Artigo

Astolfo Serra: o Guia Sentimental

Bruno Tomé Fonseca, Procurador do Estado, advogado, escritor, membro da Academia Ludovicense de Letras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

AAstolfo Henrique de Barros Serra completaria no próximo dia 22 de maio 119 anos do seu nascimento. A sua mente inquieta não fugiu dos desafios e das convulsões sociais do seu tempo. Tanto que a sua Vila de Matinha natal, atual Viana, não continha espaço físico para detê-lo. Andante, Astolfo cumpriu o seu périplo por São Luís, Teresina, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Não se tratou de um errante dos ventos, porém.

Havia nele uma polivalência assombrosa que permitiu o desempenho de inúmeras funções, desde Inspetor do Liceu Maranhense, atingindo o seu zênite como Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, passando pela função de Interventor Federal neste Estado. O exercício de tantas atribuições não foi suficiente para que fosse esquecida a sua fase de pregador sacro e profano nos púlpitos das suas paróquias.

A lírica de Astolfo foi capaz suavizar eventuais rigores verbais, como se percebe na sua prosa e estilo, marcados em títulos como “A Vida de um Professor Simples de Aldeia”, “A Vida Vale um Sorriso” e “A Balaiada.” Além, é claro, de outros títulos que sulcaram na mente dos leitores a sua marca de artista. E que também legaram o seu assento firme no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e na Academia Maranhense de Letras. Orgulho-me, aliás, de ocupar na Academia Ludovicense de Letras a Cadeira que Astolfo Serra é Patrono.

Como filho de São Luís, também não posso deixar de fazer um especial destaque a outro livro seu, intitulado “Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão”.

Nessa última obra, a nossa tão maltratada capital foi apresentada por Astolfo de modo garboso: a cidade gloriosa do Senhor de La Ravadière. Porém, a intenção do escritor não era escondê-la entre escuderias e fortalezas. Astolfo Serra apresenta uma São Luís sem cerimônias, sem recatos, sem nada a esconder, sorrindo, insinuante, dos seus mirantes para os navios margeados ou fundeados.

A sem cerimoniosa São Luís é exibida como a Ilha dos quatro sentidos: o do olfato, cheirando a camarão e farinha dágua na Rua Portugal; o do paladar, ressaltado pelo arroz de cuxá que fumegava das baixelas de prata dos ricos e das cuias de barro dos pobres; o da audição, com os sinos afinados ou desafinados em vários tons, conforme a localização de cada igreja na nossa cidade; e o do tato, que vem da maciez molhada da água que escorre pelas bocas dos netunos de gesso da Fonte do Ribeirão.

Astolfo Serra bocejava versos sobre a São Luís do sono da noite, da sesta do meio do dia, a contemplar corpos amolecidos de cansaço e de preguiça no fundo de uma rede. Diante do tamanho caos e alerta do Brasil de hoje, pergunto: que sesta? Que sono? Que rede?

O “Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão” retrata uma São Luís que merece ser rememorada. Celebrada. E resgatada. Trata-se um livro curto, simples e belo, que poderia muito bem ser relançado como edição de bolso. Primeiro para que seja conhecido por todos nós, ilhéus. E quem sabe, dentro de um milagroso círculo virtuoso, sejamos capazes de legá-lo aos nossos filhos e netos. E também apresentá-lo dentro dos muros das escolas públicas e privadas municipais. Sim, existe um aperitivo do nosso passado, cheirando a camarão, farinha e cuxá. Astolfo Serra cuida de servi-lo em forma de livro, com uma simplicidade afetiva e saborosa.

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