Entrevista

"Não é o juiz do trabalho que é paternalista. Isso é um mito"

Desembargadora Solange Passos Cordeiro comemora 30 anos do TRT-MA, diz que juízes apenas fazem cumprir leis protecionistas e destaca imprescindibilidade da Justiça do Trabalho. "Pode até ser extinta, mas o litígio trabalhista nunca vai acabar"

Gilberto Léda

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
(Solange Passos)

Na semana em que se comemoraram 30 anos do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão (TRT-MA), a presidente do órgão, desembargadora Solange Cristina Passos de Castro Cordeiro, concedeu entrevista exclusiva a O Estado.

Na conversa, falou da repercussão da Lei do Teto de Gastos no orçamento da corte – que impacta na prestação de serviços -, das mudanças impostas pela Reforma Trabalhista, e traçou um panorama para o futuro da Justiça do Trabalho.

Segundo ela, trata-se de uma estrutura ainda “cara”, mas necessária à sociedade. “O litígio trabalhista não vai acabar, só vai mudar de lugar. E nós já temos uma estrutura que favorece a pacificação social das relações trabalhistas”, destacou.

Castro Cordeiro ressaltou que “a Justiça do Trabalho hoje vai além do processo” e lembrou do apoio do ex-presidente José Sarney (MDB) para a instalação do TRT no Maranhão.

“José Sarney era o nosso presidente da República e ele foi o ícone da instalação do nosso Tribunal. Ele foi o grande padrinho, o grande parceiro da Justiça do Trabalho no Maranhão, e a gente reconhece isso, hoje e sempre”, acrescentou.

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O Estado - Como a implantação da política de teto de gastos afetou a Justiça do Trabalho?

Solange Passos Cordeiro – Provocou a redução do nosso orçamento, que está em torno de R$ 2,4 milhões a menos para este ano para o Tribunal Regional do Trabalho. Foi a nossa perda até agora. E vamos manter essa perda em torno de 6% a menos para o ano que vem.

O Estado – Quais os impactos disso?

Solange Passos Cordeiro – A partir de 2020 não poderemos mais construir, reformar, adquirir bens de nenhuma espécie por conta do teto. Isso também afetou a Justiça do Trabalho quanto à impossibilidade de nomearmos servidores para os cargos que vagarem em função de aposentadorias, exceto quando houver o desligamento definitivo do servidor. Então estamos muito afetados, impedidos também de fazer concurso, Nós já dispomos de imediato de 22 vagas de aposentados, mas não podemos nomear nem por concurso.

O Estado – E isso repercute na qualidade da prestação do serviço?

Solange Passos Cordeiro – Isso, evidentemente, repercute na prestação de trabalho. Nós temos setores aqui no Tribunal, na área administrativa, que têm um servidor. É uma “euquipe”.

O Estado – Além de tudo isso, a estrutura do TRT do Maranhão é a menor do país.

Solange Passos Cordeiro – Nós temos em média 180 processos por servidor. É quase o dobro de um servidor de um tribunal de grande porte, como Campinas, por exemplo, que é o 15º. Nós somos o menor quadro de funcionários. Nós precisaríamos ter 885 servidores para nos equiparar, proporcionalmente, ao maior tribunal do país. E umas 200 e poucas vagas para alcançar o segundo menor, que é o Ceará.

O Estado – Isso representa uma perda grande em termos de produtividade?

Solange Passos Cordeiro – Ainda assim, somos o tribunal mais produtivo da primeira instância. O primeiro grau do TRT do Maranhão é o mais produtivo, também, é claro, dentro dessa proporção. E a segunda instância é o segundo tribunal mais produtivo. Com a segunda maior carga de trabalho e agora ela simplesmente dobrou. Tivemos aumento de 106% no segundo grau, de recursos, no ano passado, isso elevou, para cada desembargador, a 3 mil processos por ano para cada um, quando a média era 1.200, 1.400.

O Estado – Essa diminuição do número de processos no 1º grau e o amento no 2º é reflexo da Reforma Trabalhista?

Solange Passos Cordeiro – Com a redução dos casos novos, os juízes tiveram mais tempo de julgar, teve menos trabalho. Tem tribunal que teve uma queda de 40% no número de novos processos.

O Estado – E no Maranhão? Caiu quanto?

Solange Passos Cordeiro – Aqui a queda foi de 32% em média. Então, com essa redução, houve mais tempo para o juiz de primeiro grau trabalhar no acervo. Consequentemente, subiram mais processos. Mas essa realidade já começa a mudar também. O gráfico demonstra que já se atingiu o ápice, vai começar a cair agora. A projeção [para o 2º grau] é a queda a partir do ano que vem.

O Estado – Essa menor demanda, então, pode convergir para a necessidade de uma estrutura menor, diante da Lei do Teto.

Solange Passos Cordeiro – Nossa realidade processual é muito nova, porque nós tínhamos muito processos. Mas, na Justiça do Trabalho como um todo, nós deixamos de receber 1,2 milhão de novos processos [por ano após a Reforma Trabalhista]. Nós recebíamos 2 milhões de processo. É praticamente a metade hoje.

O Estado – Do ponto de vista da Justiça do Trabalho, a Reforma Trabalhista foi positiva ou negativa?

Solange Passos Cordeiro – Não podemos responder dessa forma tão direta. Havia uma necessidade de uma reforma. Ela tem seus pontos positivos, sim. Como também penso que tem alguns negativos como até já declarados pelo Supremo [Tribunal Federal], a exemplo da cobrança de custas dos empregados que perdem as ações, o que eu concordo, porque isso feriria o princípio da acessibilidade à Justiça. Acessibilidade não é só ingresso, mas também o trâmite. Quer dizer: se ao final você perdeu, mas você tinha certeza daquele direito - e perdeu, às vezes, até por uma questão formal – você não pode ser punido.

O Estado – Isso poderia até mesmo inibir o trabalhador de pleitear o direito.

Solange Passos Cordeiro – Exato. Até porque, sob esse aspecto, a gente lembra da insegurança jurídica. A Justiça do Trabalho sofre essa crítica: de que juízes que julgam a mesma situação de formas diferentes. Acho que essa é uma realidade do Judiciário como um todo, o que realmente imprime uma insegurança jurídica e a parte se intimida. E além disso, ainda ter que pagar pelas custas, a intimidação seria maior ainda.

O Estado – Como você avalia a tese dos que defendem que, a partir da Reforma Trabalhista, pode-se abrir o caminho para a extinção da Justiça do Trabalho?

Solange Passos Cordeiro – Há uma previsão para essa discussão se iniciar na Câmara. Estava prevista para abril, mas foi adiada para junho. Deve ser uma audiência pública para o fim de avaliar a importância da Justiça do Trabalho. O que eu penso? Penso inicialmente que a Justiça do Trabalho, diversamente do que afirmam, que nós promovemos esse excesso de litigiosidade, ela não é a causa da litigiosidade, que vem após o que dita a própria lei. Se a lei prevê determinados diretos sociais para o trabalhador, não é a Justiça do Trabalho que impõe aquele direito, foi o Legislativo. Portanto, pode até ser extinta a Justiça do Trabalho, mas o litígio trabalhista não vai acabar, só vai mudar de lugar. E nós já temos uma estrutura que favorece a pacificação social das relações trabalhistas.

O Estado – Mas e o custo disso tudo?

Solange Passos Cordeiro – É uma estrutura cara? É. Mais de R$ 21 bilhões por ano. É cara. Eu acho que ela precisa, talvez, reduzir em algum ponto. Mas isso não significa que precisa extinguir a Justiça do Trabalho e desassistir o empregador e o empregador. Nós falamos muito de empregados, mas nós temos várias causas de empregadores. O que emerge em destaque é o fato de que a CLT é que é a norma protetora, não é o juiz do trabalho que é paternalista. Isso é um mito. O próprio sistema legislativo é protecionista, e tem que ser, porque é a partir da proteção superior jurídica que o empregado se equipara ao empregador, que tem a superioridade econômica.

O Estado – Diante desse cenário, qual a projeção que você faz para a Justiça do Trabalho no futuro próximo?

Solange Passos Cordeiro – A Justiça do Trabalho hoje vai além do processo. Vai na escola, ensina crianças. Em nível judicial estamos bem. Apesar de estarmos com uma defasagem funcional de 30%, nós nos destacamos. Saímos de uma linha em que estávamos abaixo da eficiência média em 2017, hoje estamos fora dos 20 tribunais que têm o menor índice de eficiência. Cumprimos, em 2018, 9 de 13 metas institucionais, o que nos rendeu selo bronze. Normalmente cumpríamos apenas três. Em 2017 cumprimos cinco. Neste ano, já cumprimos seis e existem mais três praticamente cumpridas e temos esperança de ganharmos o selo ouro. E penso que, enquanto tivermos uma situação econômica difícil no nosso país, nós vamos precisar de uma Justiça do Trabalho atuante como a nossa, atuante, eficiente e célere.

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