Disputa

Putin faz jogo de poder com os passaportes russos

Moscou tenta assegurar áreas ocupadas e parar declínio demográfico dando cidadania facilitada e rápida a ucranianos de áreas separatistas. Total de potenciais candidatos ao benefício chega a 10 milhões

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Pessoas fazem fila para pedir passaportes russos em Donetsk, no leste da Ucrânia
Pessoas fazem fila para pedir passaportes russos em Donetsk, no leste da Ucrânia (AFP)

MOSCOU - Vladimir Putin tem pressa. Dentro de uma semana, o presidente russo assinou dois decretos de naturalização acelerada de cidadãos ucranianos, o mais recente foi em 1º de maio. As iniciativas, duramente criticadas por Kiev e seus aliados, acontecem num contexto de incerteza na Ucrânia, em que o presidente Petro Poroshenko completa as últimas semanas de seu mandato, e o presidente eleito, Volodymyr Selenskyj,ainda não assumiu o cargo.

O primeiro decreto, em 24 de abril, teve como alvo cidadãos de Donetsk e Lugansk, nas regiões separatistas do leste ucraniano. Moscou justificou a iniciativa com "razões humanitárias" para possibilitar, por exemplo, a viagem de ucranianos com passaportes expirados.

O segundo expande significativamente esse grupo alvo. Ele define que aqueles nascidos na Crimeia e que tenham deixado a península antes da anexação russa possam gozar de um "processo simplificado" para obter um passaporte russo. Isso também se aplica aos parentes.

A oferta também é destinada a todos os ucranianos que viviam nas áreas afetadas do leste da Ucrânia antes do início da guerra, em abril de 2014, e agora vivem em outros lugares. Os alvos são, obviamente, refugiados e trabalhadores imigrantes legais ucranianos na Rússia, assim como pessoas internamente deslocadas na Ucrânia.

Entre as justificativas do decreto são citadas razões de "proteção dos direitos e liberdades humanos". Detalhe importante: não é necessário abrir mão da cidadania ucraniana, que é a regra em casos similares na Rússia.

Todos estes ucranianos poderão receber passaportes russos no prazo de três meses e em condições simplificadas. Até agora, tal procedimento podia levar anos. Os decretos de Putin beneficiariam milhões de pessoas.

O maior grupo incluiria aqueles ucranianos que antes do início da guerra viviam, permaneceram ou fugiram da região de Donbass. No total, de acordo com estimativas ucranianas, no início de 2014 cerca de quatro milhões de pessoas viviam nas áreas que Kiev classificava como território ocupado pela Rússia. Números exatos não existem.

A segunda maior categoria seria a dos trabalhadores ucranianos ou refugiados da Ucrânia registrados na Rússia, porque grande parte deles é originária do Donbass. Em 2018, o ministro do Exterior da Ucrânia, Pavlo Klimkin, estimou o número total de cidadãos ucranianos na Rússia em cerca de três milhões. Incluindo os ucranianos nascidos na Crimeia, assim como crianças e familiares, o número total de potenciais candidatos a passaportes russos deve ficar entre 5 e 10 milhões.

Mas a Rússia parece não esperar uma avalanche de pedidos. Apenas dois centros de naturalização na região russa de Rostov, perto da fronteira com o leste da Ucrânia, entraram em operação experimental no final de abril. Mas Putin quer dar mais um passo adiante. No final de abril, o presidente russo disse cogitar oferecer a todos os cerca de 40 milhões de ucranianos a cidadania russa sob regras simplificadas.

Ofensiva

Enquanto o momento da ofensiva parece particularmente favorável a Moscou, Kiev especula sobre o que haveria por trás dela. O governo ucraniano e especialistas como Wilfried Jilge, da Sociedade Alemã para Relações Exteriores (DGAP, na sigla em alemão), suspeitam que Moscou possa estar fornecendo uma justificativa para uma intervenção militar, semelhante à situação de 2008 na região separatista georgiana da Ossétia do Sul.

"Vladimir Putin continua na Ucrânia sua política do mundo russo", aponta Jilge, em entrevista à DW. "Ele está tentando reivindicar seu direito sobre as pessoas nos territórios ocupados", acrescenta. Para o especialista, o Kremlin seria capaz de "proteger esses ucranianos com passaportes russos, se necessário, contra o governo de Kiev". Jilga vê aí o "âmago do perigo" dos decretos de Putin.

Outro motivo principal parece ser o desenvolvimento demográfico da Rússia, cuja população está encolhendo. De acordo com o escritório de estatísticas russo Rosstat, a população diminuiu em 2018 pela primeira vez em 10 anos – em cerca de 100 mil pessoas. O prognóstico é negativo.

Passaportes russos não só para ucranianos orientais – com um programa de naturalização em grande escala, esta tendência demográfica pode ser interrompida, acredita Margarita Simonjan, chefe da emissora russa para o estrangeiro Russia Today (RT). Ela afirma, em sua conta no Facebook, que o governo deve continuar e "trazer para casa" todos os "russos" do exterior. E não apenas pessoas de etnia russa, que vivem em ex-repúblicas soviéticas após o colapso da URSS, mas também pessoas que se sentem ligadas à Rússia.

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