Percepção negativa

Chanceler pede que França mande especialistas ao Brasil para rever má imagem do governo Bolsonaro

Em Paris, Araújo volta a elogiar onda ultranacionalista na Europa, e diz que ela não é só resultado da crise econômica; apesar de nítidas tensões entre Brasil e França desde a posso de Bolsonaro, o encontro dos dois ministros foi bastante cordial

Atualizada em 11/10/2022 às 12h24
Presidente Emmanuel Macron posa para fotos ao lado de líderes indígenas do Xingu, incluindo o cacique Raoni Metuktire (à direita do chefe de Estado francês) no Palácio do Eliseu
Presidente Emmanuel Macron posa para fotos ao lado de líderes indígenas do Xingu, incluindo o cacique Raoni Metuktire (à direita do chefe de Estado francês) no Palácio do Eliseu (O Globo)

PARIS - O Brasil propôs à França que envie especialistas em política ambiental e direitos humanos ao país para mudar sua percepção negativa em relação às diretivas do governo Jair Bolsonaro a estes dois temas. A iniciativa partiu do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo , em reunião na sexta-feira, 24, com seu colega francês, Jean-Yves Le Drian, na capital francesa.

O chanceler reconheceu que este é, hoje, um dos principais pontos de fricção entre os dois países e outras nações europeias, alimentado por uma "falta de compreensão".

"Ofereci ao ministro Le Drian aprofundarmos o diálogo de diferentes maneiras nesses temas, para o lado francês entender melhor como são nossas políticas ambientais e de direitos humanos hoje", disse o chanceler brasileiro. "Levantei voluntariamente (a questão), porque sei que são percepções que um pouco voam aqui na França. Ofereci aprofundarmos o diálogo com visitas de especialistas. Essa é a única área que pode ser compreendida como tendo algum irritante na relação. Então, queremos mostrar que não é assim".

Apesar de nítidas tensões entre Brasil e França desde a posso de Bolsonaro, o encontro dos dois ministros foi bastante cordial. Segundo fontes do Quai d’Orsay — como é chamado o Itamaraty francês —, os anfitriões consideraram que seria contraproducente, neste momento e nesta reunião, colocar sobre a mesa temas que poderiam ser motivo de maiores crispações na conversa. Para os franceses, apenas uma questão era considerada como uma linha vermelha a não ser ultrapassada: a permanência do Brasil no Acordo de Paris. Mas como o chanceler brasileiro confirmou que o país não sairia do Acordo, o conflito, desta vez, foi evitado.

No último dia 16, o presidente Emmanuel Macron, ativo defensor do Acordo de Paris sobre o clima, recebeu o cacique Raoni Metuktire, líder indígena brasileiro, no Palácio do Eliseu, a quem prometeu todos os esforços na preservação dos povos indígenas e da Amazônia. No dia seguinte, em sua alocução pelo Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia e a Transfobia, François Croquette, embaixador para os Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores francês, citou negativamente três países: Brasil, Chechênia e Brunei.

"A diplomacia francesa está engajada na descriminalização da homossexualidade em mais de 70 países onde ainda é criminalizada. Em 12 deles, é passível de pena de morte, como é o caso de Brunei. Essa situação não é aceitável, não mais do que os apelos ao ódio do presidente brasileiro ou as perseguições criminosas que foram retomadas na Chechênia", disse em um vídeo divulgado pelo ministério francês.

Araújo afirmou que pretende estabelecer uma "relação bilateral" nestas áreas com a França:

" Nossa ideia é montar algo aqui, com a ajuda da embaixada, e ver exatamente quais seriam os melhores canais para isso, lá e aqui, com funcionários nos níveis que forem necessários. Mas, sobretudo, visitas lá para falar com nossas áreas tanto de meio ambiente quanto de direitos humanos, para entenderem melhor as nossas políticas".

Mercosul e UE

Brasil e França também entraram em rota de colisão nos últimos dias nas negociações do acordo dos países do Mercosul com a União Europeia (UE), para o qual existe a expectativa de uma conclusão nos próximos meses, após duas décadas de discussões.

O governo francês reafirmou sua decisão de não assinar nenhum texto que prejudique os interesses de seus agricultores e consumidores; as exigências de qualidade sanitária e alimentar das normas europeias; e os engajamentos ambientais do Acordo de Paris. O tema também foi abordado na reunião de Araújo com o ministro francês.

"A mensagem política foi muito clara sobre o interesse da França de levar à conclusão o acordo. Sabemos que a França, tradicionalmente, tem preocupação com certos setores da agricultura. Mas negociação fazemos diretamente com a Comissão Europeia e não com os países. Na conversa que tive ontem com a Cecilia Malmström (comissária de Comércio da União Europeia) , ficou claro que as dificuldades que qualquer país possa ter são contornáveis. Nada nos foi colocado como uma barreira impeditiva à conclusão do acordo".

Segundo Araújo, no encontro ficaram acertadas a continuidade da cooperação nas áreas militar (submarinos e helicópteros), cultural e na fronteira da Guiana Francesa com o Amapá. Seu desejo é que os cortes no orçamento brasileiro não atinjam o Programa de Desenvolvimento de Submarinos com Propulsão Nuclear (Prosub), que tem suporte francês:

"É de interesse direto da Defesa e da Marinha, mas é algo que nos interessa também. Para nossa relação com a França isso é fundamental. Espero que (o programa) não seja vítima disso, e também que não seja o caso de outros programas do Itamaraty. O Itamaraty gasta muito pouco. Mas estamos prontos a fazer qualquer tipo de sacrifício dentro do governo para manter a estabilidade fiscal, assim como todos os outros órgãos".

Onda ultranacionalista

O chanceler também disse estar acompanhando "com muito interesse" as eleições europeias que se encerram neste domingo e deverão registrar, segundo pesquisas, crescimento dos votos para partidos da direita nacionalista e populista, com os quais se identifica ideologicamente o governo Bolsonaro.

"Isso parece que faz parte de uma tendência mundial de recuperação das identidades nacionais, de certos valores de nacionalidade com os quais a gente coincide. É interessante ver isso se afirmando em países na Europa que pareciam rumar para uma coisa pós-nacional ou supranacional, nessa ideia que a nacionalidade era uma coisa em desuso, que tudo seria substituído por fóruns supranacionais. Isso gera uma resistência e reação muito grandes, e é o que está um pouco se expressando aqui".

Segundo Araújo, o presidente Bolsonaro deverá fazer ainda neste ano uma visita oficial à Itália, dirigida pelo líder da direita nacionalista Matteo Salvini, definido pelo chanceler como "grande líder da regeneração europeia".

"Temos, evidentemente, uma visão de mundo bastante próxima da Itália em várias coisas. Isso facilita a relação e pode ser um bom incremento. Mas sem detrimento de outras vertentes bilaterais, como a França, por exemplo, que não tem a mesma filosofia da Itália, mas com uma relação extremamente densa, extremamente propensa a cooperar conosco. Mas como processo europeu, desse ponto de vista de filosofia política é fundamental a gente acompanhar isso, para onde vai o mundo, para onde vai o sentimento das pessoas".

O ministro ainda descartou que o crescimento do nacionalismo esteja crescendo em determinados países por causa de crises econômicas:

"É mais profundo do que isso. Essa interpretação da insatisfação econômica gerando uma volta do sentimento nacional, não acho que é bem isso. Talvez seja uma das condições para criar uma certa insatisfação. Vejo mais como um movimento que tem a ver com o caráter indispensável do sentimento nacional, desta questão da nação como espaço onde as pessoas querem viver, independentemente da questão econômica. A insatisfação não é só com o desempenho econômico, mas com a concepção tecnocrática da sociedade".

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