Artigo

Uma questão de justiça

Mylla Sampaio

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

Desde que começou a ser adotado pelas principais competições no futebol, o VAR - Video Assistant Referee divide opiniões. Há quem despreze a utilização da tecnologia de vídeo para auxiliar o juiz em campo, especialmente nos casos onde há um gol, por, supostamente, suprimir a emoção do momento, interrompido pela verificação das imagens na lateral do campo, que costuma durar alguns poucos minutos.

Historicamente, o futebol é um esporte reconhecido pela malandragem. Simulações, mãos e braços sendo utilizados de forma irregular fazem parte das partidas. “As irregularidades são naturais”, dizem. Não, não são. Não são naturais no vôlei, não são naturais no tênis, por que no futebol deveriam ser? Que há de tão especial no futebol que é permissivo com esses comportamentos desonestos? Nada. Há uma riqueza de exemplos: o famoso gol de mão de Diego Maradona, o golpe violento que um jogador holandês deu em Xabi Alonso na final da Copa do Mundo da África do Sul e que lhe rendeu apenas um cartão amarelo, o jogo entre Brasil e Itália, onde Zico teve sua camisa rasgada pelo zagueiro Gentile na pequena área e o juiz não marcou o pênalti que, se convertido, levaria o Brasil à final de 1982, dentre outros.

São constantes as reclamações sobre os erros cometidos pela arbitragem. Sendo homens e mulheres de carne e osso verificando a regularidade das jogadas é comum que erros aconteçam, é da natureza humana equivocar-se e, também, buscar alternativas que diminuam os prejuízos que essas decisões podem causar para as equipes. Por isso, não somente o VAR, mas os relógios utilizados pelos juízes que vibram quando a bola ultrapassa completamente a linha do gol são os maiores aliados do esporte, não seus inimigos, na busca constante pela diminuição das interpretações imprecisas e injustiças em um momento que elas podem ser fatais para um lado e salvadoras para o outro.

E por falar em fatalidades e redenção, Manchester City e Tottenham, no dia 17 de abril do corrente ano, protagonizaram uma partida alucinante pela UEFA Champions League, que contou com cinco gols em menos de vinte e cinco minutos de bola rolando, onde os Spurs tinham a vantagem da vitória no primeiro duelo e o City, conhecedor da situação delicada em que se encontrava, doou-se de corpo e alma para reverter o resultado. Nos minutos finais, Sterling marcou o gol que classificaria heroicamente o time de Manchester para as semifinais da competição... Mas, com o auxílio do VAR, que detectou um milimétrico impedimento (e que não deixa de ser um impedimento por ser milimétrico), o gol foi anulado acertadamente. Pepe Guardiola, técnico da equipe eliminada, declarou estar satisfeito com o recurso tecnológico, pois não seria louvável vencer dessa forma, prejudicando o Tottenham, que de alguma forma foram superiores pelo resultado conquistado.

Enquanto no Brasil, o jogador Felipe, ex-goleiro do Flamengo, há alguns anos declarou: “estava impedido? Roubado é mais gostoso”, ironizando a vitória de sua equipe sobre o Vasco da Gama, nos últimos minutos, graças a um gol irregular que lhes deu o título carioca.

A compreensão de que nada no esporte é mais importante que a justiça, a lealdade, a honestidade e a igualdade é uma questão civilizacional. Presentes essas condições, a vitória é um grande mérito; ausentes, a vitória não tem valor, ao contrário do que tenta induzir o tacanho pensamento do flamenguista, só há demérito. Essa é a maior lição que o VAR pode ensinar a quem pensa que os fins justificam os meios contra as virtudes soberanas do esporte.

Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça na Universidade Federal do Maranhão

myllamssampaio@gmail.com

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