Especial: Histórias e curiosidades

O amor pelo Filipinho: apego dos moradores mais antigos

Diante do apreço e localização, várias pessoas nasceram e foram criadas no bairro, que foi ganhando lugar especial no coração de muita gente

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]A constituição do bairro Filipinho - que contou com grande aporte do Governo Federal à época de sua inauguração (em meados da década de 1950) -, em tese, não deveria causar emoções mais fortes nos moradores, que, em sua maioria, eram trabalhadores que passavam mais tempo fora das residências do que vivenciando o clima e as benesses do novo lugar. No entanto, diante do apreço e localização, várias pessoas nasceram e foram criadas no bairro, que, aos poucos, foi ganhando lugar especial no coração de muita gente. O Estado conheceu algumas destas pessoas e se aprofundou em seus sentimentos para saber delas o porquê do apego ao tradicional conjunto. Estabelecimentos conhecidos e a fé católica também marcam a história do Filipinho. Em uma rápida passagem pelas ruas do bairro, é possível ver que grande parte das residências ali constituídas já foram descaracterizadas.

Seja na pintura ou mesmo na extensão, vários dos imóveis não expõem mais a configuração planejada pelo então IAPC de Remi Archer, filho do ex-governador do Maranhão Sebastião Archer, que foi um dos responsáveis pelo erguimento das moradias.

As casas, feitas sob medida e padronizadas interna e externamente, continham sala, três quartos, banheiro, cozinha e uma pequena área de quintal nos fundos. Alguns dos imóveis do conjunto viraram estabelecimentos comerciais, em sua maioria oferecendo produtos do gênero alimentício.

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Do antigo Bar e Restaurante Filipinho, situado em uma das esquinas do conjunto próximas à Avenida João Pessoa, não restou mais do que as lembranças. Há um tradicional restaurante ao lado da Igreja de Santa Terezinha, em uma das ruas mais conhecidas e populares do bairro. O restaurante, que ainda está na ativa, mantém uma clientela fiel, mas sofre com a concorrência e certo ostracismo vivido pelo bairro.

Em grande parte das ruas, ainda são visíveis os sinais de origem do lugar. Um dos mais marcantes são os paralelepípedos, que resistem em vias, mesmo tomados pela camada asfáltica colocada em tempos mais recentes pelo poder público. Em determinados trechos, os paralelepípedos estão quebrados e viraram obstáculos para motoristas e pedestres. Quem ainda mora no lugar não consegue fazer a relação das antigas estruturas de calçamento com o começo do bairro. “Tenho boas lembranças daqui, mas nunca tinha feito esta relação”, disse a jovem estudante Danielle Ferreira, de 23 anos, que mora no bairro desde quando nasceu.

[e-s001]Outro fator diferencial do local é a constituição transversal das ruas, em consonância com as casas. “Aqui as ruas são quadradinhas. Sempre me chamou a atenção este fato. Não sabia que este bairro havia tido este planejamento todo”, disse o funcionário público Cláudio Pereira, que vai ao bairro semanalmente para visitar amigos e parentes.

Resistência às origens
Os paralelepípedos não são os únicos elementos da estrutura do Filipinho que ligam o bairro aos seus primeiros anos de existência em pleno 2019. Passando com mais calma e paciência por determinadas ruas, é provável que o visitante se depare com a simpatia de Fátima Moura. A pensionista é das mais antigas moradoras, tem lembranças a perder de vista e fala com carinho do lugar. “Eu amo este meu bairro. Tudo o que a gente viveu na nossa infância querida foi aqui”, disse.

Ela conta que, por um período de sua vida, precisou se deslocar para outros estados. “Morei um tempo no Amazonas, mas sempre me lembrava dos tempos em que vivia no meu Filipinho, da minha linda São Luís”, afirmou Fátima Moura.
Depois de viver boa parte da vida no território manauara, ela não pensou duas vezes. Pegou as malas e voltou para residir no bairro tão querido. “Eu sei que a gente tem problemas, mas se apega tanto a este lugar, que não consigo ir para outro bairro. Muita gente já me aconselhou fazer outra coisa, para morar em um condomínio fechado, mas para mim este bairro é quem me faz feliz!”, disse.

“Eu jamais te esquecerei, meu Filipinho”
Da letra da bela canção “Ilha Magnética”, de César Nascimento, veio a inspiração de Iracema Carvalho, de 67 anos, uma das moradores mais antigas do lugar. Ela vive em uma casa, na rua 9, que mais preserva elementos de originalidade. O imóvel não contém muro até hoje e sua estrutura ainda faz lembrar quando o IAPC começou a construir os pequenos e funcionais imóveis.

[e-s001]Da porta de casa, Iracema Carvalho contou que, por um longo período de sua vida, residiu no imóvel. “Lembro de tanta coisa, de tanta coisa”, disse. Na pausa, que durou minutos, o silêncio aparente trouxe de volta à senhora as lembranças do bairro. “Aqui no Filipinho tinha uma administração, uma sede que era responsável por todo o lugar. A cada problema, a cada ocorrência, minha mãe pedia para ir na administração. Uma vez, o poste daqui da porta deu problema e fui correndo lá na sede para pedir para vir o eletricista”, disse a professora.

Ela, quando cita a administração, se refere ao começo do lugar, que continha sede, escola e hospital. “Era um tempo sem violência, a gente brincava até tarde na rua. Depois, ia dormir feliz da vida. Que saudade!”, disse.
Mesmo a distância física do Filipinho, causada por obrigações profissionais, não fizeram Iracema Carvalho esquecer do lugar. E o cantor César Nascimento foi importante nesse momento de sua vida. Ela conta que, enquanto trabalhava longe, colocava uma fita cassete para tocar “Ilha Magnética”, canção que faz alusão a quem tem saudade de São Luís. “Como estava fora, não só do bairro, como do estado, quando tocava esta música, batia uma saudade tão grande que causava dor por dentro”, disse.

O trecho “Eu jamais te esquecerei, São Luís do Maranhão”, da bela canção de César Nascimento poderia ser remetido ao seu sentimento. “Eu jamais esquecerei ou esqueço meu Filipinho”, disse. Por questão de segurança, a casa da professora receberá, em breve, grades na entrada. “Infelizmente, vou ter de fazer isso, por segurança”, afirmou.

[e-s001]Tradicionais lanches, fé católica e insegurança

O Filipinho não é somente conhecido por sua história e pela lembrança de seus numerosos moradores mais antigos. O bairro também é conhecido pelos tradicionais lanches, pela fé católica e, infelizmente, pela insegurança ainda presente no bairro. Estas características, em especial, ainda marcam o antigo bairro e o mantém vivo na lembrança de quem mora em outras partes de São Luís. Os lanches chegaram para ocupar um dos canteiros da avenida ao lado da entrada do conjunto Filipinho aos poucos, ainda na década de 1990. Com o passar dos anos, um após um, boa parte do canteiro estava ocupada por barraquinhas que ofereciam, em especial, cachorros-quentes dos mais diversos sabores.

Um dos primeiros a se estabelecer no ponto foi o Hot-Dog do Lálio. O nome do estabelecimento faz menção ao dono do lugar. Seu Lálio, como é conhecido, trabalha há muitos anos no Filipinho e se lembra dos primeiros momentos. “Não tinha ninguém e a gente passou depois a receber concorrência”, disse.

O seu lanche é um dos mais conhecidos da cidade, não somente pelo nome e tempo de funcionamento, como pelo preparo, tempero e, principalmente, pelo preço. “A gente sempre procura tratar o cliente da melhor forma”, disse seu Lálio. O seu lanche é oferecido de domingo à domingo das seis da tarde às três da manhã. Dependendo da demanda, o lanche fica à disposição até as primeiras horas do dia.

Os consumidores vem de várias partes da cidade para se deliciar com o lanche famoso do bairro. “Eu desde criança venho aqui. Aí, depois de adulto, mesmo morando em outro bairro, gosto de vir aqui porque lembra também a minha infância, quando meu pai e minha mãe me traziam”, disse Ryan Andrade, engenheiro e frequentador do lanche no bairro.

Outro hot-dog conhecido no Filipinho é o Ed’s. Este também foi um dos primeiros no ponto e o sucesso foi tão grande que, além da barraquinha no canteiro, o estabelecimento se estendeu para um local fixo. Na semana passada, dois novos estabelecimentos de lanche surgiram no trecho. A concentração de barracas no Filipinho, por pouco, não teve um ponto final na gestão do então prefeito de São Luís, Tadeu Palácio. Por iniciativa dos donos das barracas, a administração pública voltou atrás e os manteve no mesmo lugar.

Alguns dos estabelecimentos oferecem, via aplicativos, diversos itens de cardápios especiais. “Eu trabalho como entregador aqui no Filipinho e posso assegurar que atualmente é um dos melhores lugares para se trabalhar na função”, disse o entregador de lanches, Moisés Silva.


[e-s001]A paróquia famosa
Local de casamentos e celebrações religiosas marcantes, a Igreja de Santa Terezinha, no Filipinho, é uma das construções mais conhecidas pelos católicos da cidade. A estrutura também faz parte dos primeiros passos do bairro e atrai não somente moradores como, principalmente a comunidade de outros bairros. Periodicamente, a paróquia promove eventos de divulgação e arrecadação de fundos para a manutenção do lugar.

Insegurança no Filipinho
Infelizmente, o Filipinho também apresenta reflexos da insegurança. Em várias residências, é visível a preocupação dos moradores em geral. Muros altos, cercas elétricas, câmeras de alta definição são alguns dos acessórios que podem ser vistos em imóveis no bairro. À noite, O Estado percorreu ruas do lugar e percebeu que várias delas ficam desertas. “É medo de ser assaltado, de acontecer alguma coisa. Só por isso”, disse Messias Souza, morador do bairro que lamenta a falta de apoio, segundo ele, das forças policiais.

Na quarta-feira (13), O Estado observou duas viaturas policiais fazendo rondas no bairro. Nenhum dos policiais quis falar sobre a reclamação dos moradores. A Polícia Militar realiza verificações periódicas do bairro para evitar novas ocorrências delituosas.

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