Artigo

Vinho, lagosta e caviar

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

O que será que um episódio recente relacionado a vinho, lagosta e caviar pode ter em comum com a biografia de um filósofo, em época distinta? Ora direis, certamente vinho, lagosta e caviar.

Pois se tratando desses ingredientes, outro elemento surge peculiaríssimo a esses ambientes, que remetem a abastança e exibicionismo: o Poder.

Ah, o Poder, o Poder, o Poder! Esse mesmo que não modifica as pessoas, apenas mostra o que elas são. Esse mesmo que os homens dizem ser afrodisíaco e que as mulheres, sem outra escapatória, confirmam. Esse mesmo que eleva o prepotente, até então contido pelo constrangimento, ao limite da arrogância.

1.O primeiro episódio teve lugar há coisa de 15 dias. O Supremo Tribunal Federal - STF efetivou uma licitação para compra de lagosta e vinho no valor inicial de mais de uma milha. Uma juíza, a partir de uma ação popular movida por uma deputada enxergou o descalabro da compra e a interpretou como uma afronta à economia popular Afinal de contas, quem vai comer lagosta e beber o vinho são eles, mas o dinheiro quem paga somos nós.

Em vão. Um desembargador cancelou a sua liminar e solidarizou-se, por seu lado, à vontade de comer lagosta e de beber vinho dos buchos dos membros do STF. Como se dissesse: “Que crueldade como nossos chefes! Será que essa juíza não entende que as necessidades digestivas de um estômago poderoso atende a leis distintas do dela? Não aprendeu sobre Leis na faculdade?”

2. O segundo episódio remete ao século XIX e refere-se ao curioso perfil biográfico de Friedrich Engels, magnata da indústria têxtil e que foi o autor do histórico lema revolucionário: “Trabalhadores do mundo uni-vos”. Engels além disso, foi o protetor e o mecenas de Karl Marx, o pai do comunismo. Sem Engels, a ideologia não teria se propagado em tão pouco tempo.

Acontece que Engels foi sempre um bon vivant: mulherengo e preguiçoso, bebia muito e dava festas em homenagem até ao próprio bigode. Um peão de fábrica que o olhasse diria: “Esse aí nunca pisou no chão de fábrica!” Nisso faz lembrar o perfil de alguns heróis intelectuais da esquerda nacional que, nascidos em berço de ouro, jamais conjugaram os verbos ‘fazer e acontecer’ estimulando, assim, a criação do protótipo que hoje se convencionou chamar de esquerda caviar.

Um de seus maiores representantes é o compositor Chico Buarque de Hollanda. Chico fez música cujas letras defendiam os pobres, mas nunca tentou amenizar suas sortes. Era contra a ditadura, nas letras cuidadosamente disfarçadas de suas músicas, mas seus olhos verdes ficaram intactos às torturas que, solaparam, por exemplo, rebelados mais impulsivos como Geraldo Vandré. Exilou-se por conta própria, mas ninguém o pressionou a isso. Pelo contrário, era querido tanto pela filha do general “Você não gosta de mim, mas sua filha gosta“, como pelos presidentes militares. Chico, como Engels, foi um defensor teórico dos pobres, mas jamais prescindiu do vinho, do caviar e da lagosta.

Donde se conclui:

1.A luta da esquerda e da direita permanece só até a chegada ao poder quando então viram mais do mesmo. Não há diferença nem na conta do caviar. 2.Lembrando a exigência de que o vinho a ser comprado teria de ser premiado internacionalmente: “Nem todos os vinhos são iguais perante a Lei. Só os que custam os olhos das caras. Dos pobres”.


José Ewerton Neto

Autor de O ofício de matar suicidas

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com


Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.