Educação

Ensino básico é prioridade de estados e municípios, diz MEC

Na média dos últimos 15 anos, universidades ficaram com R$ 0,18 de cada R$ 1 investido pela União, estados e municípios. Governo Bolsonaro prevê destinar ''recursos futuros'' federais do ensino superior para a educação básica

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Weintraub diz que recursos futuros da educação superior vão ser direcionados para a pré-escola ou para a educação básica
Weintraub diz que recursos futuros da educação superior vão ser direcionados para a pré-escola ou para a educação básica (Agência Brasil)

BRASÍLIA - O ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou, que os "recursos futuros" da educação superior "vão ser direcionados para a pré-escola ou para a educação básica". Ele justificou a mudança de foco afirmando que, durante a campanha eleitoral, essa foi a prioridade defendida por Jair Bolsonaro (PSL).

A mudança de foco em relação às outras gestões é criticada por especialistas. Dados compilados mostram que as universidades recebem a menor parcela da verba quando considerado o gasto total dos municípios, dos estados e da União.

Os principais pontos, segundo o G1: o gasto por aluno no ensino superior é mais alto do que o do aluno do ensino básico no Brasil, mas isso também se repete em outros países; a diferença do gasto por aluno do ensino superior x educação básica teve queda de um terço desde 2000: enquanto o valor por universitário se manteve estável, o da educação básica triplicou; comparando com a média da OCDE, o Brasil investe menos por aluno em todas as etapas do ensino; na verba total do país investida em educação, o ensino superior fica com a menor parte. Nos últimos 15 anos, universidades ficaram com R$ 0,18 de cada R$ 1 de verba pública investida na educação; a Constituição determina que os municípios cuidem prioritariamente do ensino infantil e fundamental e os estados cuidem do fundamental e do médio. Cabe à União manter a rede federal (atualmente de ensino técnico e superior) e repassar dinheiro para municípios e estados cuidarem da educação básica; por causa do pacto previsto na Constituição, a rede federal tem apenas 0,84% das matrículas da educação básica. A União também desenvolve programas de construção de creches e pré-escolas, livros didáticos, transporte e alimentação nas escolas

Segundo especialistas, tanto a educação básica (que vai da creche ao 3º ano do ensino médio) quanto o ensino superior precisam de mais dinheiro, principalmente quando o Brasil é comparado a outros países: o nível de investimento por aluno brasileiro ainda está abaixo da média das nações desenvolvidas.

Dados mantidos pelo próprio governo federal mostram, ainda, que o MEC gasta mais todos os anos com as universidades do que com as creches e pré-escolas, um fato que, para os especialistas, está em linha com a divisão das responsabilidades educacionais entre redes municipais, estaduais e federal determinada na Constituição, e também é uma realidade mundial.

Levantamento da média de gastos

Foi analisado a média de gastos entre 2000 e 2015 de todas as esferas (federal, estadual e municipal) para entender como o Brasil emprega seus recursos nas diferentes etapas do ensino. O levantamento tomou como base dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Considerando o gasto médio no período, a educação superior fica, com o equivalente a apenas R$ 0,18 a cada R$ 1 investido na educação pública no Brasil.

O valor considerou investimentos diretos de municípios, estados e União, e não leva em conta os gastos das escolas particulares. A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) usa o valor dos investimentos diretos para comparar o investimento feito pelo Brasil no setor com o de outros países.

Educação básica x superior

Segundo os dados apresentados pelo ministro da Educação, "um aluno na graduação custa R$ 30 mil por ano", e "um aluno numa creche custa R$ 3 mil". Weintraub não esclareceu a fonte dos dados.

Entretanto, as informações mantidas pelo próprio Inep, que é uma autarquia do MEC, revelam que a diferença era inferior em 2015 ao apontado pelo ministro, dado mais recente disponível. Além disso, ela encolheu um terço desde 2000 (veja no gráfico acima).

Já os números mais detalhados sobre todas as esferas de governo demoram mais para serem calculados. Por isso, os mais recentes vão até 2015.

'Inverter a pirâmide'

A divisão de recursos para a educação básica e para o ensino superior entrou em pauta após a posse do presidente Jair Bolsonaro. Na campanha, o programa do então candidato mencionava o fato de que o orçamento do governo federal se dedicava mais à educação superior.

"Precisamos inverter a pirâmide: o maior esforço tem que ocorrer cedo, com a educação infantil, fundamental e média. Quanto antes nossas crianças aprenderem a gostar de estudar, maior será seu sucesso", dizia o documento.

Em fevereiro, o então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, repetiu a ideia em uma audiência no Senado Federal. Vélez foi demitido no começo de abril. Seu substituto, Abraham Weintraub, já integrava o governo (era secretário-executivo da Casa Civil). Antes, havia participado tanto da equipe de transição quanto do grupo que responsável pelo programa da campanha presidencial de Bolsonaro.

Nesta semana, ele voltou a citar o documento:

"No programa de governo que elegeu o presidente Jair Bolsonaro, estava muito claro, estava explícito, que a nossa prioridade era a educação básica, a pré-escola. Agora criou-se uma polêmica enorme porque a gente está apresentando o nosso governo", diz Abraham Weintraub, ministro da Educação

A pirâmide existe?

Levando-se em conta apenas os investimentos do governo federal, sim. Mas, considerando o total gasto pelo Brasil em educação, que inclui estados e municípios, a afirmação não procede.

Os dados usados pela campanha eleitoral de Jair Bolsonaro foram retirados de uma página do Orçamento Cidadão de 2018. O documento é uma versão simplificada do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa). Ele não representa a realidade da lei orçamentária, porque sofre diversas alterações até sua aprovação no Congresso. Por exemplo, o Ploa cita o grupo "ensino superior" com 30%, mas esse percentual é acrescido de outros itens. Os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal (Siop) mostram os recursos do orçamento que foram, de fato, pagos pelo governo. No caso de 2018, a subfunção "ensino superior" recebeu dois terços (66,5%) do total pago pela União em investimentos na educação.

Gasto federal com educação superior

A divisão das responsabilidades de cada esfera de governo consta na Constituição Federal. "No nosso pacto federativo, trazemos as responsabilidades dos diferentes entes federados em relação às etapas da educação", explicou ao G1 Edward Madureira, reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e vice-presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

"A educação superior é de responsabilidade do governo federal. A básica é dos municípios, e a outra etapa da educação básica, principalmente o ensino médio, é dos estados", afirma Madureira. "Essa dita inversão, de fato, não existe."

Como a oferta de ensino básico não é de responsabilidade prioritária do governo federal, apenas 0,84% das matrículas nesse nível estão em escolas ou institutos federais.

Verba atual é suficiente?

O Plano Nacional de Educação (PNE) colocou em lei a meta de atingir, até 2024, o investimento do equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na educação pública. Em 2015, o percentual foi de 5,5% do PIB. Os indicadores do biênio 2017-2018 ainda não foram divulgados.

Pela Constituição, estados e municípios precisam direcionar pelo menos 25% de suas receitas para a educação. Já o governo federal, até 2017, tinha de investir a partir de 18%. Desde o ano passado, por causa da PEC do Teto dos Gastos, o valor está congelado – passou a ser apenas corrigido pela inflação, segundo o IPCA.

O novo ministro da Educação defende que o Brasil já gasta o bastante em educação – e que precisa melhorar a forma como esse valor é gasto. No início de abril, ao assumir o MEC, ele citou o orçamento da pasta e declarou: "Com esses R$ 120 bilhões, a gente consegue entregar mais, deve entregar mais que os indicadores atuais do Brasil, internacionais. Eles são ruins. O Brasil gasta como país rico, e tem indicadores de país pobre per capita".

Outros analistas, porém, levam em conta o gasto per capita para defender que o orçamento global de educação siga aumentando conforme a meta do PNE.

Especialistas apontam, porém, que não adianta retirar dinheiro do ensino superior para aplicar no básico. Segundo José Marcelino Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) especialista em financiamento da educação, as estimativas indicam que o Brasil deveria investir, anualmente, pelo menos o dobro do que aplica na educação básica. Isso quer dizer que, mesmo que todo o dinheiro do ensino superior fosse transferido para o básico, o problema continuaria.

"Se eu pegar todo o dinheiro da educação superior e jogar na educação básica, eu aumentaria em 25% o valor do gasto por aluno na educação básica. Ou seja, não resolve, seria insuficiente", afirmou Marcelino, da USP. "E que país do mundo é louco de acabar com a educação superior pública? É um dos poucos lugares em que você tem pesquisa."

Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), defende que o governo federal aumente os repasses à educação básica ampliando o orçamento geral – sem, no entanto, retirar verba do nível superior.

"Quando se fala em retirar do ensino superior e colocar na educação básica, o que se quer é uma formação de baixo padrão, o ensino médio como terminativo. É a visão da mínima educação necessária para um mercado de trabalho de baixo padrão."

Uma análise de 35 países com dados tabulados pela OCDE mostra que, em 34 deles, o gasto por aluno no ensino superior é mais alto que o do ensino básico – a única exceção é a Grécia.

Mensalidade na universidade pública

Marcelino e Edward Madureira, da Andifes, explicam que passar a cobrar mensalidade nas universidades públicas também não resolveria o problema do financiamento.

"Na verdade, as famílias já pagam pela universidade pública, está nos impostos que são recolhidos", afirma Madureira. "E o perfil socioeconômico mostra claramente que o estudante do país hoje não tem a mínima condição de pagar mensalidade. Se passassem a cobrar daqueles que poderiam pagar, essa contribuição não seria suficiente para a manutenção das universidades."

Segundo Marcelino, mesmo as universidades americanas, que não são gratuitas e têm mensalidades altas, não conseguem cobrir todo o orçamento só com as mensalidades – em alguns casos, as taxas pagas pelos alunos chegam a apenas 14% do custo total da instituição.

Já Edward Madureira, da Andifes, afirma que o Brasil precisa olhar a educação como um todo, sem "fatiá-la" em básica e superior.

"Começa na educação infantil e termina no pós-doutorado. Não há como fragmentar isso e, de repente, querer investir em uma etapa em detrimento da outra. Nem na básica mais que na superior, e nem na superior mais que na básica, porque vamos criar uma distorção, e a cadeia não vai fechar. Essa é uma das razões da nossa fragilidade em relação ao resto do mundo na educação."

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