Coluna do Sarney

Os mortos-vivos

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

Jorge Amado me contou que, depois de longo exílio, reencontrou um dos maiores poetas de língua espanhola, Pablo Neruda, e perguntou-lhe por um amigo comum, que tinha convivido com eles em Praga, onde nascera sua filha Paloma Amado. Neruda respondeu-lhe: “Jorge, não me perguntes por ninguém. Somos sobreviventes: todos já morreram.”

Já o meu mestre e companheiro de trabalho na redação de O Imparcial, dr. Fernando Perdigão, quando eu era moço, disse-me: “Sarney, a gente só sabe que está velho quando chegar ao Cemitério do Gavião, olhar para os túmulos e dizer: ‘Este aqui era meu amigo, esse ali foi meu alfaiate, aquele acolá, meu colega de faculdade, um mais adiante, meu professor de latim’”. Ri com ele e depois passei a lembrar-me de sua didática sempre que ia ao cemitério e reconhecia nas lápides amigos e conhecidos.

Com esse sentimento, sentei-me para escrever esta coluna lembrando-me do Clóvis Rossi, que acaba de nos deixar. Grande jornalista. Na Folha de S.Paulo também tínhamos, acima de todos, o Cláudio Abramo, mestre dos mestres; no Jornal do Brasil, Herberto Sales e o notável Carlos Castelo Branco, o Castelinho, grande jornalista de análise, igual ou melhor do que Tobias Monteiro, que, além de historiador, foi o primeiro a fazer grandes reportagens sobre as figuras do Império, sobre o qual escreveu, em dois volumes, o História do Império, reconstituindo, com as fontes primárias, a Lei do Ventre Livre, a Abolição, a República. Castelo foi mais do que ele: escreveu a história contemporânea do Brasil em seus artigos no JB (Coluna do Castelo), permitindo-nos acompanhar, pelo seu trabalho, todos os acontecimentos, altos e baixos, do nosso país. Foi meu colega na Academia Brasileira de Letras, onde o recebi.

Vou aos patriarcas e aqui coloco o maior de todos: Odylo Costa, filho, meu amigo, o maior que tive, pai do jornalismo moderno no Brasil, no qual foi não somente o mestre no texto: inovou a feitura, o modelo, o texto dos jornais, a começar pelo Jornal do Brasil.

Lembro Pompeu de Sousa e o deus Austregésilo de Athayde.

No princípio do século XX, houve uma grande polêmica sobre se o jornalismo era ou não literatura. Discussão inútil. Pelo jornalismo, pode-se fazer boa literatura, sem dizer que temos grandes escritores que foram também grandes jornalistas. Josué Montello era um. Gostava do jornal. Adorava a polêmica e foi um dos maiores romancistas e intelectuais brasileiros.

A morte de Clóvis Rossi fez-me rebuscar estas lembranças. Todos já morreram, mas todos estão vivos através da palavra escrita, onde mora a eternidade.

Mas não posso terminar sem colocar uma coroa de louro no velho Nascimento de Moraes, aqui do Maranhão, pai de todos, a quem ainda conheci e com quem trabalhei.

Depois, aí vai também a saudade, Bandeira Tribuzi, amigo e irmão, poeta maior, que citei nas Nações Unidas, com quem fundamos este jornal. Dizia ele: “Que tempos de viver-se!” Além de tudo, profetas. Todos mortos-vivos.

José Sarney

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