Especial/ São João

Da promessa pós-filho a Dá na Vó: o crescimento e a era mais popular da Maioba

Foi a partir da passagem de João Chiador e de Chagas que o Bumba meu Boi da Maioba começou a ser conhecido por toda a cidade, ganhando adeptos e lotando os arraiais

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
Boi da Maioba durante apresentação em arraial da capital
Boi da Maioba durante apresentação em arraial da capital


SÃO LUÍS - Após uma fase inicial de passagem pela própria comunidade, foi a partir do “furacão” de Dá na Vó no canto da Maioba, de João Chiador e de Chagas que o Boi da Maio­ba passa a, de fato, ser conhecido na cidade. O grupo aproveitou uma mudança na política de apoio cultural do poder público que, nos anos 1960 e 1970, vislumbrou nas manifestações uma forma de fomento social e exploração econômica.

Seu João de Chica criou uma condição para se dedicar à brincadeira. Sua esposa, Graça Maria, estava grávida, e ele fez uma promes­sa. Ou seja, se o filho dele nascesse com saúde, ele assumiria responsabilidade de fazer o boi. “Foi tudo normal e o meu pai, Calça Curta, foi o grande parceiro dele durante vários anos”, disse Zé Inaldo.

O primeiro amo marcante da Maioba: seu Dá na Vó
Se foram João de Chica e Calça Cur­ta os primeiros responsáveis pela fase inicial do Boi da Maioba, Dá na Vó, ou Luiz Rosa Gonzaga, foi o primeiro amo do boi. Ele era o responsável por “começar a cantoria” e tinha talento, voz e postura.

Mesmo ainda jovem, ele - além de se destacar em uma época com outros grandes nomes na cantoria de bumba boi como Hilário, Germano da Mata, Luiz Costa, Januário e outros - conquistou três vezes o título de “melhor cantador” da região. Apesar dos poucos registros referentes a ele, Dá na Vó (cujo motivo do apelido é mantido a sete chaves) é considerado um “papa” dos cantadores.

No início da década de 1960, com problemas de saúde, seu Dá na Vó literalmente passou o bastão para um certo João Costa Reis. Mais conhecido como João Chiador.

Vitória Rosa, diretora e uma apaixonada pelo Boi da Maioba
Vitória Rosa, diretora e uma apaixonada pelo Boi da Maioba

O pós-Dá na Vó e a chegada de Chiador
O luto de Dá na Vó sofrido pela comunidade deu ainda mais força para quem estava lá. Chiador iniciou não somente a transformação da brincadeira, que passou a expandir sua área de apresentações na Ilha (em São Luís especialmente), como também é neste período que se tem, conforme aponta Adriano Farias Rios em “Uma flânerie no lombo do Boi da Maioba”, uma intensa produção discográfica da brincadeira.

Era a possibilidade das toadas de Dá na Vó (já fora do grupo) e Chiador de serem retransmitidas nas principais rádios do Maranhão e até mesmo de outros estados. Além disso, na década de 1970, o Boi da Maioba passa a ter sede própria. Até o fim da década de 1980, o Boi da Maioba passa a refletir com exatidão a letra do hino “Boi de Lágrimas”, de Papete, quando aponta que “Chiador levantou Maioba”.

Foram quase 32 anos de Chiador envergando o “manto” da Maioba. Antes de seguir o legado de Dá na Vó, o cantador era vendedor de camarão na Praça João Lisboa. Aos 14 anos, ele demonstrou o dom da voz e integrou o boi organizado na Maiobinha. Ao saber que havia, ali no “vizinho”, um cantador talentoso, os organizadores colocaram Chiador para suceder Dá na Vó.

Chiador entrou na Maioba ainda jovem, aos 21 anos de idade. Até ho­je, é lembrado como um dos principais cantadores de toda a história.

Chiador e Zé Inaldo
Era uma noite de 1988 e João de Chica e Calça Curta chamam Zé Inaldo - ainda um jovem que recentemente voltara de viagem para uma conversa. Seria um papo que mudaria os rumos do Boi da Maio­ba. “Nossa, quando me lembro des­ta conversa, até me emociono!”, disse Zé Inaldo, atual responsável pelo Boi da Maioba.

No diálogo, Calça Curta - muito doente e debilitado - passou o bastão para Zé Inaldo. “Quando meu pai disse isso, não esperava, fiquei assim espantado com a confiança que ele depositara em mim. Mesmo surpreso, também sabia que, no fundo, este dia chegaria”, afirmou Zé Inaldo.

Em 1989, um ano após receber o boi, Zé Inaldo registra a brincadeira. “Neste momento, o Boi da Maioba que até então não tinha registro, passa a ter entidade jurídica”, frisou Zé Inaldo. É neste momento da história da brincadeira que a Maioba passa a contar com a Associação Beneficente Bumba-Boi da Maioba, cuja sede fica ao lado da MA-202, próximo ao Viva do bairro.

Prédio abriga parte da história do bumba meu boi da Maioba
Prédio abriga parte da história do bumba meu boi da Maioba

Saída de Chiador
Por que Chiador saiu da Maioba? Até hoje essa indagação passa pela cabeça dos chamados “maiobeiros”. A explicação vem da diretoria do grupo. Uma semana antes de anunciar oficialmente a sua saída do grupo, Chiador, Zé Inaldo e outras referências tomavam uma cervejinha, como se nada estivesse acontecendo.


Depois disso, veio o anúncio. “Chiador estava indo para o Boi de Ribamar. Neste dia, a Maioba estremeceu!”, disse Zé Inaldo. Comentou-se informalmente que a transferência também se deu por motivação financeira. Zé Inaldo e pessoas próximas souberam do valor, levantaram o dinheiro e ofereceram a Chiador, que, segundo Inaldo, prontamente recusou. “Nesta hora, percebemos que Chiador realmente queria ir embora”, disse Inaldo.

A versão de que Chiador teria recusado um dinheiro oferecido pela então diretoria do boi da Maioba foi negada pelo próprio em reportagem publicada por O Estado em junho de 2011. Questionado sobre o assunto, Chiador - ao lado de sua en­tão esposa Rosa Pereira Reis - disse que houve atrasos no pagamento de salários. “Foram desentendimen­tos quanto ao pagamento. Havia atrasos e nem sempre o dinheiro dava para cuidar da família”, disse à época.

O perdão recusado
Em 2003, dez anos após ter saído do Boi da Maioba, Chiador – segundo Zé Inaldo - tentou voltar para o grupo. No entanto, a saída desgastante gerou a recusa no pedido. “Quando Chiador tentou essa volta, disse a ele que o meu coração não permitia mais isso”, disse Zé Inaldo. Ainda em 2011 a O Estado, Chiador fazia planos de participar da programação junina. Mesmo com problemas na voz e outras limitações físicas, ele pretendia participar das próximas festas juninas. “Só quero me aposentar em 2014”, disse.

A meta foi menosprezada por sua então esposa Rosa Reis. “Todos os anos tu juras que vai parar, e nunca larga. Além disso, o que vai ser de nossa família no mês de junho?”, disse.

Apesar do rompimento, fotos do “velho” Chiador seguem espalhadas pelo espaço onde são expostas imagens antigas da brincadeira. “Chiador faz parte de nossa história, não há como recusar isso. A Maioba continuou sua história e até hoje é esta potência”, disse Zé Inaldo.

Chagas
Em 1993, com a desistência de João Chiador e sua ida para o Boi de Ribamar, a pergunta que os “maiobeiros” se faziam era: quem vai dar continuidade à andança do grupo? Dentre tantas possibilidades de cantadores que poderiam ser requisitados, a solução estava em casa e teria nome: Francisco Souza Correia, o Chagas.

Mesmo com acusações de pedofila que, mais tarde, mostraram-se infundadas, Chagas é ainda um dos nomes mais respeitados da história do bumba-boi. Sua história humilde transforma a sua relação com o Maioba ainda mais marcante. Da infância difícil em Icatu - a 110 quilômetros da capital maranhense -, inicialmente seu Chagas cantava “uma ou duas toadas” para descontrair.

Sua fama começou a se espalhar entre os culturalistas, até chegar na Maioba, no fim da década de 1980. Com o fim da relação Maioba-Chiador, coube à Chagas assumir o batalhão. Inicialmente, a decisão não fora aceita positivamente pelos mais antigos integrantes da brincadeira. Com o tempo, todos se convenceram de que foi a melhor escolha.

A explosão
“Se não existisse o sol, como seria pra terra se aquecer? E se não existisse o mar, como seria pra natureza sobreviver?”. Este trecho compõe uma das toadas mais famosas e cantadas a plenos pulmões dos amantes da festa junina pelos arraiais. A canção mais conhecida de Chagas partiu, segundo o próprio, do fanatismo a outra referência: Humberto de Maracanã.

Para Chagas, sua referência a um dos cantadores mais respeitados da cultura popular pautou sua carreira. “Eu sempre fui fã do Humberto [do Maracanã]. E deste fanatismo nasceu a minha inspiração. Ele [Humberto] sempre incluía em suas canções a palavra sol. Sempre o astro-rei integrava suas canções. E depois fiquei imaginando: como seria do mundo se não existisse o sol?”, indagou.

A relação entre Chagas e Maioba acabou em 2015. Apesar disso, não há qualquer ressentimento entre a atual direção e o cantador. “Chagas é meu compadre, temos uma relação muito próxima. Tenho muito carinho por ele”, disse Zé Inaldo.

Em março do ano passado, Chagas foi anunciado pelo Boi de Ribamar que, pela segunda vez, requisitaria os serviços de um cantador da Maioba. Antes disso, esteve no Boi da Pindoba. Mesmo relacionando a sua história a estas duas agremiações, quem lembra de Chagas, lembra do Boi da Maioba.

Atualmente, Marcos da Maioba, Darlan e Júnior da Maioba são os cantadores oficiais da brincadeira.

Brincante Márcia Almeida borda indumentária de integrantes e apaixonados pelo Boi da Maioba
Brincante Márcia Almeida borda indumentária de integrantes e apaixonados pelo Boi da Maioba

Maioba de Deus, Maioba de Luz, Maioba de todos nós!!!

“Amanhã, a nossa [festa] será bem maior!”. Este é o lema que move todos os colaboradores e integrantes do Boi da Maioba. Desde o presidente, passando por diretores à artesã que coloca cada miçanga nos chapéus, to­dos são considerados importantes.

Antes do praticamente pontapé da programação do Maioba para o São João 2019 - que inclui, neste fim de semana, apresentações no Alto Paranã, Maria Aragão e Monte Castelo -, O Estado acompanhou um dia no ateliê da manifestação. Os chapéus espalhados pelo espaço e o intenso movimento dos funcionários demonstraram a importância que a agremiação dá à festança junina.

Integrante há duas décadas do Boi da Maioba, sentada no chão, dona Márcia Almeida Santos separa o estojo com miçangas vermelhas para finalizar a cinta de um dos integrantes. Ela tem consciência do valor de seu trabalho. “Se a brincadeira não estiver bonita, se apresentando bem, do que adianta?”, afirmou.

De família do bairro Santa Cla­ra, a artesã fala com carinho do seu boi. “Eu amo estar aqui. Quando não tem apresentação, fico chateada. Com saudades, de estar aqui, arrumando as roupas e acompanhar cada show”, disse.

Já a família de Vitória Rosa, uma das diretoras do Boi da Maioba, acompanha o grupo há mais de três décadas. Para ela, não existe grupo mais forte na cultura maranhense. “O Boi da Maioba é uma enorme representação do nosso estado. Uma tradição secular que passou por diversos nomes, todos eles importantes, e que até hoje arrebata maiobeiros e fãs em todo o esta­do”, disse.

Se Não Existisse o Sol

(Composição: Chagas da Maioba)

Como seria pra Terra se aquecer
E se não existisse o mar
Como seria pra natureza sobreviver

Se não existisse o luar
O homem viveria na escuridão
Mas como existe tudo isso meu povo
Eu vou guarnecer meu batalhão de novo

É boi, rapaziada
Se não existisse o Sol
Como seria pra Terra se aquecer
E se não existisse o mar

Como seria pra natureza sobreviver
Se não existisse o luar
O homem viveria na escuridão
Mas como existe tudo isso meu povo
Eu vou guarnecer meu batalhão de novo

É boi, É boi, É boi

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