Eleições

Erdogan sai derrotado nos grandes centros da Turquia

Partido de líder turco questiona resultado que expõe recuo eleitoral após recessão e referendo que ampliou poderes do presidente

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25
Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan cumprimenta apoiadores ao lado da mulher, Emine
Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan cumprimenta apoiadores ao lado da mulher, Emine (Reuters)

ANCARA - O partido do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, enfrentou no domingo,31, a derrota nas eleições locais na capital turca, Ancara, e possivelmente até em Istambul, maior cidade do país. O resultado surpreendeu a nação ao marcar o primeiro grande recuo eleitoral na década e meia em que Erdogan está no poder, antes como primeiro-ministro e agora como chefe de Estado. A legenda contesta a soma de votos e promete recorrer.

As eleições municipais em todo o país ocorreram nove meses depois de eleições nacionais que deram a Erdogan um novo mandato na Presidência. O pleito é considerado um parâmetro de sua popularidade depois de a economia da Turquia entrar em recessão e um referendo confirmar o aumento dos poderes do presidente. Segundo a agência de notícias estatal Anadolu, 84,52% dos turcos foram às urnas.

Erdogan reivindicou a vitória geral nas eleições, ao apontar resultados que mostraram seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) 15 pontos percentuais à frente do Partido Republicano do Povo (CHP, na sigla em turco), secular e de centro-esquerda, no cômputo geral da votação.

No entanto, pela primeira vez em sua carreira política, Erdogan experimenta a derrota em disputas para prefeito no centro do poder político turco, Ancara, e se encaminha para perder também em sua cidade natal, Istambul, o centro de negócios do país. Nas duas cidades, o CHP está na dianteira na contagem parcial dos votos.

O AKP perdeu o controle de Ancara pela primeira vez desde a fundação da sigla, em 2001. Candidato pelo CHP, Mansur Yavas obteve 51% dos votos na eleição municipal. A legenda de Erdogan e sua antecessora islamista controlavam a capital e Istambul há 25 anos. A derrota nos grandes centros aponta para futuras mudanças no alto escalão do governo.

"Por favor, não fiquem de coração partido com este resultado", disse Erdogan a seus apoiadores em um pronunciamento. "Vamos ver como eles vão administrar".

Ontem, o partido anunciou que vai apelar do resultado de todos os distritos de Ancara. O secretário-geral do AKP, Fatih Sahin, ressaltou a jornalistas que a legenda prevê "progresso significativo" em sua votação após os recursos. Menos de uma hora depois de reconhecer que um adversário estava à frente na contagem de votos, a legenda reivindicou vitória em Istambul. O chefe local do AKP, Bayram Senocak, disse a jornalistas que havia "muitas" evidências de irregularidades que haviam impactado o resultado.

Todos os olhos estavam voltados para a corrida municipal de Istambul. A candidata de Erdogan, a ex-primeira-ministra Binali Yildirim, teve reportado um empate virtual com o candidato da oposição, Ekrem Imamoglu. Imamoglu disse que, na verdade, venceu por uma margem substancial.

Segundo a Reuters, que cita dados do presidente do conselho eleitoral, Sadi Guven, Imamoglu teve 4.159.650 votos e Yildirim, 4.131.761 votos.

"O povo votou em favor da democracia. Eles escolheram a democracia", alfinetou o líder opositor Kemal Kilicdaroglu, cujo partido, o CHP, também garantiu o comando de Izmir, a terceira maior cidade da Turquia.

O presidente interveio pessoalmente na corrida para prefeito de Istambul, forçando Yildirim, sua aliada de longa data, a concorrer ante o cenário de uma corrida apertada. Erdogan escolheu outro ex-ministro para concorrer a prefeito de Ancara.

Reviravolta

Rusen Cakir, um comentarista experiente da política local, disse no Twitter que a reviravolta foi tão histórica quanto a chegada de Erdogan ao cenário político, quando, como islamista e ex-preso político, ganhou pela primeira vez a prefeitura de Istambul.

"A eleição de hoje é tão histórica quanto a eleição local em 1994", escreveu Cakir. "Uma página que foi aberta há 25 anos e agora está sendo fechada."

Se a candidata de Erdogan de fato perder a corrida de Istambul, seria um duro golpe para seu partido, que depois de 17 anos no poder tem mostrado um declínio na popularidade.

"Perder Istambul seria uma derrota nuclear para Erdogan", disse Soner Cagaptay, diretor do Programa de Pesquisa Turca do Instituto Washington para Política do Oriente Próximo. "Perder Ancara, que é núcleo de poder político e governo, é uma perda significativa".

Em um sinal de quão seriamente ele considerou essas eleições, Erdogan realizou oito comícios de campanha por dia em todo o país e retratou a votação como uma questão de "sobrevivência nacional".

Eleição referenda Erdogan

A economia em declínio estava no centro das preocupações dos eleitores. Após anos de crescimento significativo, a Turquia entrou em recessão em março. O desemprego é de mais de 10% e de até 30% entre os jovens. A lira turca perdeu 28% do seu valor em 2018 e continua a cair. A inflação atingiu 20% nos últimos meses.

Analistas de investimentos apontaram que a Turquia estava esgotando suas reservas internacionais para reforçar a lira no período que antecedeu a eleição. O ministro das Finanças, Berat Albayrak, prometeu anunciar um pacote de novas medidas financeiras após a eleição, mas a confiança dos investidores continua fraca.

"A campanha mostrou o desespero de Erdogan", disse Asli Aydintasbas, membro sênior do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Ele está vulnerável por causa do declínio de seus votos".

Enquanto Erdogan continua a ser, de longe, o político mais popular do país, seu partido não conseguiu a maioria nas eleições parlamentares de junho e foi forçado a fazer uma aliança com o Partido do Movimento Nacionalista. O referendo em 2017 que deu ao Poder Executivo maior autoridade sobre o Legislativo e o Judiciário foi vencido por ele por pequena margem de votos.

As eleições municipais costumam chamar pouca atenção fora da Turquia. Mas os votos locais para prefeitos, conselhos municipais e administradores de bairros foram vistos como críticos para o poder de Erdogan.

Os municípios representam o núcleo de sua base de poder conservadora e uma fonte de renda para seu partido, explicou Aykan Erdemir, ex-integrante do Parlamento e membro sênior da Fundação para a Defesa das Democracias, instituto de pesquisa em Washington.

Erdogan começou sua carreira como prefeito de Istambul e construiu sua popularidade no fornecimento de serviços locais, como coleta de lixo e transporte coletivo.

O presidente turco também adotou tom mais negativo na campanha do que nas eleições anteriores. Ameaçou processos judiciais, acusou a oposição de criminalidade ou terrorismo, invocou um suposto choque de civilizações e inflamou a ira nacionalista nos comícios.

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