Especial O Estado

Ausência de políticas públicas compromete o patrimônio de São Luís

Casarões abandonados, praias sem condições de banho e falta de aporte às manifestações culturais populares são alguns dos problemas apresentados

Igor Linhares e Monalisa Benavenuto / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

[e-s001]São Luís se destaca por ser uma cidade completa no que se refere aos Patrimônios Históricos e Culturais. Das danças às praias, dos casarões aos poetas, as ruas da cidade abrigam riquezas que, facilmente, justificam o reconhecimento da capital maranhense mundo afora. Em­bora tenha enorme significado para a população local e até para a história do Brasil e de outros países, os patrimônios que compõem o acervo ludovicense não recebem o devido valor, seja pelo poder público ou da sociedade civil.

Patrimônio Imaterial
O batuque dos tambores e as batidas das matracas anunciam um dos períodos mais festivos da capital maranhense: as festas juninas. Embora seja uma das épocas mais animadas do ano, engana-se quem pensa que as exibições culturais se limitam ao mês de junho. Em um cenário abrilhantado pela beleza e pelo colorido das manifestações que compõem o conjunto do Patrimônio Imaterial registrado e identificado em São Luís, difícil é não se contagiar pelos mais diversos encantos que transmitem a tradição do povo ludovicense.

Do bumba meu boi ao tambor de crioula, passando pelos festejos religiosos, gastronomia e artesanato, o Patrimônio Imaterial de São Luís toma forma e torna-se um dos mais importantes do país, apreciado por milhares de pessoas que visitam a cidade durante todo o ano, em busca do que é reconhecido mundialmente e declarado como bem da humanidade, pela Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Iniciadas ainda no período da colonização, as manifestações seguem sendo processadas pelo tempo em comunidades e bairros da cidade, por grupos artísticos e culturais e algum incentivo do poder público assegurado por meio de portarias e editais, mas, de acordo com a professora e pesquisadora em cultura popular maranhense, Letícia Cardoso, os integrantes de danças, brincadeiras e demais manifestações da cidade têm buscado, cada vez mais, a independência financeira para a manutenção dos espetáculos.

"Já tenho pesquisado vários grupos e percebido que eles estão muito mais independentes, inclusive finan­ceiramente, participando de editais nacionais ou até mesmo pela própria profissionalização dos grupos, que passam a ser percebidos como empresas. Eles negociam apresentações e recebem cachês. Por isso, não é errado, de forma alguma, porque quem trabalha quer receber. Por que não ver a cultura popular como uma forma de geração de renda para as pessoas? Principalmente para as mais pobres, que vivem desta cultura popular, e é bom que os grupos tomem a frente do processo e não sejam cooptados pela indústria cultural ou o Estado", pontuou a pesquisadora.

Patrimônio Material
Situado entre os bairros Praia Grande e Desterro, o Centro Histórico de São Luís possui um acervo arquitetônico colonial composto por cerca de 4 mil prédios, distribuídos por mais de 220 hectares. Os solares, sobrados e mirantes revestidos pela azulejaria portuguesa são marcas do apogeu econômico da cidade e, atualmente, abri­gam museus, centros de cultura, teatros, bares, restaurantes e uma infinidade de lojas de artesanato.

Características que fizeram com que os imóveis integrassem a lista de patrimônios culturais do mundo. Apesar do título, há, ainda, edificações utilizadas como estacionamentos, oficinas, quando não, completamente abandonados e entregues à ação do tempo e do vandalismo.

De acordo com a Fundação Municipal de Patrimônio Histórico (Fumph), cerca de 90% dos imóveis tombados, pela esfera estadual ou federal, são privados e, em sua maioria, estão em estado de abandono. A situação de muitos deles é, inclusive, objeto de ações na Justiça, seja para exigir reparos ou cobrar pelos serviços que já foram realizados, custeados com investimentos públicos.

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Segundo o coordenador técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Maranhão, Raphael Pestana, a instituição investiu, pelo menos, R$ 100 milhões nos últimos cinco anos, verba que possibilitou projetos de revitalização dispostos a imóveis que padeciam ao longo do tempo, descaracterizando o patrimônio e deteriorando a história ali presente.

“Atualmente, o Iphan é o maior responsável pelo aporte de recursos financeiros com fins de garantir a preservação do nosso patrimônio cultural, nos últimos cinco anos a instituição já investiu R$100.063.722,46 na execução direta de 62 ações, entre projetos e obras em imóveis e logradouros públicos tombados ou valorados a nível federal no estado do Maranhão”, esclareceu.

Pestana destacou ainda que, além das intervenções diretas, recursos de mais de R$ 4 milhões foram repassados ao Município de São Luís para a promoção de outros projetos. “Dentre estas ações, temos a restauração e adaptação de imóveis para habitação de interesse social, onde está sendo aplicado o montante de R$2.285.203,91 para garantir a salvaguarda de três sobrados tombados, representativos da arquitetura luso brasileira no Maranhão, além de beneficiar 22 (vinte e duas) famílias carentes com a concessão de moradia dig­na”, finalizou.

Patrimônio Natural
O Patrimônio Natural da capital é composto por lagoas, reservas, dunas, rios e, principalmente, praias. Por ter um dos maiores litorais de todo o Brasil, São Luís atrai, anualmente, milhares de visitantes, que desfrutam das mais diversas belezas naturais que a cidade oferece como rota turística cenários paradisíacos que fazem parte dos quatro municípios que compõem a região metropolitana da cidade.

Apesar da movimentação, a orla da Grande São Luís padece quando se refere à qualidade das praias que, neste ano, ainda não apresentaram pontos próprios para balneabilidade. De acordo com resultados de análises realizadas pelo Laboratório de Análises Ambientais (LAA), da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema), divulgados semanalmente pelo órgão, desde dezembro de 2018 nenhuma das praias demonstrou condições favoráveis para banho de mar. A última praia que apresentou resultado positivo para banho e práticas esportivas foi a do Araçagi, em São José de Ribamar, conforme laudo emitido em 20 de dezembro de 2018, com apenas um ponto próprio.

A situação torna-se ainda pior quando o recorte refere-se a São Luís, cujo último resultado positivo foi apresentado em 6 de dezembro, do ano passado, quando o laudo indicava dois pontos próprios para banho na Praia de São Marcos. Calhau e Ponta d’Areia tiveram resultado semelhante há cerca de quatro meses, com um ponto cada, registrados em 22 e 28 de novembro, respectivamente.

Neste ano, nove laudos foram emitidos, confirmando impropriedade nos 21 pontos analisados que, além das praias já citadas, contempla também Olho d’Água e do Meio. Os resultados seguem negativos em todos os pontos desde 27 de dezembro, ao último laudo emitido quarta-feira (27), resultando em mais de 100 dias de praias impróprias. A situação é resultado de uma série de problemas relacionados, principalmente, à drenagem e descarte incorreto de lixo que, somados ao período chuvoso, acometem a orla, conforme explicou o consultor ambiental Márcio Vaz.

“Basicamente, a gente tem um padrão associado à época chuvosa e à seca. Durante a chuvosa, as praias tendem a ficar impróprias devido às chuvas carrearem toda a poluição oriunda de depósitos de lixo nas ruas, áreas da cidade sem saneamento, por causa da urbanização informal, e lançarem estes resíduos no mar. Outro fator refere-se à drenagem. São Luís tem um problema de possuir muitos pontos de esgoto lançados irregularmente em drenagens de chuva, nas galerias pluviais. Então, quando cho­ve, a água da chuva leva, também, esses dejetos para as praias”, explicou.

Ainda de acordo com o especialista, as condições de balneabilidade devem ser levadas a sério devido aos riscos à saúde. “É um indicador de risco à saúde humana. Isto é importante deixar claro. Então, a questão de uma contaminação indicada pelas bactérias que são monitoradas na água diz que esse recurso tem um potencial de risco para pessoas que entrarem em contato com essa água. Pessoas de grupos de risco, como crianças e idosos, apresentam maior probabilidade de contaminação, visto que, tendo um organismo mais exposto e frágil, podem contrair doenças ao entrar em contato com este ambiente”, ressaltou.

De acordo com a Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema), ações são desenvolvidas para aumentar de 4% para 70% o índice de esgoto tratado em São Luís. Para tanto, está instalando 355 km de rede coletora de esgoto e interceptores, construindo novas Estações Elevatórias de Esgoto e duas novas ETEs (Vinhais, já entregue, e Anil, em construção), que se somam às duas já existentes para tratamento de esgoto na capital. As iniciativas implicam na melhoria da balneabilidade da orla.

Por sua vez, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema) afirma que atua na fiscalização dos empreendimentos ao redor da orla, no que tange ao lançamento de esgoto irregular. Quando constatadas irregularidades, adota todas as medidas cabíveis e pune os responsáveis. Além disso, realiza o Projeto Atitude Consciente nas Praias, com ações de educação ambiental, conscientizando os ambulantes, do­nos de bares e população, quanto à manutenção da balneabilidade das praias.

Para Socorro Araújo, titular da Secretaria Municipal de Turismo, apenas por meio da responsabilidade partilhada - entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil - é possível garantir a conservação e perpetuação dos patrimônios que contam a história de São Luís e, ao mesmo tempo, fomentam seu reconhecimento regional, nacional e internacional.
“A sociedade em geral precisa se apropriar das coisas que a nossa cidade oferece e essa apropriação precisa acontecer por meio da valorização. Diariamente, a secretaria e a Prefeitura, como um todo, têm trabalhado na fomentação da vivência no Centro Histórico para que ele pos­sa ser preservado, pois, por mais que se restaure e requalifique os espaços, se a população não adquirir o sentimento de pertencimento e ter zelo pela cidade, nosso patrimônio não será preservado”, enfatizou.

SAIBA MAIS

[e-s001]CASARÕES EM RISCO

92 casarões que compõem o Centro Histórico da capital maranhense, que abriga cerca de 5 mil imóveis, entre sobrados, casas térreas e solares tombados como Patrimônio Mundial da Humanidade, estão ameaçados de desabamento, risco intensificado e ainda mais iminente durante as intensas chuvas que vêm atingindo o município. O retrato do descaso e desvalorização da história é refletido por meio de janelas e portas destruídas, paredes pichadas e azulejaria depredada por vândalos. Em 2018, eram 75 casarões em estado caótico.
No último dia 24 de março, as chuvas levaram por terra um dos prédios que compunham o conjunto arquitetônico da capital, localizado na Rua Jacinto Maia. Segundo a Defesa Civil Municipal, o prédio era de propriedade privada, mas nele ninguém residia, nem se abrigava, no momento do incidente. À parte desse, restaram vários outros na mesma situação, os quais anunciam ruir a qualquer momento, sobretudo pela falta de manejo dos proprietários.
Já durante a chuva na capital nas primeiras horas do dia 26, O Estado observou a tamanha deficiência dos casarões considerados em situação de risco pela Defesa Civil Estadual, como é o caso do prédio que abrigou, por anos, o 1º Distrito Policial Civil de São Luís, localizado na Rua da Palma, esquina com a Rua 14 de Julho. O prédio, abandonado há muito tempo, saqueado por marginais, também foi incendiado em 2014. Mas, mesmo com tantos acometimentos, o imóvel segue sem nenhuma intervenção e tem servido de depósito de lixo.
Atualmente, o número de imóveis da região, entre o Centro Histórico e o Desterro, estão em estado crítico, necessitando de serviços de conservação e reparos por parte de seus proprietários, é 2% maior que ano passado, contabilizando 7% de todo o conjunto arquitetônico que, de acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), precisa de intervenção emergencial e é de propriedade particular, o que dificulta o andamento dos serviços. Ano passado, apenas 5% estavam comprometidos, comparativo que evidencia, cada vez mais, o descaso com o patrimônio. O Corpo de Bombeiros Militar do Maranhão diz que tem trabalhado para evitar transtornos e contatado os proprietários, acionando-os para que realizem os reparos e reformas necessários.

INCENTIVOS
Uma lei municipal isenta de pagamento integral ou parcial do IPTU os imóveis do Centro Histórico de São Luís, tombados pela União, Estado ou Município, desde que preservadas suas características arquitetônicas originais e mantidas em bom estado de conservação. O procedimento orienta a descrever as principais características arquitetônicas originais, estado de conservação e preservação e usos do imóvel a ser vistoriado.

O QUE DIZ A LEI
A Lei Municipal nº 3.836 de junho de 1999 isenta de pagamento integral ou imparcial do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) os imóveis do Centro Histórico de São Luís, tombados pela União, Estado ou Município, desde que preservadas suas características arquitetônicas originais e mantidas em bom estado de conservação.
Conforme a classificação técnica de preservação, os imóveis exclusivamente de uso residencial poderão ser classificados de acordo com sua caracterização e beneficiados com a seguinte isenção, a saber:
- Os imóveis classificados como de reconstituição (imóveis descaracterizados, possíveis de recomposição), isenta de 50%(cinquenta por cento);
- Os imóveis classificados como de preservação parcial (imóveis parcialmente descaracterizados, possíveis de recomposição), isento de 75% (setenta e cinco por cento);
- Os imóveis classificados como de preservação integral (imóveis caracterizados ou originais), isenção de 100%.
Excluem-se do privilégio desta Lei os imóveis que estejam comprometidamente descaracterizados, ou seja, sem possibilidade de recomposição com o conjunto de entornos tombados ou que estejam fora do interesse de preservação arquitetônica, histórica e artística.
Os imóveis de uso comercial, institucional ou misto ficarão isentos de 50% do valor do imposto devido.
O pedido de concessão da isenção deverá ser realizado anualmente, mediante solicitação do proprietário, possuidor ou representante legal, dirigida ao Secretário Municipal da Fazenda, instruída com a seguinte documentação:
a) prova de propriedade do imóvel;
b prova da atual utilização do imóvel;
c) procuração particular outorgada ao representante legal, quando couber;
d) contrato de locação a título gratuito ou oneroso, quando, for o caso;
f) certidão negativa de débitos tributários municipais, até a data do pedido;
g) duas fotografias da fachada do imóvel.

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