Alvo de protestos

Militares prometem novo governo civil no Sudão

Após queda do ditador, manifestantes rejeitam ''promessa'' e se opõem a período de transição de dois anos pré-eleições; conselho diz que Bashir não será extraditado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Manifestantes mantém ocupação diante de Ministério da Defesa e pedem transição civil no Sudão
Manifestantes mantém ocupação diante de Ministério da Defesa e pedem transição civil no Sudão (Reuters)

CARTUM - O conselho militar sudanês que assumiu o poder do Sudão prometeu na sexta-feira,12, que o país terá um novo governo civil. Na véspera, as Forças Armadas forçaram a renúncia do ditador Omar al-Bashir, no comando nacional havia 30 anos, depois de quatro meses de manifestações populares. Mas os próprios militares viraram alvo dos protestos ao anunciarem um período de transição de dois anos, apenas depois dos quais haveria eleições.

Liderado pelo ministro da Defesa sudanês, Mohammed Ahmed Awad Ibn Auf, o conselho esclareceu nesta sexta-feira que o período anunciado é de, no máximo, dois anos. Mas pode durar apenas um mês caso as autoridades consigam organizar a transição "sem caos", ressaltou o chefe do comitê político do conselho, Omar Zain al-Abideen, durante entrevista coletiva.

As novas declarações de Abideen miram apaziguar os ânimos entre os manifestantes, que mantiveram a ocupação diante do Ministério da Defesa de Cartum, mesmo após a derrubada de Bashir, em crítica à condução militar da transição. Na entrevista, o general destacou que o conselho não vai interferir no futuro governo civil. Ressaltou, porém, que os ministérios da Defesa e do Interior continuarão sob tutela militar.

Milhares de sudaneses desafiaram o toque de recolher das forças militares e pernoitaram à porta do ministério, onde protestam há uma semana contra o regime autocrata do país. Os principais organizadores das marchas apontaram que o povo só aceita uma transição civil.

"Eles removeram um ladrão e trouxeram um ladrão", cantaram os manifestantes, que bradaram por uma nova "revolução". Potências mundiais, como Estados Unidos e Reino Unido, informaram que apoiam uma transição democrática e pacífica em período menor que dois anos no Sudão.

Os organizadores dos protestos também rejeitaram a promessa de governo civil. "Nossas demandas são claras, justas e legítimas, mas os golpistas (o comitê de segurança do regime) não são capazes de criar mudança, e eles não têm segurança nem estabilidade para ficar no poder", afirmou a Associação de Profissionais Sudaneses, em comunicado. "Isso sem falar nas demandas de entregar o poder a um governo de transição civil como uma das condições que precisa ser implementada".

Conselho propõe diálogo

Na entrevista coletiva, o representante do conselho militar destacou que o órgão pretende abrir diálogo com os manifestantes acampados diante do ministério. O temor dos manifestantes é de que o regime autocrático deposto seja substituído por uma ditadura militar, sintonizada com o sistema de Bashir. Segundo Abideen, o partido que governava o Sudão até esta quinta-feira, o Partido Nacional do Congresso, não será convidado para as conversas de transição, mas poderá participar da eleição.

Ao reforçar que o futuro governo sudanês será civil, o conselho militar comparou seus líderes a Swar al-Dahab, ex-chefe militar que entregou o poder à sociedade em 1986. Abideen disse que os militares "não tem solução" para a crise, mas que os manifestantes têm.

"Nós somos os protetores das demandas do povo e isso é consenso entre as entidades políticas", destacou o general. "Não somos gananciosos pelo poder".

O representante dos militares destacou ainda que os responsáveis pelas mortes de manifestantes, durante os quatro meses de mobilização, serão levados a julgamento. O comitê político se reúne nesta sexta-feira com legendas partidárias e diplomatas estrangeiros para começar a transição, reportou a mídia estatal de Cartum.

O que os militares não permitirão, segundo Abideen, é que estradas e pontes sejam fechadas em protesto. Ele garantiu que as detenções de ex-figuras do regime Bashir, alvo de desconfiança dos manifestantes, "são reais". O conselho anunciou, porém, que o ditador preso não será extraditado e responderá por seus crimes no Sudão.

Denúncia

Bashir foi denunciado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, pela morte de 300 mil pessoas na região sudanesa de Darfur. Ele é alvo de mandado de prisão por ter reprimido a insurgência local em 2003. O déspota sempre negou as acusações e não hesitou em desafiar a autoridade do TPI com viagens a outros países. A denúncia de genocídio fez o Sudão sofrer sanções internacionais desde os anos 1990, que agravaram a situação econômica do país, cerne dos protestos que o derrubaram.

Trata-se de outro eixo de preocupação dos manifestantes. O ministro da Defesa que assumiu a liderança de Cartum na queda de Bashir também foi incluído na lista dos Estados Unidos dos responsáveis pelo massacre de Darfur. Isso significa que todos os seus ativos nos EUA estão congelados e que americanos são proibidos de fazer negócios com ele, conforme confirmou a embaixada americana.

Depois da deposição forçada de Bashir, o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas pediu que o Sudão cooperasse com o TPI no cumprimento do mandado de prisão de Bashir.

"Nós encorajamos as autoridades do Sudão a cooperarem totalmente com o TPI. Há uma resolução do Conselho de Segurança de 2005 que pede ao governo do Sudão que preste assistência (à acusação)", explicou a porta-voz do órgão, Ravina Shamdasani, durante entrevista coletiva em Genebra.

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