História dos presídios no MA

Mudança do presídio para Alcântara e aspectos da unidade dos Remédios

Após os problemas apresentados pela então penitenciária, no antigo bairro dos Remédios, em São Luís, a administração pública passou a adotar a cidade histórica de Alcântara como abrigo para nova unidade

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]Após o projeto malsucedido de inclusão de uma unidade prisional em plena região central de São Luís, o poder público se viu com a necessidade de remanejar a unidade para outro local e reformular a política de encarceramento na cidade que, apesar de prever projetos de recuperação social, não foi eficaz. Para isso, foi necessária a otimização de nova política governamental para disponibilizar unidade que obedecesse aos padrões estabelecidos na então legislação vigente.

Foi neste contexto que, de acordo com arquivos do Sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Maranhão (Sindspem), o então governador do Estado, Sebastião Archer, autorizou – em 1948 – a transferência da então penitenciária de São Luís para outro local. O prédio escolhido foi a Casa de Câmara e Cadeia, fixada na cidade de Alcântara.

De acordo com o “Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico”, elaborado pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Casa de Câmara e Cadeia foi fundada a partir da iniciativa do governador Gonçalo Pereira Lobato, que doou para o então senado da Câmara da Vila de Santo Antônio, antiga Alcântara, em 1759, uma “légua de terra”.

Com donativos dos próprios habitantes, foi construída a Casa de Câmara, que, posteriormente, virou a penitenciária. Apesar da mudança física, os problemas identificados na penitenciária na capital migraram para o território alcantarense. Segundo o Sindspem, a penitenciária foi fixada “em um velho casarão” colonial e não satisfez aos requisitos mínimos de segurança.

Pelo fato de Alcântara ser uma cidade predominantemente histórica e voltada para os aspectos culturais e de religiosidade, a gestão solicitou a transferência da unidade para outro local. Neste período, há a mudança dos presos para a capital maranhense, em dezembro de 1965.


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Além da unidade em Alcântara, outro projeto era a construção de uma penitenciária agrícola no referido município. Em 1965, de acordo com relatos de jornais da época, a unidade foi para a Ilha, mais especificamente para o bairro que até então era pacato e pouco populoso: Pedrinhas.

Segundo Zacarias Castro, a nova sede carcerária estaria situada a 28 quilômetros da cidade de São Luís, às margens da BR-135, com uma área inicial de 122 hectares. De acordo com a pesquisa, a penitenciária fixou-se em um terreno acidentado, de natureza “árida”, quase imprópria para a agricultura.

Em 1993, Castro descreveu a unidade recebendo inicialmente 147 presos. Destes, apenas seis aguardavam julgamento. O número de detentos no começo da história era inferior à capacidade sugerida que, de acordo com o poder público, era de aproximadamente 150 homens.

Ainda de acordo com Castro, as “celas de segurança da nova unidade são individuais”. De acordo com o relatório, a instrução primária neste caso era obrigatória, regulado por três professores contratados pela Fundação do Bem-Estar, “sob a supervisão de um assistente social”.

Sem muros
A Penitenciária de Pedrinhas, em seu começo, era formada por uma “pequena casa, feita de taipa, coberta de telhas”. Ainda de acordo com o arquivista Zacarias Castro, havia um “fogão” – uma pequena caldeira funcionando a lenha. A luz, neste caso, era fornecida por “um motor a óleo e a água era de poço”.

Mas o que mais chamou a atenção no início das atividades de Pedrinhas é que a unidade foi “construída sem muros” e o prédio era constituído por três andares, dos quais apenas o térreo era de fato ocupado pelos detentos.

Para Cezar Bombeiro, que estudou a situação prisional do estado, a configuração preliminar do complexo de Pedrinhas é um traço para o entendimento da situação atual. “Como se pode ver, no começo, em Pedrinhas, sobrava espaços para presos. Era uma outra realidade, com presos mantidos por crimes de menor poder ofensivo. Atualmente, presos que estão por lá respondem por delitos muito mais graves, causando uma situação com potencial maior para fatos tensos”, disse.

A tensão – As facções criminosas
A criação e consolidação das chamadas facções criminosas mudou o ambiente a partir do começo das décadas de 1990 e 2000 em Pedrinhas. De acordo com pesquisa de Cézar Bombeiro, a consolidação destes grupos criminosos, que passaram a constituir a maioria dos apenados elevou os índices de tensão na unidade que se tornou, ao longo dos anos, a principal referência carcerária do estado do Maranhão.

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Se por um lado o poder público planejou a execução da então “Penitenciária de São Luís” para receber baixa ou média demanda, ao longo dos anos, por outro, na prática, o planejamento foi diferente. Além da ausência de uma política de manutenção e conservação, o prédio também passou a comportar presos acima da capacidade permitida.

Sobre a condição física do prédio, de acordo com o relato do chefe de polícia, Faustino Silva, com base em César Marques e extraído do trabalho “Mulheres Perdidas: perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970”, a unidade apresentava o aspecto de “uma velha cadeia de forma colonial”. Por eufemismo, o prédio também era chamado de penitenciária.

De acordo com Faustino Silva, a estrutura “era afastada de qualquer princípio de higiene, salubridade e conforto”. Segundo o chefe de polícia, “a detenção carecia de qualquer reforma de caráter material, não somente para que possa oferecer aos detentos alojamentos mais humanizados, como para salvar o edifício de uma completa ruína”. Por fim, Silva descreve em poucos anos de funcionamento a unidade como “em estado de lamentável abandono”.

Superlotação na penitenciária
A ausência de condições físicas ideais na unidade penitenciária datada do século XIX é consequência da falta de organização na distribuição dos presos nas celas. César Marques cita este como um problema comum da então unidade prisional do nosso estado. Segundo César, a organização final do prédio “não correspondeu ao fim a que foi destinado” pelo poder público. O autor se referia ao objetivo inicial do poder público de separar os detentos “por ordem ou grau das penas”.

Em não comportando estes presos, ainda de acordo com Marques com base em trabalho referendado pela Uema, os presos “passaram a habitar os salões”, espaços que preliminarmente não foram pensados para receber detentos. Sobre a ideia de organizar o ambiente carcerário, pesquisas apontam que regulamentações foram previamente elaboradas para isso. Uma delas data de 1846, antes mesmo da implantação da unidade na região central.

De acordo com o texto – expedido (conforme César Marques) – pelo desembargador Manuel Cerqueira Pinto, então chefe de polícia da província, os presos seriam separados conforme o grau das penas e peso dado pela lei aos crimes cometidos. A política ainda do fim do período imperial na capital maranhense é executada, pelo menos na teoria, nos conceitos de “ressocialização”, tão comuns na política carcerária brasileira.

Nem mesmo a implantação do Código Penal do fim do século XIX, que aprofundou princípios do conjunto de leis de 1830, conseguiu minimizar o problema. No texto mais recente, foram reduzidas as chamadas penas de banimento. Também foi extinta a chamada “pena de galés”, em que os presos trabalhavam de correntes. Com o passar dos anos, outras penas foram estabelecidas com penas restritivas que não ultrapassavam os trinta anos. Apesar disso, a superlotação permaneceu.

Esta situação, aliás, também confrontava o código, que estabelecia que a “estrutura penitenciária” deveria ter a higiene apropriada. E ainda a segurança dos detentos deveria ser feita por vigilantes e guardas. Outra medida prevista era o conjunto de inspeções às celas.

A superlotação também era um problema aos servidores, conforme cita César Marques. De acordo com ele, “o carcereiro era obrigado a comparecer”, neste caso à cela, “a qualquer ocorrência que se dê entre os presos nos seus alojamentos”. Segundo o historiador, o funcionário se via forçado a “atravessar os salões a toda hora do dia ou da noite, para tomar providências, expondo-se assim a ser violentado por algum dos presos que lhe vote ódio ou mesmo por qualquer combinação feita com fins malévolos”.

Socialização dos presos
De acordo com documento do Sindspem, que consta nos arquivos da entidade, uma das preocupações do poder público era “manter os presos fora” da chamada ociosidade. É neste momento que as instituições gerenciadoras da unidade em plena região central da cidade implantaram as chamadas atividades ocupacionais. Em especial, havia oficinas de alfaiate e de sapateiro, oferecidas à comunidade carcereira. Além de estimular uma atividade interna, o objetivo era transformar o preso num ente sociável e com atividade que produza economicamente para a sociedade ludovicense.

Os presos da revolução
Em meados da década de 1930, o Brasil se viu em meio a um movimento que recebeu por historiadores o nome de Intentona Comunista. Antes disso, foram várias as manifestações favoráveis à forma de governo e que geraram descontentamento no poder vigente à época.

No Maranhão, também houve reflexos desta revolução que marcou época na formação social brasileira. De acordo com o presidente da Academia Maranhense de Letras (AML) e pesquisador, Benedito Buzar, a antiga penitenciária ludovicense recebeu presos oriundos da revolução. “Como somente havia esta unidade e a mesma recebia presos que respondiam por diversos crimes, o local também abrigou estes presos que eram encaminhados pelo governo e forças policiais por motivos meramente políticos”, afirmou.

ASPECTOS HISTÓRICOS

Início do século XVIII – Enviado à Câmara um ofício ao então governador Cristóvão das Costa Freire que informava acerca de “recebimento de alvará para a consolidação de obras na então cadeia”.

Primeira metade do século XIX – Construção de uma unidade para encarceramento na cidade volta à tona

Início da segunda metade do século XIX – Construção da chamada “Cadeia Pública” nas “proximidades da Igreja dos Remédios”

Fim da segunda metade do século XIX – Deterioração da chamada “Penitenciária de São Luís”

Fim da primeira metade do século XX – Construção da unidade penitenciária de Alcântara

Década de 1960 – Construção de Pedrinhas

Décadas de 1990 e 2000 – Mudança de perfil dos presos que constituíram facções criminosas

Fontes: Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão e tese “Mulheres Perdidas: perfil das mulheres encarceradas no Maranhão nas décadas de 1950 a 1970”

SAIBA MAIS

Unidade prisional do antigo Bairro dos Remédios
Cadeia cujo plano de construção era para casa de correção, unicamente. A unidade era constituída por “um salão e seis células no pavimento térreo”. Ainda de acordo com historiadores, os prédios também continham “competentes” quartos privados e latrinas.
A penitenciária, no começo, era constituída por: um administrador, um enfermeiro, um médico, um professor e um almoxarife, além de um mestre de obras.
Além da ausência de uma política de manutenção e conservação, o prédio também passou a comportar presos acima da capacidade permitida. Os presos “passaram a habitar os salões”, espaços que preliminarmente não foram pensados para receber detentos.
De acordo com o presidente da Academia Maranhense de Letras (AML) e pesquisador, Benedito Buzar, a antiga penitenciária ludovicense recebeu presos oriundos da revolução.

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