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Primeiro conjunto habitacional: histórias do bairro Filipinho

Desde a sua inauguração, o local foi concebido como abrigo para pessoas mais carentes, porém, com as cobranças de aluguel, o perfil do público foi sendo alterado

Thiago Bastos / O Estado

- Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]Da homenagem do comendador e iniciativa do poder público surgia, há quase sete décadas, um dos bairros mais tradicionais de São Luís. O Filipinho - situado entre as avenidas João Pessoa e dos Africanos - ainda preserva elementos originais. O conjunto residencial, que emergiu a partir de um projeto social aproveitando a área de antigo espaço verde da cidade, transformou-se ao longo dos anos, sofreu mudança no perfil dos moradores e, atualmente, mesmo com a tentativa de abnegados e amantes do nobre lugar, sofre com o esquecimento da administração pública (aquela que o fundou).

Histórias e curiosidades marcam um bairro que, por si só, viu nascer famílias que, por pura insistência, se negam a romper as raízes da infância e da adolescência. Ou seja, para boa parte dos moradores ouvidos por O Estado ao longo da última semana, uma vez filipinhense, sempre filipinhense. O ponto que, pela cidade, é conhecido por ser a concentração das mais tradicionais barracas de lanches, também é o resultado (bem-sucedido ou não, dependendo da avaliação de quem lê) de um projeto, à época, audacioso das autoridades estaduais.

A formação do conjunto Filipinho remonta ao período varguista. Na década de 1930, durante a gestão do ex-presidente Getúlio Vargas, foi criado o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC). A ideia do projeto era, em várias cidades brasileiras, financiar projetos de habitação popular.

Após passar por Rio de Janeiro, Teresina e outras localidades, o projeto chegou à capital maranhense. O projeto do instituto chamava-se “Núcleo Residencial Filipinho” e foi desenvolvido pelo engenheiro Remi Archer, filho do então governador do Estado do Maranhão, Sebastião Archer (que comandou o território entre os anos de 1947 e 1951).

A edição do Diário de São Luiz do dia 22 de maio de 1949 aponta que, devido ao 15º aniversário de criação do IAPC, à época, iniciou-se a preparação do terreno para o conjunto residencial que a entidade construiria no “futuro” bairro do Filipinho. De acordo com o projeto original, ao qual O Estado teve acesso, seriam construídas 477 casas. Mas, por questões financeiras, o número caiu para 250. A primeira foi erguida em 17 de dezem­bro de 1949.

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Segundo Joaquim Aguiar, assim que foram erguidas, as casas foram destinadas para moradores de baixa renda, predominantemente comerciários. Com o passar do tempo, a cobrança de uma espécie de aluguel social (que custava à época 500 cruzeiros) foi onerando a despesa dos trabalhadores. “Nes­se período, houve uma mudança no perfil dos moradores. Pessoas mais abastadas começaram a migrar para lá e fixaram residência no bairro. Pensou-se em um projeto inicialmente executado em grandes cidades, mas não foi usado de forma plena na capital maranhen­se”, disse Joaquim.

Em registro que pode ser encontrado no perfil “Minha Velha São Luís” e creditado a Diogo Guagliardo, é possível ver ao fundo o curso do Rio das Bicas, antes da construção da atual Avenida dos Africanos. A via era cercada por florestas e manguezais.

A origem do Filipinho: o sítio de mesmo nome
De acordo com texto de Luiz Gonzaga dos Reis, da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), o atual bairro aproveitou uma área de aproximadamente 250 mil metros quadrados do antigo Sítio Felipinho. Segundo Reis, “era uma vasta quin­ta marginal do Rio das Bicas [ao lado da Avenida dos Africanos], afluente do Bacanga, distante cinco quilômetros do centro da cidade”. Para o autor, o terreno “tinha a forma de um trapézio irregular cuja base menor tangenciava, em toda a sua extensão, o Caminho Grande”.

Ainda segundo a pesquisa, o terreno pertenceu a um padre secular que deu originalmente o nome do Filipinho de “São Tadeu”. O dono, no fim do século XIX, transferiu a posse da área do sítio para o comendador Felippe Santiago Borges, um alto capitalista e possuidor de várias propriedades de terra, em especial.

O novo proprietário, que tinha sob si a posse de vários escravos, investiu e começou a erguer no terreno várias edificações e outras construções. A maior parte dessas estruturas era constituída de pedra e cal, além de madeira de lei.
Para homenagear um de seus herdeiros, o comendador e dono do sítio deu ao conjunto o nome de Felipinho, uma espécie de “apelido familiar do filho”. Luiz Gonzaga dos Reis faz referência ao termo Felipinho como “bastante conhecido”, que se estendeu ao espaço vegetal e às áreas adjacentes. Presume-se que, pela forma de se referir ao novo nome, colocando o primeiro E com som de I, houve a mudança gradativa da ortografia para Filipinho.

Luiz Gonzaga também fez uma descrição acerca de como era o terreno que constituía o antigo Sítio. Segundo ele, havia “quatro grandes edifícios residenciais que foram, nos seus terrenos, caprichosamente construídos: a casa de vivenda estilo colonial [ampla, bonita e de simpático aspecto]. Além dela, a casa da senzala, vasta, confortável, edificada ao lado, as quais por muito tempo resistiram à ação devastadora do tempo. Era edificada com a frente para este, ladeada por duas escadarias de pedra, tendo a da esquerda maior lanço, por ser o prédio mais alto pelo lado do norte, com varanda trifacial, envolvente, provida de parapeito, com colunas cilíndricas do tipo toscano e três jardins na face norte, este e oeste”, escreveu.

Somadas às moradias, o autor também revela que na área do Sítio Filipinho havia um “cais, ao mesmo nível do solo, construído de pedra e cal, em toda a vasta extensão do longo trato do terreno banhado pelo Rio das Bicas, partindo dele uma rampa de dois metros de altura, extensa até o canal, a qual era utilizada a qualquer momento com a maré baixa ou alta”.

Por fim, Luiz Gonzaga dos Reis, em texto escrito por ele em março de 1952, lamenta o desaparecimento repentino de toda esta configuração. Segundo ele, “nada mais resta do que a lembrança dessas coisas de que não há nem mais vestígios para avivarem as reminiscências dum passado não muito distante e que só a saudade pode invocar”.

Quase teria outro nome
Por pouco o nome do Filipinho não passou a ser conjunto Remi Archer. Houve um movimento de autoridades, dias antes da inauguração, para que o conjunto recebesse o nome em alusão ao filho do governador. Porém, a proposta não passou na Câmara e adotou-se o termo até então mais conhecido e que fazia alusão ao tal sítio.

Nesse período, houve uma mudança no perfil dos moradores. Pessoas mais abastadas começaram a migrar para lá e fixaram residência no bairro. Pensou-se em um projeto inicialmente executado em grandes cidades, mas que não foi usado de forma plena na capital maranhense”Joaquim Aguiar, pesquisador

Outros serviços
Além da construção das unidades residenciais, a edição do Diário de São Luiz de 18 de junho de 1949 informou que um hospital também seria construído. Preliminarmente, as instalações seriam apenas no bairro dos Remédios, aproveitando o terreno da antiga “Cadeia Pública”. Recentemente, O Estado publicou reportagem sobre a unidade carcerária. No entanto,
uma concessão foi feita e a estrutura federal também foi erguida na área do então conjunto residencial Filipinho.

A entrega do conjunto habitacional foi anunciada pela mídia da época, de forma pomposa. Segun­do jornais, tratava-se de um projeto pioneiro e que iria ajudar no desenvolvimento do estado. De acordo com pesquisa de Joaquim Aguiar, a inauguração do conjunto aconteceu no dia 21 de janeiro de 1951, em ato oficial que contou com presença de diversas autoridades, dentre elas, o então governador do estado do Maranhão, Sebastião Archer e outras autoridades locais.

Apesar da inauguração, a primeira missa (e que proporcionou o chamado “benzimento”) teria ocorrido no dia 29 de junho de 1951, na área da igreja que faz alusão a Santa Terezinha. A construção, presente até hoje no bairro, é considerada pela comunidade mais antiga como o pontapé inicial, de fato, do bairro.

Os antigos bondes
Um dos empecilhos para o bairro, pelo menos nos primeiros anos, era a ausência de um transporte. Pessoas que residiam no Filipinho reclamavam, por exemplo, da distância a ser percorrida, especialmente para a região central da cidade.

Segundo o exemplar “Os Trilhos do Progresso: a implantação dos serviços de bondes elétricos em São Luís”, de Janilson Santos, o bonde que, nesta linha, era conhecido como “Cara Dura”, passava pelo bairro histórico. Ao modelo, era acoplado uma espécie de reboque para transportar produtos de trabalhadores que se deslocavam ao Centro para vender suas mercadorias, muitas delas, do gênero alimentício.

Além do Filipinho, o bonde também passava pela Praça João Lisboa, Rua Grande, Estádio Santa Isabel, Apeadouro, Av. João Pessoa, Jordoa, Cutim do Padre, Posto Fiscal do Anil até o entroncamento com a Av. Santos Dumont. De lá, era feito o retorno na rua de acesso à fábrica Rio-Anil.

Com o passar dos anos, o bairro recebeu linhas de ônibus. Em foto histórica, exibida no perfil do Facebook “Minha Velha São Luís”, é possível ver o registro de um velho ônibus bandeirante dos anos 70 usado para a linha no bairro. Atualmente, a linha “Coheb-Filipinho” é a única a passar dentro do conjunto.

[e-s001]Farina
Uma das instituições mais marcantes e situadas no Filipinho é o Instituto Farina. A escola foi fundada no dia 16 de março de 1970 e, segundo a direção da entidade, realizou “um sonho dos moradores do bairro”, que desejavam uma escola.
O colégio recebeu este nome em honra ao fundador da Congregação das irmãs, Dom João Antonio Farina, sacerdote e educador exemplar.

Um “ramo”do Filipinho
A novela “Redenção” (TV Excelsior, 1966-1968) deu nome ao bairro de mesmo nome constituído sem qualquer planejamento público e que surgiu em 1965 a partir de uma ocupação erguida sobre uma sobra de terreno do conjunto residencial Filipinho. Atualmente, não há um número exato de quantas moradias existem na Redenção, que, muitas vezes, é confundida com o próprio Filipinho. Outra área próxima ao bairro principal é o Sítio Leal, formado anos após a fundação do Filipinho.

Cronograma

Década de 1930 - Criação do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC)
Fim da década de 1940 - Preparação do terreno do Sítio Filipinho para a construção das casas no bairro
17 de dezembro de 1949 - Foi erguida a primeira casa no bairro
21 de janeiro de 1951 - Inaugurado o conjunto Filipinho
29 de junho de 1951 - Celebrada a primeira missa no bairro

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