Saúde

Família tenta transferência de criança com cardiopatia congênita

Decisão judicial exigiu que Estado e Município realizem transferência imediata do paciente para um hospital especializado, localizado no estado de São Paulo, mas até o momento a medida não foi cumprida

Monalisa Benavenuto / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24

Uma decisão judicial expedida no último domingo (2) pelo juiz Raimundo Ferreira Neto, titular da 11ª Vara Cível, exigiu a transferência imediata do pequeno Ravi Everton – portador de cardiopatia congênita crítica –, que, atualmente, está internado no Hospital Materno Infantil, em São Luís, e necessita passar por um procedimento cirúrgico, não disponível na rede pública ou particular de saúde da capital. Devido à gravidade da patologia, caracterizada pela má formação do coração, a decisão judicial exigiu, ao Estado e Município, a realização de transferência imediata do paciente para um hospital especializado, localizado no estado de São Paulo, mas até o momento a medida não foi acatada.

O procedimento, capaz de corrigir a cardiopatia congênita e proporcionar uma vida saudável às crianças com a doença, é indicado para ser realizado, em casos graves como de Ravi Everton, um dia após o nascimento, mas, devido ao custo incompatível com a condição financeira da família – visto que a rede de saúde pública e privada de São Luís não realiza o procedimento e o hospital especializado se localiza em São Paulo, há cerca de três mil quilômetros da capital –, não foi possível e, orientados pela advogada Wil Ferreira acionaram a Justiça para solicitar tutela provisória de urgência do Estado do Maranhão e Município de São Luís.

“Nós acionamos a Justiça no domingo, pedindo a transferência imediata do Ravi, para que ele pudesse passar pelo procedimento em um hospital de referência, porque aqui em São Luís nenhum hospital da rede pública e privada realiza esse procedimento para corrigir a cardiopatia em estágio grave como a dele. A decisão foi rápida e favorável, porque o juiz confirmou o quadro e a necessidade descrita, inclusive, nos laudos médicos, mas nem o Governo nem a Prefeitura agiram e, enquanto isso, o estado clínico dele só piora”, explicou a advogada da família.

Acompanhamento
A fim de obter apoio e cobrar a efetivação das medidas estipuladas pelo magistrado, a família acionou, nesta segunda-feira (4), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional maranhense, que desde então acompanha o caso. De acordo com o presidente da Comissão de Direito à Saúde da OAB, Pedro Ivo Correa, outras famílias em situação semelhante também estão sendo acompanhadas e, caso os órgãos competentes não ofereçam o suporte necessário aos pacientes, poderão ser alvo de ação civil pública movida pela ordem.

“A OAB tomou conhecimento de que houve um caso que já foi judicializado, no qual uma criança sofre de cardiopatia e já existe, inclusive, uma decisão judicial pesando contra o Estado e Município, mas até o presente momento a decisão não foi cumprida. Em casos como este, a OAB fiscaliza, acompanha, dá suporte ao cidadão e esclarece seus direitos.
Quanto à coletividade é atingida, se for comprovada a violação de direitos, podemos movimentar uma ação civil pública para garantir que o Estado e Município cumpram o dever de cuidar da saúde destas pessoas”, afirmou Pedro Ivo Correa.

Alta demanda
Apesar de raras, as cardiopatias congênitas são responsáveis por uma fila composta por cerca de 200 crianças maranhenses, que aguardam pela cirurgia corretiva, capaz de reverter o quadro causado pela doença. Estima-se que, no Brasil, mais de 21 mil bebês precisem de algum tipo de intervenção cirúrgica para sobreviver à patologia. No entanto, 6% morrem antes de completar um ano de vida, tornando as cardiopatias congênitas a terceira maior causa de mortalidade neonatal no país.

As estatísticas preocupam famílias como a do pequeno Ravi Everton, diagnosticado 10 dias antes do nascimento. “Foi um susto para toda a família, porque, até então, estava tudo bem. Tínhamos esperança de que fosse um falso diagnóstico e fizemos uma bateria de exames para ter certeza e, infelizmente, foi confirmado. Desde então, temos nos apegado a Deus e lutado, de todas as formas, pela realização da cirurgia que precisa ser feita em São Paulo e não temos como custear”, contou Priscila Gaspar, tia de Ravi.

Segundo ela, o recém-nascido já apresenta agravamento no quadro devido ao atraso da cirurgia. “Ele precisou ser entubado, porque estava com dificuldade respiratória, já apresenta dificuldades, também, para se alimentar e nós sabemos que podemos perder o Ravi a qualquer momento, caso a cirurgia não seja realizada. Estamos de mãos atadas, mas não perdemos a fé nem a esperança de que ele superará tudo isso. Nos apegamos ainda mais a Deus e esperamos conseguir o apoio do poder público para possibilitar a transferência do nosso pequeno”, declarou.

Solidariedade
Atualmente, famílias maranhenses contam com o apoio do grupo “Mães de Cardiopatas Congênitos”, fundado há quatro anos pela advogada Ália Pimentel com o objetivo de dar suporte e orientações necessárias às famílias de crianças diagnosticadas com a doença. “Em 2014, a minha filha foi diagnosticada com cardiopatia congênita, mas, por se tratar de uma doença ainda desconhecida e sem especialistas aqui no estado, ela acabou falecendo. Esta situação me motivou a criar o grupo e oferecer a ajuda que eu não tive a estas famílias”, contou.

Integrante do grupo, a terapeuta ocupacional Luciana Amorim oferece incentivo às famílias, com a ajuda da filha, que passou pelo procedimento cirúrgico e hoje demonstra que é possível superar a doença. Júlia foi diagnosticada durante o sexto mês de gestação, o que possibilitou a reversão do quadro. “Como eu tinha plano de saúde, assim que fomos informados e nos demos conta do que se tratava, fomos encaminhados para São Paulo e a Júlia já nasceu em um hospital de referência no estado, onde fez a primeira cirurgia aos dois dias de vida e todo o tratamento no período adequado, o que foi essencial para que ela estivesse aqui hoje, provando que é possível viver de forma saudável com metade do coração”, reiterou.

A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou, em nota, que, dentro de sua atribuição e competência, em busca do efetivo cumprimento da decisão judicial, está em contato com unidades de saúde de outros estados, a fim de acelerar a transferência da criança e o início ao tratamento, visto que a UTI aérea já está disponível e não há obstáculo para translado, restando apenas o surgimento de leito. A SES frisou, ainda, que, no momento, a criança está sendo assistida por unidade de saúde habilitada para atendimento de cardiopatia congênita. O Estado manteve contato com a Prefeitura de São Luís para questionar as razões pelas quais o cumprimento da ação não foi efetivado, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.

SAIBA MAIS

Cardiopatia Congênita

O que é

A Cardiopatia Congênita é qualquer anormalidade na estrutura ou função do coração que surge nas primeiras 8 semanas de gestação quando se forma o coração do bebê. Ocorre por uma alteração no desenvolvimento embrionário da estrutura cardíaca, mesmo que descoberto anos mais tarde. As cardiopatias congênitas mais comuns incluem alteração em alguma válvula cardíaca, que influencia no fluxo sanguíneo dificultando ou impedindo sua passagem, alterações nas paredes do coração levando a comunicações cardíacas que não deveriam existir e mistura do sangue oxigenado com o não oxigenado ou ainda a formação de um único ventrículo. Pode ainda haver a combinação de malformações.

Sintomas e exames

Em bebês os sintomas podem ser notados durante as mamadas, quando há o cansaço excessivo e transpiração, o mesmo pode acontecer durante o sono. Dificuldade no ganho de peso, irritação frequente e ainda cianose, que é caracterizada pela ponta dos dedos e/ ou lábios arroxeados. Em crianças maiores o cansaço pode ser notado durante as atividades físicas ou até mesmo na dificuldade de acompanhar o ritmo de outras crianças, crescimento e ganho de peso de forma inadequada, infecções pulmonares repetidas, taquicardia ou ainda lábios roxos e pele pálida quando brinca muito. Pode haver ainda episódios de desmaios precedido de tontura, visão turva, dores no peito e mal-estar. As cardiopatias podem ser suspeitadas durante a gestação pelo ultrassom morfológico e confirmadas pelo ecocardiograma fetal ou ainda com a ajuda do teste do coraçãozinho, que é feito na maternidade. Outra forma de diagnóstico é por exame físico realizado pelo pediatra com ajuda de exames complementares como raio x de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma, cateterismo, holter de 24h e angiotomografia.

Principais Causas

As cardiopatias congênitas não têm causa definida, ocorrem pela interação de fatores genéticos e ambientais. No entanto, está comprovado que existem algumas situações que podem contribuir para o aumento do risco dessa condição. Mães com mais de 35 anos, históricos de filhos anteriores cardiopatas, mães diabéticas, portadoras de lúpus e hipotireoidismo, mães que apresentaram toxoplasmose ou rubéola ou aquelas que fizeram uso de anticonvulsivos, anti-inflamatórios, ácido retinoico, lítio durante a gravidez podem aumentar as chances de alterações na formação do coração do feto. Gravidez de gêmeos, múltiplos ou fertilização in vitro também podem ter influência.

Tratamento e cuidados após o diagnóstico

O diagnóstico precoce pode salvar a vida da criança, principalmente em cardiopatias mais graves, quando o parto deve ser planejado e a criança precisa ser operada nos primeiros dias de vida. As cardiopatias congênitas podem ser prevenidas em parte através da vacinação contra a rubéola e do consumo de ácido fólico. Algumas cardiopatias não necessitam de tratamento. Outras podem ser tratadas de forma eficaz com procedimentos com cateteres ou cirurgia cardiovascular. Em alguns casos podem ser necessárias várias cirurgias. Em outros, podem ser necessários transplantes de coração. Com tratamento apropriado, o prognóstico é geralmente bom, mesmo dos problemas mais complexos.

Complicações

Algumas situações verificadas em ultrassom merecem ser mais bem investigadas com exames específicos. Fetos que apresentem alteração na translucência nucal (detectada no ultrassom de 12 semanas) ou malformação em algum outro órgão ou fetos com suspeita de síndromes ou defeitos genéticos merecem atenção redobrada. As síndromes mais comumente associadas à cardiopatia são: Síndrome de Di George, Síndrome de Down, Síndrome de Edwards, Síndrome de Marfan, Síndrome de Noonan, Síndrome de Patau, Síndrome de Turner e Síndrome de Williams Nos casos das situações listadas, a realização do ecocardiograma fetal é muito importante, mesmo que o ultrassom morfológico esteja normal. Assim podemos detectar ou excluir uma cardiopatia e programar o nascimento do bebê, proporcionando uma gravidez mais tranquila para toda a família.

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