História da Ilha

Sob as bênçãos de Jesus: Anjo da Guarda no comercial e na cultura

Na década de 1990, o Anjo da Guarda já era um dos bairros mais populosos da região; além de residências de pessoas simples, surgiram feiras e uma concentração de lojas e estabelecimentos comerciais que viraram referência

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

[e-s001]Protegido literalmente por Nosso Senhor Jesus Cristo – cuja história de vida é retratada por sua gente –, o Anjo da Guarda tornou-se um dos bairros não somente referência da área Itaqui-Bacanga, como de toda a cidade. A localidade tornou-se central e conhecida por receber, há 38 anos, o maior espetáculo ao ar livre do estado, e também - como outros bairros sem planejamento - concentrou problemas. Ao mesmo tempo, incentivou o surgimento de estabelecimentos comerciais.

O chamado “boom” do Anjo da Guarda aconteceu a partir de iniciativas, ainda na década de 1980, com a execução de projetos habitacionais e municipais e com a confirmação de projetos, como o Porto do Itaqui. Vários trabalhadores e funcionários se mudaram para o Anjo.

Na década de 1990, o Anjo da Guarda já era um dos bairros mais populosos da região. Além de residências de pessoas simples, no bairro, surgiram feiras e uma concentração de lojas e estabelecimentos comerciais que viraram referência. São pontos que revendem móveis, eletrodomésticos e até casas e veículos. Há quem comente que a população, ao contrário do que se pensa, não precisa mais atravessar a Barragem do Bacanga e a Avenida dos Portugueses para resolver os seus problemas.

Exageros à parte, apesar dos avanços, o bairro – como se estabelece pontos deste tipo efetuados sem o devido
planejamento urbano – também apresenta problemas. A começar pelo saneamento básico. Em vários pontos, é possível ver esgoto jorrando na rua e lixo no canteiro central das vias.

O bairro conta atualmente com linha de ônibus própria, fornecida por uma única empresa (ou consórcio), conforme atestado pela Prefeitura de São Luís em sua última licitação pública. “É uma espera muito grande, todos os dias”, reclama a dona de casa Maria do Amparo, moradora do Anjo há mais de 20 anos.

[e-s001]Outro gargalo que precisa ser urgentemente resolvido pelo poder público é o Mercado do Anjo da Guarda. Por causa da falta de estrutura interna e, principalmente, pela alta demanda, os boxes e bancas migraram para a avenida principal do bairro, causando transtornos para pedestres e motoristas. “Aqui é uma bagunça. Nunca deram jeito nesta feira”, disse o pedreiro e também aposentado Luís Costa, conhecido como “Luizinho”.

Proteção do Anjo de Dovera
Na entrada principal do bairro Anjo da Guarda, não há quem não se surpreenda com um monumento imponente, que faz referência à figura sublime do anjo. A obra é do artista, filósofo, teólogo e escultor italiano, Luigi Dovera, que, impulsionado por um projeto ousado do poder público, nas décadas de 1970 e 1980, espalhou imagens por toda a cidade.

A imagem chama a atenção não somente pela envergadura como pela beleza dos detalhes. Sob a “batuta” do anjo, o Anjo da Guarda vive com seu povo um dia de cada vez.

Os “cabeças” da “Via Sacra”
Na década de 1980, por iniciativa de pessoas como Pedro Cego, Cláudio Silva e seu Lambau – que saíram nas ruas e avenidas do Anjo com violões, contando e representando a beleza das histórias bíblicas, o Anjo da Guar­da ousou e passou a relatar em um belo espetáculo teatral, a chamada “Via Sacra” (os últimos dias de Cristo na Terra). A encenação ganhou cor­po e agregou colaboradores. Atualmente, é considerada a maior beleza em teatro aberto do estado do Maranhão.

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A primeira “Via Sacra” do Anjo foi em 1981. Nos arquivos do Grupo Grita, coube a um advogado chamado Fernando Pinto encenar o “primeiro” Cristo. O espetáculo, à época, se resumia somente à comunidade e era na área, atualmente ocupada por uma delegacia, ao lado da estação da Vale. “Era em uma área aberta, sem a estrutura de hoje”, disse Carl Pinheiro, presidente do Grupo Grita.

Aos poucos, a “Via Sacra” agregou novos elementos, como o Teatro Itapicuraíba, usado em várias passagens da encenação. O presidente do Gru­po Grita, Carl Pinheiro, cita a interessante história de construção do complexo teatral. “Seu Cláudio [Silva] decidiu de última hora organizar um show. E o ingresso era individual e bastava trazer um tijolo. Dos tijolos trazidos pelo público, surgiu o teatro”, disse.

Somado à estrutura, vem o talento de tantos nomes como Cláudio Silva, Tácito Borralho, Gigi Moreira e outros que tornaram a “Via Sacra” do Anjo conhecida na cidade e, ainda, em todo o estado. Com a lógica especial de contar prioritariamente com a participação da comunidade do próprio bairro do Anjo da Guarda, os diretores da “Via Sacra” nunca se conformaram em fazer por fazer o espetáculo.

[e-s001]Além de ampliar a participação dos colaboradores e a estrutura, a “Via Sacra” do Anjo também se tornou fomentadora da cultura teatral. Várias pessoas, com o passar dos anos, ganharam ofício artístico a partir de participações no espetáculo.
Atualmente, o papel principal de Jesus Cristo é feito por Jorge Smith. Ele encena Cristo há 19 anos e, a cada participação, a preparação é a mes­ma. “Sempre penso que o meu papel é o mais importante na encenação. Mas, independentemente de quem represento no espetáculo, a preparação seria a mesma, seja na decoração das falas e, principalmente, pela interpretação”, disse o ator.

Das lesões aos direitos humanos
A cada ano, além da inclusão de inovações técnicas no espetáculo, a direção da “Via Sacra” também surpreende com a escolha dos temas e, principalmente, com o casamento entre a história bíblica e a atualidade. Este ano, o espetáculo trouxe a tona o tema: “Guia-me pelas verdades de igualdade e da Justiça”.

Segundo a organização do Gri­ta, a escolha se deve ao que ocorre na atualidade. “Tratamos deste tema devido à delicada situação do Brasil, em especial, pela violação de direitos voltados e relativos ao feminicídio e outras situações”, disse Carl Pinheiro, diretor-geral da Via Sacra.

De acordo com ele – que lembra da colaboração este ano inegável de Cláudio Silva –, a história de Jesus Cristo combina com a representação dos fatos atuais. “Jesus é minoria e teve a sua história relatada. Esta é a lógica também da Via Sacra, ou seja, a de destacar também as minorias que vivem na atual sociedade”, afirmou.

Para este ano, duas mil pessoas estiveram envolvidas direta e indiretamente no espetáculo. Além da Praça Recanto da Paixão, também recebem cenas dos últimos dias de Cristo o Teatro Itapicuraíba, a Praça do Anjo e a Praça da Ressurreição.
A novidade deste ano foi a inclusão de um Jesus negro – desmistificando a figura até então de um Jesus com tom de pele apenas branco e de um intérprete de libras em toda a encenação.

SAIBA MAIS

Sobre o Grupo Grita

O Grupo Grita foi fundado em 1972, quando um grupo de estudantes do Centro Educacional do Maranhão (Cema) se reuniu para dar continuidade às atividades teatrais desenvolvidas na escola. O grupo elege o teatro político como uma nova forma de fazer a arte.

Desde 1977,o grupo atua na comunidade do Itaqui-Bacanga, e lá se incorporou à dinâmica do bairro, por meio do Centro Comunitário Católico, realizando o chamado “teatro popular”.

Trecho de “O Mulato” de Aluísio Azevedo – citação ao sítio Anjo da Guarda

“Fazia preguiça estar ali. A viração do Bacanga refrescava o ar da varanda e dava ao ambiente um tom morno e aprazível. Havia a quietação dos dias inúteis, uma vontade lassa de fechar os olhos e esticar as pernas. Lá defronte, nas margens opostas do rio, a silenciosa vegetação do Anjo da Guarda estava a provocar boas sestas sobre o capim, debaixo das mangueiras; as árvores pareciam abrir de longe os braços, chamando a gente para a calma tepidez das suas sombras.”

OPINIÃO

Qual a importância da “Via Sacra” para o Anjo da Guarda?

[e-s001]Herbert Santos (o poetinha)
“A Via Sacra do Maranhão é o maior espetáculo do país. Ganha inclusive de espetáculos mais renomados de
outras cidades”

[e-s001]Carl Pinheiro (diretor-geral da ''Via Sacra'')
“Tentamos, através da arte, representar a história de Jesus Cristo com a junção de elementos da atualidade”

[e-s001]Pedro Cego (um dos criadores da ‘Via Sacra’)
“Nunca pensei que, depois de anos, a ‘Via Sacra’ fosse ter a importância que tem”

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