Artigo

Mal-estar institucional

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

“Oh, antipetismo! Quantos crimes se cometerão e se justificarão em teu nome?”, escreveu o jornalista Reinaldo Azevedo em uma de suas redes sociais recentemente. Se crimes foram ou serão cometidos, ainda não se sabe, mas ilegalidades, aparentemente, já foram muitas as praticadas, especificamente no âmbito da Operação Lava Jato, e que foram expostas por uma reportagem do The Intercept Brasil.

Entre as diversas irregularidades processuais e constitucionais reveladas pelo diálogo entre o então magistrado Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol, destaca-se uma manifestação que demonstra a instrumentalização do Poder Judiciário: “Ainda desconfio muito da nossa capacidade institucional de limpar o Congresso. O melhor seria o Congresso se autolimpar, mas isso não está no horizonte. E não sei se o STF tem força suficiente para processar e condenar tantos e tão poderosos”.

Aparentemente trata-se de ativismo judicial da pior espécie, que não se contenta em interpretar a lei conforme seus humores hermenêuticos, mas age em desconformidade com os limites institucionais e contra as normas, havendo claríssima subversão do ordenamento jurídico que diz proteger, o que faz parte de uma tendência vivenciada pelo país de ascensão do Poder Judiciário. Aparentemente. Pode ser algo pior: o direito e suas instituições colidindo com a política para rebaixar e fragilizar os demais poderes e a serviço de interesses individuais, criando um cenário de estresse constitucional que se intensificou após 2013 e teve seu clímax durante a ação penal que culminou na prisão do ex-presidente Lula e inviabilizou sua candidatura à presidência, deixando o caminho livre para a vitória de Jair Bolsonaro, que alçaria o juiz responsável pela condenação ao Ministério da Justiça e, possivelmente, ao Supremo Tribunal Federal.

Diz-se constantemente que o Brasil não é para amadores. E isso significa que não há coincidências nesse país. Quem não estranha a anormalidade dessa sucessão de fatos é cego ou tolo (ou, talvez, tão mal intencionado quanto magistrados e procuradores que subvertem normas e princípios constitucionais e processuais para fins privados). Lula pode ter cometido crimes (e quem não questiona minimamente suas condutas deve estar acometido pela pior cegueira de todas: a ideológica) e, se devidamente comprovados os ilícitos, deve cumprir sua pena como qualquer condenado.

Não se trata de levantar bandeiras partidárias, se trata de defender o garantismo, o princípio da imparcialidade do juiz, normas constitucionais e processuais que possibilitaram o desenvolvimento civilizatório que hoje desfrutamos e o nível de confiança do Poder Judiciário como âmbito corretivo de injustiças e garantidor de direitos fundamentais.

O direito e o Poder Judiciário tiveram tanto destaque nos últimos anos porque houve uma retração do sistema representativo que demonstrou sua incapacidade de cumprir promessas de justiça e equidade inerentes a uma sociedade liberal de livres e iguais. Por isso recorresse ao Judiciário como guardião dos direitos, da democracia e dos ideais incorporados no texto constitucional, elevando este Poder à última instância da dignidade humana. Em assim sendo, se nem mais na lisura das instituições do sistema de justiça pode-se confiar em virtude da atuação temerária de seus agentes que ampliou a desconfiança no sistema como um todo, o que ainda sobrará para este país?

Mylla Sampaio

Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça na Universidade Federal do Maranhão

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