Opinião

Uma semana para reflexão

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

O tradicional período religioso da Igreja Católica, marcado por orações e tentações da gula, motivada principalmente pela variedade de comidas, nas quais se destacam os pescados, desponta no comércio um período de boas vendas.

A Semana Santa, também chamada pelos tradicionalistas de os “Dias Grandes”, é um misto de proibições (o jejum) e comidas deliciosas. Durante o período da Quaresma, era seguido à risca o preceito de não se comer carne na Quarta-feira de Cinzas e em nenhuma Sexta-feira naqueles 40 dias até a Páscoa.

A sentença (mercantilista) do Vaticano condenava à abstinência de se ingerir carne todos os dias da Quaresma. Que concluía com uma semana inteirinha dedicada a guardar contritamente a dor sofrida por Jesus Cristo, com muita oração, mortificação e silêncio.

Hoje não é tanto assim. Mas nem todos sabem como surgiu esta prática de guardar o estômago para os prazeres oriundos do mar ou das afamadas receitas portuguesas quando o assunto é bacalhau.

É certo que não há, nas sagradas escrituras, nenhuma norma ou referência que regulamente o consumo de peixes nesta época do ano. Da mesma forma como é fácil compreender a jogada comercial que motivou a prática.

Na virada do século XV para o XVI o Vaticano financiava boa parte das grandes expedições marítimas. Para tanto associou-se a vários reis e rainhas católicos, em particular da Espanha e Portugal. Nos novos continentes descobertos, seu quinhão estava assegurado — a peso de muito ouro e enormes propriedades.

É nesta época que, de repente, a Igreja cisma de decretar que, em reconhecimento ao sofrimento de Cristo, os fiéis não poderiam consumir carnes “quentes” ou “vermelhas” durante a Quaresma.

O que nem todos sabiam é que o Vaticano, na verdade, era proprietário da maior frota bacalhoeira — caravelas para a pesca do bacalhau que levavam os “dóris”, barcos a remo nos quais os pescadores (bacalhoeiros) se lançavam ao mar para a pesca. Seus armazéns ficavam abarrotados e era preciso escoar regularmente a mercadoria antes do vencimento dos prazos de validade (afinal, peixe salgado também estraga porque o sal se desfaz a baixas temperaturas durante o inverno).

Assim, visando a maximizar seus lucros, espertamente os padres proibiram o consumo de outros tipos de carne durante a Quaresma. Não deu outra: as vendas de bacalhau explodiram, já que o alimento era apreciado nas camadas populares europeias, sobretudo portuguesas, por ser nutritivo e barato. Os ricos e nobres continuaram mandando brasa nos seus faisões.

Não por acaso há uma expressão em Portugal referente às visitas inesperadas (e de baixa condição social) que batem à porta em horário próximo do almoço. Quando se pergunta o que servir como alimento, o dono da casa ou anfitrião costuma dizer: “Para quem é, bacalhau”.

E assim, durante séculos, até a Segunda Guerra Mundial, o bacalhau foi comida de pobre, mesmo no Brasil, cujo consumo massivo se deu após a chegada da corte portuguesa.

Também não é à toa que comer bacalhau no Brasil é sempre saborear um manjar dos deuses. É a manha da tradição culinária sedimentada na corte, com as bênçãos da Igreja Católica.

Para sorte do nosso paladar, agora nem adianta mais reclamar ao bispo pela malandragem de seus predecessores de batina…

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