Artigo

Envelhecer

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

Artigo escrito pela economista e escritora Eliana Cardoso publicado na revista “Eu & Fim de Semana”, encarte do jornal “Valor”, edição do dia 10 de maio, inspirou este texto.

Fiquei sabendo, por exemplo, que o conceito de velhice depende do sentido conferido à vida; que já superei os anos estimados a viver, hoje, em torno de 82 em países da Europa; que o passar do tempo modifica a relação do indivíduo com a sociedade na qual está inserido.

Quando eu nasci, primogênito entre dez irmãos, a expectativa de vida era bem menor dadas principalmente as condições de saúde, pois a medicina ainda não havia sequer descoberto a penicilina; as famílias, como a minha, protegiam suas crianças na base de remédios caseiros e fortificantes existentes nas farmácias e drogarias, inclusive com séries anuais de injeções de cálcio e vitaminas.

Foi assim que eu, desafiando a lógica, fui vencendo as crises de asma acometidas desde a infância, passando pela adolescência e, por incrível que possa parecer, menos agora, na velhice; lembro dos tratamentos evoluindo ao longo do tempo e da superação dos riscos enfrentados em certas oportunidades, pois podia ter morrido!

Eliana Cardoso cita alguns autores famosos no trato da questão do envelhecimento e de como as lembranças do passado podem definir comportamentos: casais idosos solitários que imaginam um tempo que não volta mais (Eugène Ionesco, 1909-1994), mas a minha solidão é de viúvo; evocando amores passados (Samuel Beckett, 1906-1989); uma visão mais otimista de Cícero (106 43 a.C), dirigida aos senadores de Roma, que a idade, diferente de desequilibrar, aumenta suas capacidades, com o que concordo plenamente.

Ela cita também o filósofo Ralph Waldo Emerson (1803-1882), que o crítico Harold Bloom incluiu em seu livro “O Cânone americano”, gabando os méritos e a serenidade da última idade; ele diz que “o velho é feliz primeiro porque escapou de perigos múltiplos e já não tem o que temer, e com a vida atrás de si, ela lhe pertence e ninguém pode roubá-la”. Comigo é pura verdade, mesmo porque acho que casamento é só por uma vez.

Penso que é isso mesmo: plantei várias árvores, escrevi três Livros, casei com a Conceição, sou pai de quatro filhos e avô de cinco netos; trabalhei - ainda continuo trabalhando - estudei e passei boa parte da vida ensinando o que aprendi. Foi fácil? Não, contudo continua valendo a pena, mesmo depois que a minha esposa se foi, há seis anos.

Sabe-se sobre o escritor que mais exaltou a velhice, Victor Hugo (1802-1885), recentemente relembrado pelo incêndio da Notre-Dame de Paris, que ressaltava “o contraste romântico entre um corpo enfraquecido e um coração indomável”; Michel de Montaigne (1533-1592), “recusa tanto a zombaria da velhice quanto sua exaltação, que para aqueles que empregam bem o tempo, a experiência e a ciência crescem com a vida, mas a vivacidade, a prontidão, a firmeza e outras características essenciais se enfraquecem ou desaparecem”.

Corpo enfraquecido, é verdade, bem como “outras características essenciais”, todavia a experiência cresce à medida em que se envelhece.

Dou meu próprio testemunho sobre essas verdades e me considero um privilegiado. Há exemplos brasileiros exaltados por Clarice Lispector (1920-1977); Simone de Beauvoir (1908-1986) diz que “mais vale viver uma velhice ativa, mas que essa possibilidade, contudo, pertence aos privilegiados”, como eu.

Agora, um pouco sobre a motivação maior do artigo de Eliana Cardoso, “a vida no longo prazo” face à Reforma da Previdência, ora em discussão na Câmara dos Deputados. Ela diz: a fonte mais importante de rendimentos dos idosos são as aposentadorias e pensões; que a renda média dos idosos economicamente ativos é mais do dobro da renda média da população economicamente ativa entre 14 e 64 anos; entretanto, apenas uma parcela pequena da população acima de 65 anos (tenho 84) se mantém ativa.

E mais: “Os idosos ativos com mais de 65 anos representam apenas 15% dessa faixa da população, e entre as pessoas acima de 75 anos, somente 5,5%; (...) apenas uma minoria privilegiada consegue se manter ativa e independente na velhice”.

Por todas essas verdades, dou graças a Deus!


Antônio Augusto Ribeiro Brandão

Economista, membro da ACL, do IWA e do ELOS Literários, fundador e membro honorário da ALL


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