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De roceira a honrada cozinheira: a história da Base da Lenoca

Mulher guerreira e trabalhadora, Estelita Rodrigues, a conhecida Lenoca, tem história de superação; por três décadas, atende a clientela seleta; depois de passar por alguns endereços, ela funciona na praia de São Marcos

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Lenoca já passou por várias dificuldades, mas com bom humor mantém seu restaurante
Lenoca já passou por várias dificuldades, mas com bom humor mantém seu restaurante

SÃO LUÍS - A autenticidade e, principalmente, a perseveran­­ça de uma mulher guerreira e que representa a força das bases na capital maranhense. Estelita Rodrigues, ou simplesmente Lenoca, é destas personagens que fazem história. Foi a partir de seu esforço pessoal e de sua luta que o seu restaurante tornou-se famoso. A Base da Lenoca – que atualmente funciona em uma barraca na Avenida Litorânea, na praia de São Marcos - ainda atrai muitos clientes, mesmo com a concorrência na orla da capital maranhense.

A história de Lenoca começou em 1941, em Pinheiro (MA). Com seus irmãos, em 1958 – com 17 anos –, Estelita veio morar na capital maranhense. “Comecei a trabalhar em casa de família e, como precisava ajudar a minha família, não tinha nem o direito de estudar”, disse.

Antes de vir para a capital trabalhar, Estelita ajudava o pai e a mãe na roça. Já em terras ludovicenses, sua família migrou para a então desconhecida invasão que hoje é o bairro Alemanha. “Morei na Rua Moreira Serra, em uma pequena casa”, lembrou-se Lenoca. Segundo ela, a primeira casa foi a partir da boa vontade do Dr. Mattos. “Era um engenheiro civil que possibilitou a nossa permanência no local que ainda era invasão”, disse.

Restaurante Paraguaçu
Após se consolidar no trabalho em casa de família e aprender o dote da cozinha, Lenoca decidiu - ainda na invasão da Alemanha – fundar o Restaurante Paraguaçu, que originou a Base da Lenoca. “Cheguei para abrir este, então pequeno restaurante, com duas cambadas de caranguejo. Não tinha nada, e aos poucos fui pegando clientes, a partir dos bons pratos feitos”, afirmou.

Na década de 1970, os pratos tornaram-se mais rebuscados (caldeirada de caranguejo, arroz de toucinho e outros). A clientela aumentou de tal maneira que o Paraguaçu migrou para o Parque Folclórico da Vila Palmeira. Foi neste momento que o negócio começou a ganhar corpo.

A ida para o “Boiódromo” como – segundo Lenoca – era cha­mado o Parque Folclórico pelos frequentadores, foi intermediada por Epitácio Cafeteira. “Enquanto gestor, foi uma pessoa que me ajudou bastante”, disse.

[e-s001]Mas o negócio ficou mais conhecido quando a Base da Leno­ca foi para um prédio, atualmente da sede da Prefeitura de São Luís, na Avenida Pedro II. O estabelecimento funcionou na região Cen­tral por 20 anos e foi frequentado por visitantes do Centro Histórico, turistas e amantes da boa comida. A vista para a Baía de São Marcos e Avenida Beira-Mar era ainda um atrativo do estabelecimento tradicional. “Firmamos nossa clientela e pas­samos a ser conhecidos, de fato, na cidade a partir desta vinda para a região central”, disse.

Grandes nomes
Nomes importantes da cultura e do cenário político estiveram na Base da Lenoca. Desde PH, passando por Benedito Buzar e outros – pelo menos um dia de suas vidas –, curtiram alguns momentos no local que, até hoje, vive na lembrança das pessoas, em especial, mais antigas. Lenoca não esquece dos momentos agradáveis com Maria Bethânia, Galvão Bueno, Arnando Cézar Coelho e Tino Marcos.

Medalha do Mérito e o do câncer
Um dos grandes orgulhos de Lenoca, além de consolidar sua clientela e de construir um negócio a partir do próprio esforço pessoal, foi o recebimento de uma Medalha de Honra ao Mérito, em Brasília. O prêmio foi concedido a nomes de importância no país e que tiveram protagonismo em al­gum ramo. “Para mim, não houve orgulho maior. É um momento que guardo para o resto da vida”, disse.

O entusiasmo ao falar da maior honraria recebida, até hoje, contrasta com o desânimo ao abordar o câncer. Em um exame de rotina, Lenoca descobriu que estava com câncer de mama, há alguns anos. “Foi um desespero. Pensei que fosse morrer”, disse.

Com o negócio já consolidado, ela precisou parar, diminuir o ritmo e se cuidar. “Como sempre trabalhei na vida, nunca tive muita preocupação com essa coisa de saúde ou algo assim. A doença, para mim, foi um alerta”, afirmou.
Após procedimento cirúrgico e a retirada de uma das mamas, Lenoca – após algumas sessões de quimioterapia – estava curada. “Graças a Deus consegui me curar e retomar a minha rotina normal”, disse.

A chegada à orla
Depois de duas décadas, a Base da Lenoca migrou para a orla de São Luís. Inicialmente, registrou ponto em uma barraca da praia do Caolho. Em seguida, foi para a praia de São Marcos, atual endereço. Com a concorrência, Lenoca, perdeu alguns clientes, mas, ainda assim, mantém funcionários e tenta sobreviver aos novos tempos. “É muito difícil. A concorrência aumentou demais. Mas temos nossa clientela e buscamos nos manter mesmo com tantos estabelecimentos iguais que surgiram”, disse.

[e-s001]Base do Rabelo e o diferencial da época: o frango assado na brasa

Precursor do famoso galeto, o frango preparado na Base do Rabelo era comemorado pelos clientes; hoje, espaço funciona no Parque Shalom e atende pelo nome de Rabelo Sabor do Maranhão


Nos idos das décadas de 1960, seu Raimundo Mariano Rabelo – até então um jovem desconhecido na sociedade – teve uma ideia: fundar na Rua Araripe Júnior, no Lira, um estabelecimento, que começou como um bar e anos mais tarde passou a ter o rótulo de restaurante, com a oferta de comidas caseiras, dos mais variados tipos e arranjos, que fossem ofertados com preços populares. Foi a partir desta transformação que surgiu a Base do Rabelo, atual Rabelo Sabor do Maranhão (na Avenida Principal, no Parque Shalom).

O grande diferencial nos primeiros anos da Base do Rabelo – que também recebeu este nome por causa do termo “base” ou ponto de encontro, antes da festa – era o frango na brasa. A base foi precursora da oferta da delícia preparada no calor do carvão, na capital maranhense. “Meu sogro foi o primeiro a vender. Não se falava de venda de frango aqui na cidade. Seu Rabelo foi quem iniciou este processo”, afirmou Célia Rabelo, nora de Rabelo.

Ao lado de sua esposa, Luiza Vieira Rabelo, ele começou a consolidar clientela e a ampliar o cardápio. Do frango, Rabelo passou a ofertar outros alimentos, como lom­bo e camarão. O cardápio, elaborado por Luíza, se aperfeiçoou em 1993, quando o Rabelo passou a funcionar no Calhau. Em 2007, o negócio se mudou para o Olho d’Água, até chegar no Parque Shalom.


[e-s001]A tradição da Base do Rabelo é atender a clientela no próprio estabelecimento. “Não há a entrega de alimentos na residência. Nossas refeições são degustadas aqui, no próprio endereço”, disse Heleno Rabelo, filho de Raimundo Rabelo. Atualmente, a Rabelo Sabor do Maranhão atende das 11h às 15h. À noite, somente para eventos.

Outras bases
Havia, em um período histórico da capital maranhense, uma Base conhecida como “Germano”. Fala-se que o nome remete ao dono do empreendimento. Segundo o jornalista e colunista social, Pergentino Holanda (PH), o negócio funcionava na Macaúba e tinha como especialidades algumas delícias, como camarão, caldeirada de peixe e outros mariscos e o fígado acebolado.

Este fígado, aliás, era considerado a marca do negócio. “Realmente, este prato era muito especial”, disse PH. Ele relata que se tratava de um ambiente boêmio e acolhedor. “As pessoas não somen­te ficavam nestes locais para comer. Havia uma confraternização, uma demonstração de alegria por estar ali. Era somente o começo da festa e era muito bom”, disse.

O colunista lembrou ainda da Base da “Cumadre”. Esta, segundo PH, servia uma bela refeição de galinha com leite de gado. Há ainda a famosa história de Chico Buarque e a batida do fusca. Contam os mais antigos que o famoso compositor, após visitar uma das bases, decidiu dar uma volta de ônibus nas ruas estreitas do Centro. “Ele acabou batendo em um fusca, que foi consertado, em seguida, pelo então prefeito Haroldo Tavares”, afirmou PH.

Somando-se ao “Cumadre” e ao “Germano”, também havia as delícias da dona “Diquinha”, que funcionou no Diamante, e “Maria Castelo” - situada no bairro Monte Castelo, na Rua Genésio Rêgo (ao lado da antiga “Escola Técnica”), atual IFMA (Instituto Federal do Maranhão). E ainda a não muito citada Base da Helen, que até hoje pode ser frequentada no bairro Turu, em São Luís.

SAIBA MAIS

Comidas mais pedidas

O bom ambiente das bases e a tradição de encontrar amigos não são os únicos atrativos destes locais. Os cardápios chamam ou já chamaram a atenção. Algumas das bases são ou foram conhecidas pelos pratos saborosos oferecidos pelas mãos habilidosas dos donos. A convite, O Estado acompanhou a preparação de duas das receitas das bases, a caldeirada de camarão e o camarão ao alho e óleo.

No caso do camarão frito, o camarão precisa ser inicialmente comprado o mais fresco possível em feiras e mercados de preferência. É tratado (algumas pessoas gostam de incluir a cabeça, outras não). Sem casca ou não, o camarão – após ser limpo e retiradas as suas partes mais pontudas – é temperado com sal e limão (ou ainda pode ser temperado com pimenta do reino ralada). Em seguida, em uma frigideira quente e com alho amassado, os camarões são colocados.

Após cerca de dez minutos no cozimento, os camarões começam a dourar. Pode incluir molho shoyu ou leite de coco. Seu Edilson os serve sem qualquer acréscimo de molho. “Fica uma delícia, nossos clientes adoram”, disse seu Márcio, filho de seu Edilson.

Outro prato é a caldeirada, servida a partir de molho feito a base de tomate, sal, pimentão e cebola. Após um período de fervura na panela – aproximadamente 30 minutos – o camarão é servido com delicioso pirão e arroz. A tradicional caldeirada de camarão também é a especialidade da casa.

Aos poucos, O Estado decifrou parte dos segredos das delícias servidas.

[e-s001]Camarão ao Alho e Óleo
Ingredientes:
Camarões (1 kg)/Sal/Azeite/Limão/Pimenta de cheiro/Alho
Forma de preparo: Em uma frigideira, coloque os camarões em um azeite. Espere-os ferver. Em seguida, coloque o alho e aguarde por cerca de dez minutos até dourar. Depois, é só servir.

[e-s001]Caldeirada de Camarão
Ingredientes:
Camarões cozidos/Tomate/Cebola/Pimentão/Cheiro Verde/Pimenta de Cheiro/Sal/Azeite/Limão
Forma de preparo: Coloque inicialmente em uma panela o azeite e deixe esquentar por alguns minutos. Em seguida, coloque a cebola para dourar. Depois, o tomate e o pimentão. Após três minutos, acrescente os camarões temperados com leve toque de sal e alguns gotas de limão. Espere ferver por cerca de 10 minutos. Por fim, misture um pouco de água e cheiro verde.

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