Artigo

A casca de banana e as tragédias brasileiras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

“Existe uma casca de banana por perto de toda grande tragédia.” Graham Greene

A frase acima, do escritor inglês Graham Greene, usei-a algumas vezes nas reuniões preventivas sobre segurança de trabalho, antes das jornadas diárias no ambiente de produção metalúrgica, quando me cabia, como engenheiro, ser o palestrante.

De notável efeito, era repetida aqui e acolá, porque além de seu fácil entendimento continha, em poucas palavras, o apelo à necessária e permanente vigilância de qualquer funcionário diante de desleixos ocasionais que podem ter consequências acumulativas e avassaladoras.

Uma casca de banana, disposta de forma ocasional e aparentemente inofensiva: um laudo ignorado; uma decisão que se adia; um equipamento sem manutenção; um jeitinho brasileiro; uma barreira de contenção que não se avalia e... Pronto, eis a tragédia!

As tragédias de Brumadinho e do Ninho do Urubu são exemplos recentes de como, especialmente em nosso país, os nossos administradores (seja de uma cidade, de uma empresa, ou de um time de futebol) fazem questão de jamais enxergarem as cascas de banana por considerarem, talvez, que são imunes às suas consequências porque jamais pisam no chão de fábrica, num campo de futebol ou no trajeto de um fluxo de lama. No popular, é como se pensassem “Se alguém tiver de morrer serão os outros, portanto melhor deixar como está para ver como fica!”

No caso do Ninho do Urubu, foi necessária a morte de 10 rapazes para se enxergar o que acontecia nos arredores do luxo obsceno dos salários e das contratações milionárias de jogadores tidos como ídolos. Enquanto isso se dava, numa farra de gastos incompatíveis com a privação em paralelo de Jogadores humildes e ainda sem nome, estes eram jogados em contêineres, em condições precárias e com uma única porta como rota de fuga para potenciais desastres.

À semelhança do descaso criminoso havido em outras tragédias: Mariana, Brumadinho, Boate Kiss etc cujo número de mortos excede a mil, esse último episódio mostra que isso anda acontecendo num país onde tudo se vê, mas se faz de conta que não se vê, onde as cascas de banana não são afastadas, mas, são deixadas no mesmo lugar após a primeira tragédia, para que sobre elas paire o tempo que fará esquecê-las.

Bizarramente enquanto o ídolo Zico, egresso das divisões de base, em depoimento pungente exigia a apuração rigorosa dos fatos o presidente em exercício general Mourão Filho, dando uma de torcedor tardio e deslocado, preferia atribuir a morte dos rapazes a uma fatalidade. Ou seja, ao responsabilizar o imprevisto da natureza para acobertar crimes de descaso consequentes do livre arbítrio humano o general cometeu o mesmo crime de leniência que as autoridades cometeram em relação aos culpados de Mariana, cuja punição exemplar teria evitado o segundo massacre.

A omissão no enquadramento desses dirigentes (de times de futebol a executivos de empresa e administradores públicos) por conduta leviana e indiferente transforma-se assim na casca de banana mais perigosa, a que se perpetua trazendo outra e mais outra, enfim, uma sucessão de grandes tragédias que, pelo visto, tão cedo não serão estancadas.

José Ewerton Neto

Autor de O ABC bem humorado de São Luís

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com

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