Especial/ São João

Do Renascença ao Apeadouro: a saudade dos antigos arraiais

Além destes, o Terreiro Raízes, organizado por José Raimundo Rodrigues, também marcou época; a moçada do reggae curtiu pedras ao som do Carne Seca

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

SÃO LUÍS - As matracas e os pandeirões marcantes da festa ecoam durante os festejo junino na Ilha em várias partes. Porém, houve um período – em especial nas décadas de 1970 e 1980 – de fortalecimento destas festas ou dos arraiais em bairros tradicionais. Algumas destas manifestações, até hoje, são lembradas por sua organização, interatividade e fama pela cidade.

A festa das famílias no Arraial do Renascença
Durante 35 anos, um dos arraiais mais marcantes da cidade foi o do bairro Renascença. Por sua fama de ser mais pacato do que os demais, o arraial – pela estrutura e atrações – se tornou um dos mais frequentados rapidamente.
Algumas pessoas muito marcantes no bairro foram essenciais para o surgimento da festa no período e no bairro: Waldir Costa, Carlos Leite, Plínio Marques e Raimundo Marques. Estes foram alguns dos principais responsáveis pela montagem e organização do arraial nos primeiros anos. Porém, outras pessoas foram essenciais, como explica José Costa, filho de seu Waldir Costa. “Ah, teve muita gente que foi importante, sem dúvida!”, disse.

O arraial surgiu praticamente durante o começo do bairro, fundado também a partir da iniciativa da maçonaria que por ali se estabeleceu. Com a construção da Ponte do São Francisco (José Sarney), várias pessoas “migraram de uma parte” da Ilha para outra, e por ali fixaram moradias. “Foi o que aconteceu com a família de meu pai, seu Waldir. Nos mudamos para o Renascença aos 12 anos de idade”, afirmou José Costa.

Para aproximar os moradores que recentemente se estabeleceram, além da constituição da associação, também se pensou na promoção de um arraial para aproximar a todos. A primeira edição do Arraial do Renascença foi registrada, de acordo com os organizadores, em 1974. “Era em frente à Cozinha de dona Cecé”, frisou José Costa.

Grupos como os bois da Maioba e da Madre Deus foram as primeiras atrações. “Foi uma festa, tudo feito no meio da
rua, muita alegria. Foi muito marcante”, afirmou Costa. O Boi da Maioba, no primeiro ano, foi “convidado” para tocar no Arraial do Renascença por intervenção do tenente Ed­son, um militar da Marinha e morador da Rua das Jaqueiras. Anos mais tarde, a ida do Boi de Morros foi por intervenção de João Justo, que residia na Avenida Grande Oriente.

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O sucesso a partir do segundo ano
Após a primeira tentativa, o segundo ano do arraial, em 1975, teria ocorrido no atual Viva do bairro. Se atualmente o espaço é formado por palco e outros itens, à época era um imenso areal. “Era difícil, mas como a gente gostava, reunia-se neste espaço e se apresentava ali mesmo!”, disse José Costa.

Com as atrações no primeiro ano, os organizadores passaram a se interessar e buscar novas manifestações nos anos seguintes. Na década de 1990 e em parte da década de 2000, a festa viveu seu auge e o Arraial do Renascença se fortalece com grupos de todas as partes do estado.

[e-s001]Uma das principais memórias de quem frequentou o arraial era o ambiente leve e alegre, especialmente entre as crianças. “Nos intervalos entre uma brincadeira e outra, eu me juntava com outras crianças e ficava brincando de bombinhas de São João na frente do palco e do lado da igreja também!”, disse a O Estado o agora adulto Gabriel Leite, filho de Carlos Alberto Leite, considerado um dos fundadores.

Ele se lembra ainda da diversidade de ritmos. “Matracas, zabumbas, pandeirões, maracás, orquestras e muitas outras coisas boas. É muita saudade!”, disse.

O Viva e o impulso definitivo
A partir de 2001, ano apontado como o de inauguração do Viva do Renascença pelo Governo do Maranhão, a festança no local é impulsionada. Turistas de várias cidades brasileiras e até mesmo de outros países procuravam o espaço que, além da programação, também ofertava uma culinária inesquecível.

“O diferencial nosso estava também na culinária, pois as barracas eram das famílias da comunidade que preparavam deliciosos pratos da nossa culinária, tendo como cozinheira a Dona Cecé com seu inigualável vatapá, cuxá, caruru, torta de camarão, de caranguejo, arroz maria Isabel, de cuxá, churrasquinho, mingau de milho. Era uma beleza!”, disse Leonardo Telles, que participou da organização do Arraial do Renascença.

Alguns nomes de barraca são lembrados até hoje: Barraca, Sonho de Catirina, Rastafary, Beijos e Carícias, da Cecé e outros.

[e-s001]Leonardo Telles também destacou a diversidade das brincadeiras. “A programação também era diferenciada, dando notoriedade as quadrilhas, danças folclóricas, bois pequenos médios e consagrados”, disse Telles. Ele lembra ainda o incentivo aos músicos do estado, como Papete, Josias Sobrinho, Tião Carvalho, Rosa Reis, Erasmo Dibel, Carlinhos Veloz, César Nascimento e outros.

Em 2015, houve uma tentativa sem sucesso de resgate do arraial. Atualmente, o espaço do Viva não registra qualquer apresentação cultural. Muitos dos moradores antigos que no entorno da praça ainda vivem afirmaram que a extinção do arraial foi positiva. “Trou­xe mais sossego para nós!”, disse um morador, que preferiu não se identificar.

[e-s001]O ARRAIAL DO CARNE SECA

Um dos points do reggae e também da turma amante do batalhão pesado, em especial, na forte década de 1980 era a radiola instalada em qualquer ponto do Anel Viário (nas imediações da atual Passarela do Samba) por José Ribamar Maurício da Costa. Ele era popularmente conhecido por Carne Seca e sua história se mistura ao ritmo jamaicano na Ilha.
No período junino, o “Sonzão do Carne Seca” (carro de som acompanhado pelo velho toca disco) estourava, em alguns anos, nas proximidades do atual terminal da Fonte do Bispo, vários estilos musicais (do merengue aos boleros). A partir daí, seu Carne Seca começou a incorporar, no repertório, outros estilos musicais, como os ritmos caribenhos e a salsa, além das pedras de responsa.
Quem viveu este período foi Ademar Danilo, que atualmente é responsável pelo Museu do Reggae e que exibe registros de Carne Seca. “Era muito marcante aquele som do Carne Seca. No Anel Viário, em qualquer ponto e durante a festa junina, o seu som era muito conhecido. Vinha gente de vários lugares para curtir a festa durante os desfiles dos grupos de bumba boi pela cidade”, afirmou.
No início dos anos 1990, Carne Seca parou de tocar com frequência no Anel Viário durante as festas de fim de ano, mas ainda mantinha suas apresentações inaugurando um novo conceito de radiola: a “Trovão Azul”. Já nos seus últimos anos de dedicação ao reggae, ele trabalhava com a “Fera Musical”, no comando do DJ Valter Cliff.

O ARRAIAL DO TERREIRO RAÍZES

O Arraial do Terreiro Raízes, no Turu, também foi um dos mais frequentados de seu tempo. Sua origem é de 1986, com o lançamento do Projeto Raízes do Maranhão, por José Raimundo Rodrigues, que lançou no primeiro ano na Praça Deodoro (Centro) o 1º Festival de Toadas de Bumba meu boi do Maranhão. A primeira apresentação foi do Tambor de Crioula de São Benedito. Em seguida, subiu ao palco o Boi da Ivar Saldanha, com a toada “A Despedida”. Colaboradores como Jane Lobo, Márcia Campos e Nazaré Jansen e outros ajudaram a consolidar o projeto que migrou para o bairro Turu. No local, várias brincadeiras famosas e não tão conhecidas se apresentaram. Por lá, também foram realizados concursos de dança e outros eventos.

[e-s001]O MELHOR ARRAIAL DE SÃO LUÍS

O desfile de ritmos no Apeadouro
Na barraquinha de palha montada na porta de sua residência, na Rua Padre Manoel da Nóbrega, Maristela Raposo Moraes, lembra hoje das histórias e apresentações em frente a sua residência, no inesquecível e considerado o “melhor arraial” que São Luís já teve, no bairro Apeadouro. De rica origem, esta localidade recebeu durante pouco mais de uma década os principais grupos folclóricos da cidade e fomentou a “rivalidade” entre Maioba e Maracanã e seus batalhões. O idealizador da brincadeira foi o advogado Serra de Aquino, que contou com os incentivos de outros moradores, como José Izidoro de Moura, o “Pamogia”, e sua esposa, Francisca Moura, a dona Chiquinha. Eles eram vizinhos de dona Marisela e, auxiliados pelo “Cabeça Branca”, seu Raimundo Nonato, começaram a fazer os convites às brincadeiras, mediante o repasse de um agrado, que costumava ser um ou dois conhaques e/ou garrafas de cachaças.
Estima-se que o começo do arraial se deu no fim da década de 1970 e, rapidamente, ganhou fãs. Pessoas de todas as partes da cidade se juntavam nas ruas apertadas do Apeadouro para ver as manifestações, que, no chão, levavam o público ao delírio.
Pelo arraial, de acordo com pesquisa do jornalista Ed Wilson, passaram os principais grupos folclóricos do Maranhão (Maracanã, Apolônio, Pindoba, Cururupu, dentre outros). No entanto, a relação é mais estreita com o Boi de Axixá. Tanto que os versos do hino da festa, Bela Mocidade – foram ecoados pelas ruas do Apeadouro a partir de inspiração no próprio arraial.
A relação entre as brincadeiras e o bairro começou anteriormente, ainda na década de 1960, quando o compositor Didi, do boi de orquestra de Baiacuí (nome de um povoado de Icatu) homenageava Baicilícia Correia de Azevedo, a Dona Básica, em retribuição ao bordado que ela fazia para o couro de boi. A apresentação aconteceu na porta de Dona Básica, na Rua Sousândrade, no Apeadouro.
Com o passar dos anos, esporadicamente, vinham grupos para se exibir na porta de um morador a convite. Até que o arraial foi organizado. “Para mim, era o melhor arraial da cidade, não havia clima igual em outro canto!”, disse Maristela Raposo, que reside há mais de cinco décadas no Apeadouro.
Além de Serra de Aquino, outros moradores como Diomar Nogueira, Juca Malvado, Carlos Pipiu, Zé Dico e outros também foram importantes. O arraial do Apeadouro ocorreu até meados do início da década de 1990. Segundo Maristela Raposo, dois foram os fatores para o término. “Houve um crime no arraial, e ele ficou mal falado. Depois, após uma enxurrada, um epiléptico foi levado pela enxurrada e a Justiça impediu a festa alegando insegurança”, disse.
O jovem Antony Berg Moraes era uma criança no auge do arraial. “Eu me lembro de sair com meus amigos para a rua e ver as brincadeiras passando na porta de casa. Eram outros tempos, melhores de se viver”, disse.

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Fonte: Pesquisa O Estado

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