

Ele continua na prisão militar na Baía de Guantánamo, em Cuba, mas ainda não recebeu sua sentença porque concordou em se tornar informante do governo americano, em troca de uma chance de redução de pena.

Tratamento

Como parte do processo, os advogados do prisioneiro argumentam que o tratamento ao qual Khan foi submetido quando estava sob custódia da CIA deve ser levado em consideração. A defesa também pede que o juiz conceda uma redução da pena, como crédito pela tortura a qual foi submetido.

O juiz do Exército que é responsável pelo caso no tribunal militar de Guantánamo concordou em ouvir os argumentos da acusação e da defesa sobre sua autoridade para conceder reparação pela tortura cometida pelo governo americano após os ataques terroristas do dia 11 de setembro de 2001. Os procedimentos deverão começar no dia 9 de julho.

O governo americano sinalizou que pretende se opor ao pedido. Em procedimento no mês passado, seus representantes pediram que o juiz não chamasse testemunhas ou escutasse evidências sobre o que aconteceu com Khan. Eles argumentaram que não há qualquer provisão para a prática de conceder crédito por punições antes do julgamento — algo usado em cortes marciais americanas — e alegaram que o réu poderia pedir ao júri militar que determinará sua sentença para considerar a questão. Segundo esses representantes, os advogados de Khan só poderão apresentar uma petição de clemência ao funcionário do Pentágono responsável pelo tribunal de Guantánamo, após o veredicto.

Por mais que os advogados de defesa atuantes em Guantánamo venham tentando há anos fazer a CIA responder judicialmente por seu "programa de interrogatórios", eufemismo para a tortura sistemática de prisioneiros, implementado entre 2002 e 2006 e autorizado pelo então presidente George W. Bush, o pedido feito pela defesa de Khan é inédito.

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Os casos de condenação à pena de morte julgados em Guantánamo estão em fase de instrução há anos, enquanto os juízes militares tentam conciliar os procedimentos judiciais básicos com a insistência da CIA de que aspectos de seu finado programa de tortura são segredos nacionais. Entre as restrições desejadas pela agência, destacam-se as identidades dos agentes da CIA e de outras pessoas, como médicos, que viram ou participaram dos atos. O número de vítimas do programa é incerto, mas acredita-se que ultrapasse cem pessoas.

Quando Khan se declarou culpado das acusações de terrorismo em 2012, o governo e os advogados de defesa importaram uma prática usada na Justiça criminal nos casos de quadrilhas criminosas e concordaram em adiar a sentença em troca de que ele se tornasse informante.

Na época, o advogado de Khan disse que ele “iria se juntar ao Time Estados Unidos para fazer a coisa certa e ter certeza de que teria a chance de ter uma vida produtiva e significativa". A primeira oportunidade de Khan testemunhar como informante poderá ocorrer neste ano, durante o julgamento do paquistanês Uzair Paracha, 38 anos, suspeito de fornecer apoio material ao terrorismo.

Antes disso, contudo, os advogados de Khan pretendem conseguir a redução da pena como forma de crédito pela tortura a que ele foi submetido. Condenada a 35 anos de prisão pela divulgação de 750 mil documentos diplomáticos e informações militares americanas, Chelsea Manning conseguiu que a corte marcial concedesse um abatimento de 112 dias de sua sentença por ter sido mantida em isolamento em

O crédito por punição preventiva não é, no entanto, mencionado nas "Regras para as Comissões Militares", manual do tribunalde Guantánamo. Entretanto, a ideia de que um prisioneiro de Guantánamo pode se declarar culpado de crimes de guerra e adiar a condenação por anos também não é.

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