Reeleição

Nacionalista, premier indiano é eleito com vitória esmagadora

Modi enfrenta a China, quase foi à guerra contra o Paquistão, aproxima Índia dos EUA e cultiva supremacismo hindu, marginalizando população muçulmana

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Primeiro-ministro Narendra Modi e Amit Shah, presidente do BJP, comemoram a vitória nas eleições
Primeiro-ministro Narendra Modi e Amit Shah, presidente do BJP, comemoram a vitória nas eleições (AFP)

NOVA DÉLHI — Narendra Modi, o primeiro-ministro mais polarizador que a Índia já teve em décadas, abriu caminho ontem, 23, para a reeleição com uma margem de vitória histórica. Seu vigoroso nacionalismo hindu e políticas pró-mercado parecem ter convencido a maioria dos eleitores, apesar das preocupações provocadas pelo não cumprimento da sua promessa de criar empregos.

Com a maioria dos votos contados, Modi caminhava para ser o primeiro premier indiano em 50 anos a garantir maioria parlamentar absoluta para seu partido em duas eleições consecutivas. A projeção é que o Bharatiya Janata (BJP) conquiste cerca de 300 das 543 cadeiras parlamentares.

Muitos indianos vêem Modi, de 68 anos, como um ícone nacionalista. Ele confrontou a China, quase foi à com o Paquistão e aproximou a Índia dos Estados Unidos. Ele chama a si mesmo de "chowkidar" da Índia, o equivalente a "vigia", e seu sucesso espelha a ascensão de figuras populistas de direita em todo o mundo.

Embora ele tenha construído uma reputação de um cruzado que fala a linguagem das pessoas comuns, seus detratores dizem que suas políticas estão partindo ao meio o delicado tecido social da Índia. Seu compromisso de dar mais poder à maioria hindu da Índia deixou a minoria muçulmana com medo e o país cada vez mais polarizado.

Sob o seu governo, os linchamentos dispararam e a representação muçulmana no Parlamento caiu para seu nível mais baixo em décadas. Os hindus de direita se sentiram encorajados a impulsionar uma agenda extremista, incluindo tornar uma celebridade o homem que matou a tiros o herói independentista Mohandas Gandhi.

Na política indiana de hoje, porém, não há outra figura que possa se aproximar do carisma de Modi. O partido BJP, de longe o mais rico e agressivo da Índia, construiu o que os críticos chamam de culto à personalidade ao seu redor. Em discursos, ele rotineiramente se refere a si mesmo na terceira pessoa.

Em um comício recente, Modi esbravejou, recordando o ataque aéreo que ordenou no Paquistão em fevereiro: "Você fica feliz quando Modi mata dentro dase casas? Seu peito não fica estufado de orgulho?". A multidão se exaltou.

Analistas políticos o chamam de "maior que a vida", "um personagem cinematográfico" e alguém que demonstra um senso inato para compreender "o que as pessoas estão procurando".

"Modi se incorporou na consciência de todos os indianos", disse Arati Jerath, um importante colunista de jornal.

Em contraste, Rahul Gandhi, o líder do opositor Partido do Congresso e descendente de uma dinastia que dominou a vida política indiana por décadas depois da independência em 1947, é amplamente percebido, até por alguns defensores, como alguém que cultiva uma imagem muito gentil. E embora seu partido se considere uma força unificadora, os resultados indicaram que o Congresso, antes dominante, sofreu uma segunda derrota consecutiva desastrosa.

O comparecimento às eleições é digno de entrar para os livros de História como o maior exercício democrático de todos os tempos. Em sete fases ao longo de 39 dias, mais de 600 milhões de indianos votaram em 1 milhão de seções eleitorais, espalhadas por megacidades densamente povoadas e vilarejos distantes, das montanhas do Himalaia até ilhas tropicais no Mar de Andamã.

Especialistas dizem que a força da personalidade de Modi, com muitos indianos intensamente contra ele ou a seu favor, explica o comparecimento de 67%, o mais alto que a Índia já viu. Até mesmo alguns eleitores que estão preocupados com a economia ou não gostam do modo como Modi explorou as divisões entre comunidades o veem como o melhor líder para o país agora.

"Os agricultores estão com problemas", disse Vinay Tyagi, um produtor de trigo e cana-de-açúcar no estado de Uttar Pradesh. "Mas ainda votamos no BJP porque não havia alternativa. Os outros candidatos não eram bons".

Para manter seu emprego, Modi fez campanha implacavelmente, realizando 142 comícios e percorrendo 100 mil quilômetros. Na última noite antes do término da votação, ele meditou em uma caverna do Himalaia na mesma área em que vagara mais de 50 anos antes, quando jovem, procurando um propósito.

Movimento hindu

Modi será o primeiro premier de dois mandatos originário de uma casta inferior. Ele cresceu em uma pequena cidade ao norte de Ahmedabad, no estado de Gujarat. Esta tem sido uma parte poderosa de sua narrativa; ele se autodenomina um "chaiwalla" humilde, um vendedor de chá, um claro forasteiro na elite da Índia.

Com 8 anos, ele ingressou no Rashtriya Swayamsevak Sangh, conhecido como RSS, um grupo hindu de extrema direita que teria um grande papel na sua vida. O RSS é visto como uma organização social, mas seus integrantes são parte do movimento nacionalista hindu, e alguns de seus críticos os acusam de ser fascistas — nos anos 1930, eles se inspiraram no fascismo italiano.

Na escola, Modi era um estudante mediano, mas demonstrou talento para o teatro e o debate. Suas habilidades o fizeram subir na hierarquia do RSS.

Quando estava com 18 anos, ele se afastou durante dois anos para o Himalaia, vivendo como um asceta. Numa entrevista recente, disse que se banhou em rios congelados, passou o tempo com homens sagrados e "se alinhou com o ritmo do universo".

Modi só entrou na política tarde na vida. Entre os 20 e os 30 anos, foi um pregrador para o RSS e depois um cabo eleitoral do BJP. Ele supervisionou a impressão de panfletos secretos promovendo a Hindutva, a crença na primazia da religião e do modo de vida hindus. Analistas dizem que, no fundo, ele continua sendo um "ultranacionalista".

"Ele é muito polarizador", disse Jerath, o colunista. "Ele acredita na política da polarização: nós contra eles, hindus contra muçulmanos, ricos contra pobres, pobres contra ricos".

Um momento definidor aconteceu em 2002, quando distúrbios religiosos explodiram no estado de Gujarat. Modi, que era ministro-chefe do Estado, foi acusado de não deter a carnificina, que levou a mais de mil mortes, a maioria de muçulmanos. Desde então, Modi passou a ser considerado um herói pelos hindus, enquanto os muçulamanos o consideram um assassino.

Nos anos seguintes, Modi mudou suas prioridades. Ele se tornou um amigo da livre empresa e ajudou a atrair milhares de empregados industriais para Gujarat. Empresários e pessoas de classe média começaram a se unir em torno dele, vendo-o como alguém que podia entregar resultados. Ao mesmo tempo, o Partido do Congresso estava em colapso, às voltas com disputas internas, corrupção e a falta de um líder inspirador.

As duas histórias convergiram em 2014, quando Modi se candidatou a primeiro-ministro. Ele deu ênfase a infraestrutura, desenvolvimento e combate à corrupção. Seu partido BJP ganhou de lavada, e o Partido do Congresso sofreu uma derrota histórica, conquistando apenas 44 de 543 cadeiras, seu pior resultados em mais de cem anos.

Campanha das latrinas

No poder, Modi agiu para consolidar seu controle, escanteando ministros e tomando as principais decisões com um pequeno círculo de apoiadores. Rapidamente anunciou uma série de programas simbólicos. Um era construir 100 milhões de latrinas, um objetivo que seu governo quase atingiu e um problema que nenhum outro premier havia atacado tão disciplinadamente. Muitos eleitores citaram a campanha das latrinas como razão do seu voto.

Mas também havia sinais perturbadores. Nacionalistas hindus, encorajados pela eleição de um dos seus para o mais alto cargo do país, começaram a ameaçar muçulmanos e hindus de castas mais baixas. A violência sectária aumentou. Modi começou a nomear nacionalistas para postos-chave nos ministérios, nas universidades e até no Banco Central. Agências do governo começaram a mudar nomes de lugares, de muçulmanos para hindus, e a reescrever livros de história, removendo seções inteiras sobre governantes muçulmanos.

A lua de mel acabou em novembro de 2016, quando Modi subitamente invalidou a maior parte do dinheiro circulante no país. A chamada desmonetização, levada a cabo em nome do combate à corrupção, tornou virtualmente impossível usar dinheiro vivo em um país que o usava para comprar tudo, de comida a casas.

Sete meses depois, o governo substituiu um conjunto complexo de impostos estaduais por um só imposto nacional sobre bens e serviços. Embora os economistas afirmem que a medida fazia sentido, o novo sistema era tão complicado que causou caos para milhões de pequenos e médios negócios.

As duas medidas golpearam a economia e interromperam a criação de empregos em um país em que 5 milhões de pessoas entram no mercado de trabalho todos os anos. No quadrimestre que acabou em dezembro, a economia cresceu 6,6% — índice invejável para muitos países, mas o menor em cinco anos.

Os agricultores indianos ficaram entre os mais desapontados com as promessas econômicas de Modi. Metade da Índia depende da agricultura, e protestos irromperam pelo país. Ainda assim, Modi continuou a reduzir a burocracia para os negócios e a investir em obras de infraestrutura como estradas. Seu mais ambicioso programa social, uma nova tentativa de universalizar o atendimento de saúde para os pobres, foi chamado de Modicare.

No início da campanha, muitos acreditavam que os desafios econômicos tornariam difícil para Modi e seu BJP manter o controle do Parlamento. Mas tudo mudou em 14 de fevereiro, quando um terrorista suicida explodiu um ônibus com paramilitares indianos no estado da Cachemira, disputado pela Índia e o Paquistão. O nacionalismo explodiu, e impulsionou as intenções de voto no partido do premier. Ele passou a dar mais ênfase à segurança nacional e ao nacionalismo hindu na campanha, e isso parece ter encontrado eco nos eleitores.

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