Decisão

Justiça anula termo de cessão de áreas verdes no Jaracati

Entre as construções atingidas pela decisão estão as sedes da Associação dos Amigos da Universidade Federal do Maranhão (AAUFMA) e da Associação dos Funcionários da Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão (ASFUPEMA)

Daniel Matos

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26
(Sentença Detran)

Uma sentença proferida pela Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca da Ilha declarou a nulidade dos Termos de Concessão de Uso firmados pelo Município de São Luís com a Associação dos Amigos da Universidade Federal do Maranhão – AAUFMA, Associação dos Funcionários da Procuradoria Geral de Justiça do Maranhão – ASFUPEMA, e Mitra Diocesana de Imperatriz em relação a áreas verdes localizadas no Jaracaty, na capital. O Judiciário impôs ao município de São Luís a obrigação de abster-se de autorizar qualquer edificação particular na área concedida, bem como demolir, no prazo de 180 dias, toda e qualquer edificação, caso existam, que não seja de interesse ao uso comum do povo, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento, a ser revertido ao Fundo de Direitos Difusos (FDD).

Ainda de acordo com a sentença, que traz a assinatura do juiz titular Douglas de Melo Martins, fica imposto aos réus AAUFMA, ASFUPEMA e MITRA Diocesana de Imperatriz a obrigação de absterem-se de ocupar, utilizar, edificar no local objeto dos termos de concessão, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento. A sentença é resultado de Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público, objetivando a declaração de nulidade das concessões de direito real celebradas entre o Município de São Luís e as instituições acima citadas, bem como que o Município de São Luís se abstenha de autorizar qualquer edificação nas áreas verdes objetos da concessão.

De acordo com a ação, as áreas em questão foram adquiridas pelo Município de São Luís por ocasião do parcelamento da gleba particular que originou o loteamento Jaracaty – Barra Sul, registrado no 1° Cartório de Imóveis de São Luís. Acrescenta que as áreas foram entregues ao Município por força de artigo da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/79), afetando-lhe a categoria de bem de uso comum do povo, vide registro imobiliário. A ASFUPEMA afirma ter recebido concessão de um terreno de propriedade do Município de São Luís, porém alega que houve a expiração do prazo da concessão e que não possui interesse em renová-la. Já a A AAUFMA argumentou que os objetivos da associação coadunam-se com os anseios da coletividade, além de afirmar que o fato do imóvel encontrar-se destinado ao uso comum não impede a convalidação da concessão celebrada.

O Município de São Luís defende que a anulação dos contratos firmados ocasionaria maiores prejuízos ao interesse público. A outra ré na ação, a Mitra Diocesana de Imperatriz, defendeu que na situação posta em julgamento houve a concessão de direito real de uso, e que “não há lesão ao patrimônio público e tendo sido concedido o uso para seminário, destaca-se utilização também para o bem da sociedade”. Já houve uma sentença proferida neste caso, sob assinatura do juiz Clésio Cunha, mas foi anulada pelo Tribunal de Justiça.

FUNÇÃO SOCIAL

Na fundamentação da sentença, o juiz ressalta que um dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade para implementação da política urbana e alcance das funções sociais da cidade é o instituto do parcelamento do solo. “A Lei nº 6.766/79, que regula a criação de parcelamentos, prevê a reserva de área proporcional ao loteamento para ser destinada à instituição de espaços públicos de uso comum. Essas áreas públicas se destinam à instalação de praças, áreas verdes, jardins; ou equipamentos comunitários, tais como: creches, escolas, delegacias, postos de saúde e similares. O uso é livre a quaisquer sujeitos, em conformidade com as normas gerais, sem a necessidade da manifestação da administração pública reportando-se a algum indivíduo em específico”, explicou.

Para a Justiça, as áreas públicas decorrentes de loteamento designadas ao desenvolvimento de uma função urbanística específica não podem ter sua destinação alterada pelo particular ou pelo Poder Público, por ato administrativo ou por lei. “A política urbana impõe diversas limitações ao direito de propriedade do particular. A destinação de áreas públicas é uma delas, já que o loteador (proprietário) é obrigado a dispor de parte de sua gleba em favor da coletividade, embora se integre ao patrimônio do município. Se ao particular é imposta esta ‘doação’, ao município, por ser o administrador legal dessas áreas públicas, impõe-se uma obrigação maior de zelo por elas exercendo sua missão constitucional de promover o desenvolvimento da política urbana (CF, art. 182), sendo-lhe vedado se desfazer desses espaços livres ou se omitir ao dever de fiscalizar ocupações ilegais”, observa Douglas Martins, citando entendimentos comuns de outros tribunais.

A sentença argumenta que, no caso desse processo, ficou comprovada relativa postura negligente do município no que diz respeito a áreas institucionais de sua propriedade, promovendo concessões e destinando áreas públicas a particulares. O magistrado sustenta que a prova da doação dos bens públicos imóveis acima descritos encontra-se evidenciada pelos Termos de Concessão de Direito Real de Uso celebrados entre o Município de São Luís e as rés acima citadas, o que, apesar de serem instituições sem fins lucrativos, reduziria, ou mesmo inviabilizaria, a utilização dos espaços pela coletividade. “Os bens de uso comum do povo não são passíveis de utilização exclusiva por parte de determinado particular, sob pena de desvirtuar sua destinação afeta ao uso comum. Excepcionalmente admite-se essa hipótese, mas através de permissões precárias por parte do Poder Público, submetidas à licitação, e desde que não se desvirtue ou prejudique a função a que foi afetado o bem”, pontuou o juiz.

E prossegue: “Quanto à utilização das concessões de direito real de uso, estas somente seriam possíveis em relação a bens dominicais (são os que pertencem ao Estado na sua qualidade de proprietário, como terrenos de marinha, terras devolutas, prédios de renda, títulos da dívida pública e outros), sem afetar qualquer uso público, na medida em que tal instrumento transfere o domínio útil do imóvel, criando-se, assim, uma relação de natureza real (..) Assim, acaso o município mantenha interesse em agraciar as entidades com área qualquer, que o faça em terreno dominical”.

Por fim, o magistrado ponderou sobre o prazo cedido: “Quanto ao prazo para cumprimento, não podemos descuidar da possibilidade material do ente público. É evidente que a falta de recursos orçamentários, tempo para realização dos processos licitatórios, execução das obras e aquisição de equipamentos servem para entender o atraso da Administração Pública no cumprimento de alguns misteres constitucionais por algum tempo, mas jamais justificaria a negação de direitos amparados pela Constituição cidadã indefinidamente. Assim, está esclarecida a necessidade de conceder um prazo razoável para o cumprimento da obrigação, sem, contudo, significar um ‘salvo-conduto’ para negar dar efetividade ao direito”, finaliza a sentença.

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