Mudanças climáticas?

Variação de clima no Maranhão é principal causa das fortes chuvas

Sinais físicos e os impactos socioeconômicos deixados pela mudança climática estão cada vez maiores; no estado, 16 cidades estão em estado de emergência

Emmanuel Menezes / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Alto Alegre do Gurupi é uma das cidades inundadas no interior do Maranhão; ruas e casas estão submersas
Alto Alegre do Gurupi é uma das cidades inundadas no interior do Maranhão; ruas e casas estão submersas (Alto Alegre do Gurupi)

O Maranhão segue sofrendo consequências das fortes chuvas. O principal problema visto tem sido as enchentes em diversas cidades ribeirinhas, ocasionadas pelos altos índices pluviométricos registrados nas nascentes dos rios que cortam o estado. Segundo dados do Corpo de Bombeiros do Maranhão, 71 cidades maranhenses já sofrem de algum modo com as consequências. No total, 16 municípios estão em estado de emergência, e a vida de 120.847 pessoas já foi afetada.

Apenas na cidade de Imperatriz, foram cerca de 1 mil casas atingidas pela água. O comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Célio Roberto, explicou a ação permanente da corporação para manter as ações de proteção às famílias. “Os bombeiros têm atuado de forma preventiva e também têm agido rapidamente no sentido de salvaguardar a vida das pessoas”, diz. Apesar de todo o suporte, 422 famílias no estado seguem desabrigadas e 1.106 desalojadas.

Os sinais físicos e os impactos socioeconômicos deixados pela mudança climática estão cada vez maiores devido às emissões de gases de efeito estufa sem precedentes, provocando um aumento das temperaturas mundiais a níveis perigosos, e tornando ainda mais fortes os períodos chuvosos. Segundo o relatório mais recente da Organização Meteorológica Mundial (OMM) sobre o estado do clima mundial, correspondente a 2018, a elevação recorde do nível do mar, assim como das temperaturas terrestres e oceânicas foram destacadas. Não distante disso, as consequências podem ser vistas de maneira clara no Maranhão.

Desde os meses de novembro e dezembro, do ano passado, o Maranhão vem sofrendo com fortes chuvas. Os temporais se iniciaram a partir de efeitos da Oscilação Madden e Julian, também conhecidas como oscilações 30-60 dias, que acontecem, normalmente, em anos de El Niño. Os eventos incomuns caracterizam-se por um deslocamento para leste de uma célula zonal de grande escala termicamente direta, que causa variações na convecção tropical. Isso já havia sido previsto, mas a intensidade das chuvas não poderia ser previamente calculada.

Chuvas em números
Em novembro, as chuvas foram sete vezes mais fortes do que o esperado com os números base. Em dezembro, as chuvas ultrapassaram em quatro vezes as estatísticas. O mês de janeiro ultrapassou em 62% a quantidade prevista. A média histórica é de 244,2 milímetros para janeiro, mas este ano chegou a 393,4 milímetros. Em fevereiro, os valores superaram em pouco mais de 5% a média histórica de 373 milímetros, sendo contabilizados 379,2 milímetros. Março bateu recordes, chegando a 752 milímetros de média em São Luís. Choveu 75% acima do esperado, visto que a média para o mês é de 428 milímetros.

“Existe uma série de aspectos atmosféricos que favorecem essa ocorrência ou não. É difícil a gente dizer que está havendo um cenário de mudança climática, porque estaríamos afirmando que daqui em diante, todos os anos, as chuvas seriam iguais a essas, o que contraria as expectativas da climatologia, que são datadas em cerca de 30 anos”, explica Marcio Eloi, meteorologista do Laboratório de Meteorologia do Núcleo Geoambiental (NuGeo) da Uema. Os profissionais do laboratório afirmam que todos os pontos do apresentado pela Declaração da OMM são pertinentes e sérios.

“O planeta, como um todo, está passando por mudanças climáticas, que já se tornaram tendências. Mas os casos das fortes chuvas, como as vistas nesse ano no nosso estado, ainda não se enquadram como tendência, e sim variabilidade. Tendência seria afirmar que no ano que vem isso vá se repetir, e ainda não sabemos”, explica Gunter Reschke, também do NuGeo. Para afirmar que o período chuvoso no Maranhão será, todos os anos, tão forte como os mais recentes, isso deveria se repetir por mais 30 anos, até que se provasse a sua tendência.

Há uma explicação para a maior quantidade de chuva registrada em nosso estado: a boa configuração e temperatura do Atlântico Sul e a Zona de Convergência Intertropical (local onde os ventos dos hemisférios norte e sul e encontram no globo, próximo a linha do Equador). A partir do momento em que o Atlântico Sul se encontra aquecido, maiores nuvens de chuvas são formadas e levadas a todo o estado, a partir da Zona de Convergência. Anos mais chuvosos são menos comuns que os anos em que a seca prevalece.

“É muito difícil afirmar se nos próximos anos teremos as mesmas chuvas. Mas podemos afirmar que em março, por exemplo, batemos recorde de 24 horas com maior quantidade de chuva já registrado”, diz o meteorologista Gunter Reschke.
Como noticiado anteriormente, entre a madrugada de 23 para 24 de março, foram registrados na capital 236 milímetros de chuva, batendo o antigo recorde de 210 milímetros registrados em 2 de fevereiro de 1980. E as águas não devem parar por aí, visto que o mês de abril é o mais chuvoso de todo o ano. O NuGeo alerta que se esse mês seguir os registros de níveis de chuva superior ao esperado, como vem sendo desde novembro de 2018, abril deve ultrapassar os 462 milímetros de média.

Alta das marés
O nível do mar segue aumentando em ritmo acelerado. Em 2018, o nível médio do mar em escala mundial foi aproximadamente 3,7 mm mais alto que em 2017, um patamar que representou um novo recorde. A perda acelerada de massa das camadas de gelo é a primeira causa do aumento no ritmo de elevação do nível médio do mar em escala mundial, como revelam dados obtidos por imagens de satélite do Programa Mundial de Pesquisas Climáticas.

São Luís sofre com os efeitos das marés de sizígia, que diz respeito a altura das marés alta e baixa, que também varia com o ciclo lunar. Recentemente, um alagamento no estacionamento da Praia Grande deixou muitos maranhenses preocupados, pois o nível da maré subiu a ponto de invadir a terra através dos bueiros. Por conta das forças gravitacionais do sol estarem na mesma direção das da lua, as marés de sizígia são produzidas e, a partir do aumento do nível do mar, mais dentro da terra elas estarão.

SAIBA MAIS

O que é El Niño?
A atuação do El Niño no Brasil provoca secas em algumas áreas, principalmente Nordeste e Centro-Oeste, e o aumento das chuvas em outras, ocasionando profundas alterações meteorológicas. O fenômeno natural categorizado como uma “anomalia climática”, repete-se em intervalos irregulares, que costumam variar entre dois e setes anos. Por esse motivo são consideradas incomuns as oscilações 30-60 dias, que ocorrem apenas em anos de El Niño, trazendo fortes chuvas as regiões atingidas normalmente pelas secas.

Principais impactos climáticos registrados pela 25ª Declaração da OMM

Perigos: Em 2018, a maioria dos perigos naturais que afetaram quase 62 milhões de pessoas esteve associada com fenômenos meteorológicos e climáticos extremos. As inundações seguem como fenômeno com maior número de afetados — mais de 35 milhões de pessoas em todo mundo —, segundo análises de 281 fenômenos registrados pelo Centro de Investigação da Epidemiologia de Desastres e pela Estratégia Internacional das Nações Unidas para a Redução de Desastres.

Na Europa, no Japão e nos Estados Unidos, mais de 1.600 mortes foram atribuídas às intensas ondas de calor e a incêndios florestais, que também causaram danos materiais sem precedentes de quase 24 bilhões de dólares nos EUA. Em Kerala, na Índia, foram registradas as piores inundações em quase um século.

Segurança alimentar: A exposição do setor agrícola aos fenômenos climáticos extremos ameaça reverter ganhos da luta contra a desnutrição. Novos indícios apontam para um aumento contínuo da fome após um período prolongado de diminuição, segundo dados complicados por órgãos das Nações Unidas, entre eles a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA). Estima-se que o número de pessoas subalimentadas tenha chegado a 821 milhões em 2017, devido em parte às graves secas associadas ao intenso episódio do El Niño de 2015/2016.

Deslocamentos populacionais: Dos 11,7 milhões de deslocados internos registrados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) em setembro de 2018, havia mais de 2 milhões de pessoas em situação de deslocamento por conta de desastres relacionados a fenômenos meteorológicos e climáticos. Secas, enchentes e tempestades (incluindo furacões e ciclones) são os fenômenos que ocasionaram a maior quantidade de deslocamentos por desastres em 2018. Em todos os casos, as populações deslocadas são vulneráveis e precisam de proteção.

Calor, qualidade do ar e saúde: Existem diversas interconexões entre clima e qualidade do ar que estão sendo exacerbadas pela mudança climática. Estima-se que, entre 2000 e 2016, o número de pessoas expostas a ondas de calor tenha aumentado aproximadamente 125 milhões, dado que as ondas de calor eram, em média, 0,37 dias mais longas que no período de 1986 a 2008, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Recuo das geleiras: O Serviço Mundial de Vigilância das Geleiras mede balanço de massa de geleiras usando um conjunto de geleiras de referência em todo o mundo, com mais de 30 anos de observações entre 1950 e 2018. Elas cobrem 19 regiões montanhosas. Resultados preliminares para 2018, baseados em uma série de geleiras, indicam que o ano hidrológico 2017/18 foi o 31º ano consecutivo de balanço de massa negativo.

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