Literatura

Livro sobre Nauro repercute fora do Maranhão

Impressões sobre Nauro Machado, organizado por Arlete Nogueira da Cruz, tem recebido críticas positivas no Brasil

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26
Capa do livro "Impressões sobre Nauro Machado"
Capa do livro "Impressões sobre Nauro Machado" ("Impressões sobre Nauro Machado)

São Luís - Hildeberto Barbosa Filho é um dos 131 autores incluídos em Impressões sobre Nauro Machado, “coletânea crítica, amorosa e estupendamente organizada pela escritora Arlete Nogueira da Cruz, viúva do grande poeta Nauro Machado”, no dizer do carioca Antonio Carlos Secchin; “um trabalho magistral realizado não apenas a favor do poeta Nauro Machado, mas também a favor da poesia brasileira”, na afirmação do gaúcho Carlos Nejar, ambos poetas, críticos literários e membros da Academia Brasileira de Letras.

Hildeberto Barbosa Filho, notável escritor paraibano, é hoje um dos mais importantes e respeitados ensaístas e críticos de literatura no Brasil, professor-doutor da Universidade Federal da Paraíba e membro da Academia Paraibana de Letras, interessou-se pela poesia do maranhense a partir da leitura de uma entrevista onde Nauro afirmava ser a poesia para ele “um caso de vida ou morte”. Hildeberto encontra-se na coletânea Impressões sobre Nauro com o maior número de artigos, todos valiosos, publicando agora no Semanário Contra Ponto, de João Pessoa (18 a 24 de janeiro de 2019), um primoroso trabalho, abaixo transcrito, sobre a referida coletânea lançada recentemente em São Luís por Arlete Nogueira da Cruz, viúva do poeta.

Nauro Machado e sua fortuna crítica

Hildeberto Barbosa Filho

hildebertobarsosa@bol.com.br

A relevância de uma obra poética pode ser medida por sua fortuna crítica. Um Augusto dos Anjos, um Carlos Drummond de Andrade, um João Cabral de Melo Neto, um Manuel Bandeira, por exemplo, a par da qualidade intrínseca de sua poesia, fazem percutir, no leitor, também as ressonâncias pragmáticas daquilo que se escreveu sobre eles e sobre seus respectivos discursos líricos.

Nauro Machado, maranhense de São Luís, faz jus ao imperativo desta tradição, a considerarmos o volume organizado e editado por Arlete Nogueira da Cruz, viúva do poeta e também escritora e ensaísta, intitulado “Impressões sobre Nauro Machado: ensaios, críticas e artigos”, sob o selo da Teresina: Halley S.A. – Gráfica e Editora, 2018.

Em nota introdutória ao livro, Arlete deixa claro seu objetivo: sistematizar e revelar, principalmente, para as novas gerações de leitores e pesquisadores, a fortuna crítica acerca do poeta e de sua obra. Segundo nos informa, aqui estão coletados um total de 264 textos de 131 autores, entre artigos jornalísticos, ensaios acadêmicos e cartas, voltados para o diálogo crítico e exegético com mais de 50 livros que o poeta escreveu ao longo de sua vida, desde “Campo sem base”, de 1958, até “Canções de roda nos pés da noite”, lançado pós-mortem, em 2016.

A reunião impressiona pela quantidade e pela qualidade dos olhares críticos que se detiveram sobre o tecido expressivo de uma das poéticas mais singulares da contemporaneidade, no Nordeste e no Brasil. Pesos pesados da crítica literária dão seu testemunho ao lado de leitores mais ocasionais e de poetas afeitos ao árduo ofício do verso, mesclando, portanto, o impacto emocional das primeiras leituras, em artigos de apreciação ligeira, ao vigor da lucidez analítica e interpretativa, em abordagens mais minuciosas, culminando, assim, com uma visão macroscópica, multifária, transversal e judicativa de uma expressão poética incomum, cerrada, unitária, intensa e profunda como a de poucos. Pois Nauro Machado fez de sua poesia uma obsessão interrogativa, “sem tréguas”, como afirma Arlete, acerca do “mistério da vida e a razão de si”, uma vez que “foi um exilado sob o pêndulo permanente da morte, não se importando se feliz ou sofrido, apenas verdadeiro”.

São muitos os nomes que estudam e apreciam as sutilezas verbais, os artifícios técnicos, os recursos retóricos, os meridianos temáticos e, em particular, a concepção de mundo que palpita, espasmódica, dissonante e dilacerada, no corpo de cada poema que forma a unidade inconsútil da poesia de Nauro. Uma poesia quase sem paralelos, não fora, talvez, o parentesco obliquo e enviesado com as dicções líricas de um Dante Milano ou de um Augusto dos Anjos, já ressaltado por vozes críticas, a exemplo, no confronto com a poética do carioca, a de Alexandre Fernandes Corrêa, a investigar o que ele denomina de “imaginário do mal”, e no cotejo com o poeta do “Eu”, a de José Guilherme Merquior, que soube cunhar uma expressão-síntese que define emblematicamente a poesia de Nauro como a poesia da “somatização da angústia”.

Antonio Olinto, Ferreira Gullar, Temístocles Linhares, Fábio Lucas, Ivan Junqueira, Walmir Ayala, Cassiano Ricardo, Otávio de Faria, Franklin de Oliveira, Nelly Novaes Coelho, Josué Montello, Donaldo Schüler, Henriqueta Lisboa, Fernando Py, Alexei Bueno, Marcus Acciolly, Carlos Nejar, Ivo Barroso, José Louzeiro, Fritz Teixeira Sales, Fausto Cunha, Assis Brasil, Reynaldo Bairão, Moacyr Félix e Anderson Braga Horta, entre muitos outros, abordam, cada um a seu modo crítico, esse ou aquele aspecto formal ou substancial da poesia de Nauro.

Ao fim, temos uma completa fotografia das diversas paisagens temáticas e ideativas, assim como diversos registros de laboratório verbal e do repertório estilístico de uma obra poética que merece ser mais conhecida e divulgada, tanto em âmbito acadêmico, no sentido de gerar dissertações e teses que possam ampliar a esfera da cognição literária, quanto na geografia informe e difusa do público leitor, sobretudo do leitor que ama a boa poesia e que sabe dos seus sigilos prazerosos e dos seus tons inconformados.

Trabalhos, como este que Arlete Nogueira da Cruz realiza, com o zelo, o carinho, o cuidado e o amor que tem pelo homem, pelo poeta e pela poesia, além de capitalizar elementos intangíveis que habitam as regiões afetivas e memoráveis, tende a contribuir, didática e pedagogicamente, com o enriquecimento do acervo literário brasileiro, em especial com o escaninho mais refinado da tradição poética.

Se é verdade que nenhum poeta pode ser conhecido sozinho, conforme postula T. S. Eliot, exigindo, assim, a conexão dinâmica com seus pares, no dialogismo das formas, das ideias e dos sentimentos, eu diria, também, que nenhum poeta pode ser conhecido, sem a leitura de sua fortuna crítica. É ela, esta fortuna crítica, que pode nos aproximar de certas fronteiras significativas a que não pudemos chegar como leitores. É ela, esta fortuna crítica, que se coloca aí, aberta à investigação e ao rastreamento, às surpresas e descobertas, a nos convocar para a cerimônia necessária da convivência crítica. Esta possibilidade, Arlete Nogueira da Cruz, num procedimento que me parece ao mesmo tempo ético e estético, nos dá, com a gratuidade dos gestos maiores, bem apropriado para reverenciar a memória de um grande poeta.

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