Carnaval do Passado

Carnavais dos bailes: história, ascensão e decadência do gênero

Festa mais que tradicional, especialmente ao longo do século XX, passou por várias transformações, apresentou facetas e modificou costumes

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]A festa profana, a festa da folia, a festa dos prazeres. O Carnaval, ao lon­go dos vários anos de existência, passou por transformações, modificou costumes e se adaptou às alterações de comportamento da sociedade à época. Em São Luís, com a ascensão do que o pesquisador Ananias Martins em “Carnavais de São Luís”, chamou de “Carnaval dos Cordões”, manifestações espontâneas tomaram conta da cidade, em especial, a “casinha da roça” e o corso. Com o passar do tempo, estes símbolos caíram em desuso, dando lugar a outras formas de gozo da festa, como o Carnaval de passarela (cujo nascimento e ascensão ocorreu entre os anos de 1950 e 1970) e o Carnaval dos bailes, realizado em clubes tradicionais da cidade e em casas alugadas pelos seus organizadores.

Esta forma de brincar a festa nos bailes foi a grande “vedete” de uma sociedade que dava sinais de quebra de barreiras sociais e rupturas de costumes mais tradicionais. De acordo com o trabalho da pesquisadora da área, Sandra Nascimento Souza, o chamado “Carnaval de bailes”, entre os anos de 1950 e 1970, espalhava-se pelos quatro cantos da cidade. Dentre os principais clubes da época, estão o Paquetá, Pierrot, Marajá, Dragão da Folia, o General da Banda, Vassourinha, Bigorrilho, Hawaí, Gruta de Satã, Colombina e outras.

A também professora e pesquisadora do assunto, Zelinda Lima, cita a “Gruta de Satã”. Segundo ela, era situada na Rua Grande, em um imóvel no local que exibia à porta da rua “uma enorme carantonha do Diabo, por cuja boca, escancarada, se tinha acesso ao tal clube”. Ao lado, havia o “Inferno Verde”, que figurava com árvores e pedras feitas de papel pintado. Do imóvel, saía uma luz esverdeada que dava “clima” ao cenário.

Ainda de acordo com a pesquisa de Sandra Nascimento Sou­za, em todos os anúncios destes bailes, datados especialmente do início da década de 1950, está registrada a “presença de garotas infernais”. Era o objetivo claro dos organizadores de misturar elementos de erotismo e luxúria à festa. Um anúncio do Diário Popular do dia 5 de janeiro de 1952 registrava que “os irmãos Lima [provavelmente organizadores de bailes conhecidos do período] levarão a efeito mais uma matinal”.

De acordo com o anúncio, a festa ocorreria “ao som do mavioso Jaz Independência, no prédio à rua Godofredo Viana, premiando o mais alegre Carnaval”. Ainda em referência aos carnavais antigos de bailes, o jornal “O Combate”, em sua edição de 28 de janeiro de 1950, citou que, “com a chegada do Rei Momo, as garotas infernais não deixarão este Carnaval passar em branco”. Segundo o exemplar, “os clubes populares conhecidos vão dinamizar o Carnaval, mas o Dragão da Folia é o maior”.

Ainda no anúncio, “garotas as mais belas de todos os recantos da velha ilha se projetam para aquele clube do Anil”. Segundo pesquisas, moças, em sua maioria oriundas do interior do Maranhão, eram selecionadas para a promoção da festa. De acordo com documentos da época, estas garotas - assim como eram chamadas em sua maioria nesta época - estavam liberadas das “despesas financeiras”. Eram elas as responsáveis por proporcionar um “Carnaval animado”, para os foliões que ali se entregavam aos prazeres do Momo.

Segundo artigos do período, estes prazeres - que não eram colocados na prática - mobilizavam a curiosidade da sociedade e a participação destas mocinhas atraía a atenção de “senhoras” não tão empobrecidas assim e de camadas sociais mais privilegiadas. Há relatos de comparecimento desse perfil feminino nos bailes mais antigos e trajadas com roupas e acessórios que impossibilitassem seus reconhecimentos.

Esta aparente depravação do Carnaval de bailes do período foi citado pelo jornalista Bernardo Coelho de Almeida, em sua crônica do Diário da Manhã, publicada em janeiro de 1959. Dizia o texto, que reproduziu segundo ele o pensamento de um amigo cearense, que “...há meninas, há doentes, há o próprio demônio fugido do inferno para se misturar com as depravadas que se escondem sob as terríveis máscaras, para a prática da mais desenfreada embriaguez e da libidinagem”.

Antigos bailes falados
Neste cenário, não podem ser esquecidos os bailes populares ou de máscaras famosos promovidos como o Berimbau, o Cantareira, o Vassourinha, o Bigorrilho, o Inferno Verde, dentre tantos outros. No período, as mulheres não pagavam, mas somente tinham acesso aos bailes caso estivessem mascaradas.

Um dos principais organizadores de bailes à época áurea do Carnaval foi seu Raimundo Nicomedes, conhecido como seu “Mundiquinho”. O mais conhecido baile talvez tenha sido promovido nos idos da década de 1960 e 1970 e foi realizado no “Urussanga”, um imóvel na Rua Senador João Pedro, Fabril (em frente ao bairro Diamante).

O radialista Antônio Moreno é filho de seu “Mundiquinho”, um dos organizadores de bailes mais conhecidos na capital maranhense em sua época áurea. “Em 1953, o meu pai alugou uma casa e fez o Colombina. Depois, buscou outros imóveis para fazer outros eventos do gênero. Era a sua paixão, a sua essência como pessoa”, disse Moreno.

Artesanato
De acordo com a professora Zelinda Lima, havia o espaço nos bailes para a “arte inventiva dos artesãos”. Segundo a professora, eram “grandes esferas de espelhos giratórios, pierrôs, arlequins, colombinas e outros elementos”. Em sua maioria, os acessórios eram colocados na entrada dos principais clubes, seja no casino Maranhense - à época situada na rua Grande com entrada pela rua Godofredo Viana - seja no Grêmio Lítero Recreativo Português (no Anil), seja no Sírio (em frente à Igreja do Carmo) e em outros clubes.

Zelinda Lima recordou em artigo a criação do artista Tiago Sil­va: uma teia gigante, ocupando todo o teto do Lítero. Segundo a autora, havia no centro do salão de festas uma espécie de “aranha” de brincadeira que, a determinada hora, abria as entranhas e deixava cair uma verdadeira chu­va de confetes coloridos.

[e-s001]A decadência dos tradicionais “bailes” - O decreto de Cafeteira
Era o fim de 1965 e a população de São Luís recebia a notícia de que finalmente poderia escolher o seu gestor. Neste contexto, assume o comando da cidade um então desconhecido ex-deputado Epitácio Cafeteira. Há quem garantisse que o novo administrador da “Cidade dos Azulejos” entraria de forma pacata. No entanto, como uma das primeiras medidas, o prefeito Cafeteira decidiu pela extinção dos chamados “bailes de máscaras”, sob a alegação de que os eventos extrapolavam os limites de bons modos sociais da época.

O que era para ser uma mera ação governamental se tornou motivo de revolta e discussão entre diferentes segmentos sociais da época. “O então prefeito Epitácio [Cafeteira], no afã de tentar agradar as elites e os representantes católicos do período resolve tomar esta medida, alegando que os bailes eram recintos de prostituição e corrupção social”, disse o presidente da Academia Maranhense de Letras (AML) e pesquisador do tema, Benedito Buzar.

Segundo ele, o fato causou extrema insatisfação em vários grupos da população. “Houve muita revolta, e a medida foi considerada impopular”, afirmou Buzar, que também foi frequentador dos bailes em clubes em especial. “Sempre foi uma alegria participar desses eventos”, completou.

A medida tomada por Cafeteira gerou uma disputa judicial entre ele e o então governador do Maranhão e aliado do prefeito, José Sarney. “O decreto de Cafeteira gerou uma reação comercial em cadeia e construiu uma série de acontecimentos que ora eram favoráveis à medida, ora eram para cassar a determinação”, frisou o presidente da AML.

Buzar se refere ao fato relatado no artigo “50 anos da morte do baile de máscaras”, que trata da reação contrária à atitude de Cafeteira. Promotores dos tais bailes entraram com requerimentos judiciais requerendo compensações financeiras para “pleitear na Justiça a ilegalidade de tão impensado ato”.

A cisão entre Cafeteira e Sarney foi abrupta a tal ponto que o então prefeito impetrou recurso na Justiça contra o ato do então coronel da Segurança Pública, Antônio Medeiros. “Cafeteira ainda contratou blocos, escolas de samba e outras brincadeiras momescas para, nas ruas, protestar contra a portaria do sistema de segurança pública”, lembrou Buzar.

De acordo com o presidente da AML, tais manifestações repercutiram imediatamente no Palácio dos Leões, obrigando o governador José Sarney a solicitar ao comando da Guarnição Federal a instauração de inquérito policial militar para apurar e investigar ato que pregava publicamente a desobediência coletiva ao cumprimento da lei.

Decadência da festa
Mesmo com a derrubada do “veredicto” do então prefeito Cafeteira, a retomada dos bailes de máscaras não ocorreram com a mesma naturalidade de outrora. Pelo contrário, houve perda de confiança dos financiadores e a promoção do Carnaval permaneceu restrita aos eventos abertos de bairros, aos desfiles de passarela e à agenda dos clubes tão tradicionais, como Casino Maranhense, e outros.

SAIBA MAIS

Trechos do artigo Benedito Buzar “50 anos da morte do baile de máscaras”

“O decreto de Cafeteira, de imediato, causou polêmica, debate e discussão na cidade. Se alguns setores sociais o aplaudiram, por vê-lo como instrumento de proteção das mulheres, especialmente da periferia, explorada pelos donos dos bailes, que as usavam inescrupulosamente, outros, contudo, o condenaram pelo fato de acabar com um evento específico de São Luís, que se melhor trabalhado e organizado e mais policiado, para evitar abusos, poderia ser fonte de receita e atrativo turístico”.
“A interferência do Governo do Estado no problema, em vez de arrefecer a crise, ao contrário, elevou-a. Manifestações contra e a favor do decreto incendiaram a questão, que foi parar na Justiça, onde Cafeteira impetra recurso para tornar sem efeito o ato do coronel Medeiros. Como se não bastasse, o prefeito ainda contrata blocos, escolas de samba e outras brincadeiras momescas, para nas ruas protestarem contra a portaria da secretaria de Segurança”.
“Com a portaria da Secretaria de Segurança em vigência, mas subjudice, a temporada momesca chega ao final sem o funcionamento dos bailes populares. Só quatro meses depois do Carnaval, ou seja, em 16 de junho de 1966, por cinco a três, o Tribunal de Justiça, profere uma sentença salomônica: acha perfeito e revestido das formalidades legais o ato da Secretaria de Segurança, mas considera líquido e certo o direito de Cafeteira de contestá-la”.

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