Vida

Aborto é alvo de manifestações em cidades dos Estados Unidos

Desde o início do ano, 8 estados americanos aprovaram leis que vetam ou restringem o acesso ao procedimento. Entenda o que defendem os movimentos pró e contra e como o cenário político pode interferir em decisões futuras.

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Manifestações pró e contra o aborto estão ocorrendo em diversas cidades dos Estados Unidos
Manifestações pró e contra o aborto estão ocorrendo em diversas cidades dos Estados Unidos (Reuters)

ESTADOS UNIDOS - Na semana passada, mulheres foram às ruas em várias cidades dos Estados Unidos em atos pelo direito ao aborto. No país, onde o direito ao procedimento é garantido por decisão federal, 8 estados aprovaram, desde o início do ano, leis que vetam ou restringem o acesso a ele.

As legislações mais recentes, no Alabama e no Missouri (ainda pendente de sanção do governador), têm proibições mesmo em casos de estupro.

Nos Estados Unidos, o direito ao aborto foi decidido em nível federal no caso "Roe v. Wade", de 1973. A Suprema Corte, garantiu o direito ao procedimento até o chamado "ponto de viabilidade" do embrião — entre 24 e 28 semanas de gestação. Depois disso, considera-se que o feto pode sobreviver fora do útero da mulher, e o aborto pode ser feito se houver risco de saúde para ela.

Para a professora Carol Sanger, da faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova York, as normas aprovadas pelos estados são ilegais.

"Essas leis não são constitucionalmente permitidas. A legislação federal é superior à lei estadual”, defende Sanger. Como elas não entraram em vigor, continua sendo legal fazer um aborto em todos os 50 estados americanos.

Na opinião de Sanger, trata-se de uma tentativa de levar casos à Suprema Corte — para fazer o tribunal rever a decisão em Roe v. Wade. Até mesmo o fato de Trump ocupar a presidência, afirma, pode influenciar em uma eventual mudança: ele pôde indicar os dois membros mais recentes da Suprema Corte — Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh —, que têm tendências conservadoras.

Em 2016, durante a campanha presidencial, Trump já havia indicado que pretendia indicar à Suprema Corte juízes a favor de derrubar a decisão em Roe.

Staci Fox, diretora do Planned Parenthood Southeast, também acredita que tanto o presidente quanto os membros da corte contribuíram para o movimento atual. Fox gerencia as unidades da organização na Geórgia, no Alabama e no Mississippi. O Planned Parenthood oferece cuidados com saúde reprodutiva, inclusive abortos, a baixo custo em todos os Estados Unidos.

"Eu acho que a combinação da retórica de nosso presidente e esses novos juízes na corte estão funcionando para dar cobertura para que políticos conservadores, em estados como o Alabama, aprovem essas leis", opina Fox.

Em fevereiro, a Suprema Corte decidiu, por 5 votos a 4, vetar uma lei na Louisiana que, se posta em prática, manteria apenas um médico fazendo abortos em todo o estado. Tanto Gorsuch quanto Kavanaugh votaram a favor da medida.

A composição da corte, no entanto, é apenas um dos fatores que contribuem para que o movimento contra o aborto esteja ganhando força, diz Mary Taylor, diretora da organização Pro-Life Utah — que é contra o direito ao procedimento.

"Eu acho que algumas coisas extremas que vimos — como a lei em Nova York — realmente acenderam uma chama no movimento pró-vida. Quando veio o veredito em Roe, o mantra era 'abortos seguros, mas poucos abortos'. Com o passar do tempo, isso mudou para ser "aborto até o dia do nascimento". Nós estamos nessa encosta escorregadia em que o aborto é usado como contraceptivo. Não é mais [um procedimento] raro, é muito comum", avalia Taylor.

Em janeiro, o estado de Nova York sancionou uma lei que garante o direito ao aborto mesmo que Roe v. Wade seja derrubada. Pelo menos outros 9 estados, de acordo com o Guttmacher Institute — organização americana pró-direito ao aborto que estuda direitos reprodutivos — têm a mesma garantia. Outros estados também estudam aprovar medidas semelhantes.

Também segundo o Guttmacher, 1 em 4 mulheres americanas terá feito um aborto até os 45 anos de idade, e 1 em 5 até os 30 anos.

Movimento histórico

Ainda que esteja sendo alimentado pelo momento político do país, o movimento para anular Roe vem de décadas. Entre 1973 e 2003, pelo menos 330 propostas de emenda à Constituição para proibir o aborto foram apresentadas no Congresso americano, de acordo com dados compilados pela organização Human Life Action, que é contrária ao procedimento.

A única votação de uma dessas emendas, no Senado, em 1983, terminou com a reprovação da medida.

Depois dos esforços iniciais de mudar a Constituição do país, explica Carol Sanger, os ativistas contra o aborto passaram a atuar em leis estaduais — para dificultar o acesso ao aborto.

"Eles pensaram: em vez de derrubá-la [Roe] com uma decisão, vamos, pouco a pouco, restringir o financiamento ao aborto, por exemplo. Há a questão das distâncias — nós temos muito poucos provedores de aborto fora de grandes cidades, então é mais difícil chegar a uma clínica. Agora, também obrigam as mulheres a fazerem um ultrassom antes do aborto — não porque elas precisam, mas para mostrar a elas — e é mais difícil emocionalmente quando oferecem uma imagem do seu ultrassom", diz Sanger.

6 estados americanos têm apenas um local que realiza abortos, segundo o Planned Parenthood: Kentucky, Mississippi, Missouri, Dakota do Norte, Dakota do Sul e Virgínia Ocidental.

O ultrassom é justamente um dos fatores que, para Mary Taylor, da ProLife Utah, contribuiu para a aprovação de Roe.

"Era fácil fazer isso em 1973 — nós não tínhamos ultrassom disponível como temos agora, não tínhamos como ouvir o batimento do coração do bebê tão cedo, então era muito fácil esconder do público a realidade horrível do aborto e a humanidade do bebê que não havia nascido", diz.

Quase 20 anos depois da aprovação da lei, em 1992, chegou à Suprema Corte o primeiro caso que poderia ter anulado Roe, "Casey v. Planned Parenthood". Na ocasião, dois novos juízes, conservadores, tinham acabado de ser indicados ao tribunal pelo presidente George W. Bush — e apenas 2 dos 9 juízes da corte haviam demonstrado apoio anterior a Roe. Ainda assim, a lei foi mantida, por 5 votos a 4.

De acordo com Pew Research Center, no ano passado, 58% dos adultos americanos eram a favor de que o aborto fosse legal em todos ou na maioria dos casos. Segundo o instituto de pesquisas Gallup, 64% dos americanos eram, no ano passado, a favor da decisão em Roe v. Wade.

Futuro

A professora Carol Sanger, de Columbia, não descarta a possibilidade de que a discussão chegue à Suprema Corte, mas acredita que deve demorar.

"Roe poderia ser anulada pela Suprema Corte? Em algum momento no futuro, poderia ser. Se Trump ganhar em 2020, ele teria mais 4 anos para indicar juízes", lembra. Os nove membros do tribunal ocupam o cargo de forma vitalícia depois de serem indicados pelo presidente.

"Eu não acho que vá acontecer nos próximos dois anos. Suspeito que os juízes vão dizer que esta não é a hora de decidirem um caso de aborto — com as eleições chegando. Enquanto John Roberts, que é católico e conservador, estiver à frente da corte, ela será conhecida como corte de Roberts. E eu acho que ele está preocupado em não desequilibrar o jogo dos direitos reprodutivos", avalia Sanger.

A professora acredita que, se Roe for derrubada, o direito ao procedimento voltaria a ser decisão dos estados.

Apesar de reconhecer que, mesmo que a discussão chegue à Suprema Corte, não há garantia de mudança na lei, Taylor está confiante.

"Até recentemente, não havia chance nenhuma. Zero chances, Então, sim, eu acho que essa corte encoraja bastante o movimento pró-vida. Foram passadas tantas leis pró-vida no último ano que eu não tenho dúvida de que a Suprema Corte vai ter que discutir em algum momento", avalia.

De acordo com o Planned Parenthood, até março deste ano, mais de 250 projetos de lei restringindo o aborto haviam sido propostos em 41 estados americanos.

Já Staci Fox, diretora da organização no sudeste dos EUA, diz que "Acabar com o aborto não para com os abortos — só com os abortos seguros e legais. É perigoso e irresponsável da parte deles brincarem de política com a vida das mulheres. Nós faremos tudo o que pudermos para garantir que o aborto permaneça disponível, seguro e legal", afirmou.

Entenda o que foi aprovado em cada estado:

Alabama

É a lei mais restrita aprovada até agora. Bane o aborto em quase qualquer situação — a única exceção é quando há risco de vida para a mulher. Mulheres que abortam não seriam processadas, mas médicos poderiam pegar até 99 anos de prisão. Foi sancionada no dia 15 de maio pela governadora, a republicana Kay Ivey. No estado, a lei deve ser contestada “logo” nos tribunais, disse ao G1 Staci Fox, diretora do Planned Parenthood Southeast.

Geórgia, Mississippi, Ohio e Kentucky

Sancionaram as chamadas “leis dos batimentos cardíacos”, que determina que as mulheres não podem abortar depois que os batimentos cardíacos do embrião são detectados — o que ocorre por volta de seis semanas de gestação. A essa altura, muitas não sabem que estão grávidas.

No Mississippi, onde a lei deveria entrar em vigor em julho, foi contestada pela Jackson Women’s Health Organization, e chegou a um tribunal nesta terça-feira (21), onde deve ser barrada. Assim como no Alabama, pela lei proposta no estado não há exceções para casos de estupro ou incesto. Médicos que fazem abortos que infringem a lei podem perder a licença profissional.

Em Ohio, a ACLU – sigla para American Civil Liberties Union, entidade que defende direitos civis nos Estados Unidos – moveu, no dia 15, uma ação judicial contra o estado por causa da legislação, que também deveria entrar em vigor em julho.

Na Geórgia, onde a lei deveria valer a partir do ano que vem, a norma deve ser contestada ainda neste verão (inverno no Brasil), de acordo com Staci Fox, da Planned Parenthood.

No Kentucky, a lei está suspensa desde março. O caso está em aberto.

Missouri

Parlamentares aprovaram uma lei que, assim como a do Alabama, veta o aborto mesmo em casos de estupro e incesto, e ainda após a 8ª semana de gravidez. Para entrar em vigor, a medida depende de sanção do governador. A única exceção é quando há algum risco de saúde para a mulher. Médicos poderiam ser punidos com 5 a 15 anos de prisão, mas as mulheres não seriam processadas.

Se as restrição após a 8ª semana for considerada inconstitucional, o texto também tem cláusulas que proibiriam o aborto depois de 14, 18 ou 20 semanas de gestação.

A lei aprovada também inclui a proibição total ao aborto exceto em casos de ameaça à saúde da mulher, mas essa cláusula só entraria em vigor se Roe v. Wade fosse derrubada.

Arkansas e Utah

Sancionaram leis, em março, que proíbem a maioria dos abortos depois de 18 semanas de gravidez. No Arkansas, já havia uma proibição do procedimento depois da 20ª semana de gestação.

Em Utah, a legislação, que abria exceção para estupro, incesto, anomalia fatal do embrião ou risco à saúde da mãe, deveria entrar em vigor neste mês, mas foi suspensa por um juiz até que o caso seja resolvido. No Arkansas, a previsão é que passe a valer a partir deste verão americano, mas a ACLU já afirmou que vai contestar a norma.

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