Venezuela

Depois de prometer apoio total, Rússia tem dúvidas sobre Maduro

Moscou ainda não abandonou o governo, mas cada vez mais reconhece que pouco pode fazer para salvá-lo; o estado desastroso da economia da Venezuela suga o que resta de seu apoio popular, disseram duas pessoas próximas ao Kremlin

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26
O presidente russo Vladimir Putin em uma reunião no Kremlin em janeiro deste ano
O presidente russo Vladimir Putin em uma reunião no Kremlin em janeiro deste ano (Reuters)

MOSCOU - Depois de prometer apoio total ao regime do presidente venezuelano Nicolás Maduro , a Rússia começa a demonstrar sinais de dúvida sobre a capacidade de sobrevivência do governo à oposição na Venezuela .

Embora Moscou não tenha abandonado publicamente Maduro, cada vez mais reconhece que o estado desastroso da economia da Venezuela suga o que resta de seu apoio popular, disseram duas pessoas próximas ao Kremlin. Ao mesmo tempo, a relutância do Exército venezuelano em reprimir seus próprios cidadãos limita a sua capacidade de usar a força para esmagar quem questiona o governo, disseram as fontes, que pediram para não ser identificadas porque a questão é delicada.

"Infelizmente, o tempo não está do lado de Maduro", disse Vladimir Djabarov, vice-presidente da Comissão de Assuntos Internacionais na Câmara russa. "Em uma situação de agravamento da crise econômica, o clima na sociedade pode se voltar rapidamente contra ele".

Moscou mantém-se cautelosa quanto aos opositores de Maduro, apoiados pelos Estados Unidos, mas está ciente de que pouco pode fazer para salvar o atual governo, endividado de mais para ser financiado e longe de mais para receber ajuda militar significativa..

Há anos, a Rússia, ao lado da China, é um dos principais apoiadores de Maduro, com laços que remontam a 1999, quando o seu antecessor, Hugo Chávez, chegou ao poder. O país ofereceu bilhões de dólares em empréstimos e investimentos, a maioria vindo da gigante estatal de petróleo Rosneft PJSC. Mas, ano passado, Moscou negou-se a fornecer mais dinheiro a um aliado que já teve dívidas anteriores reestruturadas.

Neste momento, quando o presidente dos EUA, Donald Trump, intensifica os esforços para derrubar Maduro, impondo severas sanções à economia do país, Moscou luta para proteger seus interesses. A Rússia, que também é um importante exportador de armas para a Venezuela, está "muito, muito preocupada" com a situação política no país, disse Dmitry Shugaev, chefe do Serviço Federal de Cooperação Técnico-Militar russo ao jornal Kommersant. "Mas não estamos inclinados a reduzir a cooperação", afirmou.

O mais recente sinal de alerta para o Kremlin foi o reconhecimento pelas principais potências europeias do líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino da Venezuela. Poucos dias antes, uma tentativa de Maduro de exportar 20 toneladas de ouro, para levantar fundos urgentemente necessários, fracassou.

O silêncio de Putin

Apesar de autoridades do menor escalão terem apoiado o líder venezuelano, o presidente russo, Vladimir Putin, não fez nenhuma declaração pública em apoio a Maduro desde que a crise eclodiu além de uma ligação telefônica para ele no dia 24 de janeiro.

A Venezuela tem uma importância estratégica limitada para a Rússia, apesar de carregar certo peso simbólico, ao demonstrar o alcance do poder de Putin em uma região que Washington entende ser seu quintal. A Rússia não tem capacidade de enviar forças militares para apoiar um aliado na América Latina, a exemplo do que fez com o líder sírio Bashar al-Assad, limitando-se a ações publicitárias como a visita de dois bombardeiros nucleares em dezembro.

E, cada vez mais, Moscou entende que conversas entre o governo venezuelano e a oposição são a única saída para a crise.

"Caso contrário, haverá simplesmente o tipo de mudança de regime em que o Ocidente se envolveu muitas vezes", disse o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, na terça-feira ( 5).

Embora autoridades russas tenham ido a público descartar negociações com a oposição, provavelmente há contatos ocorrendo nos bastidores, segundo analistas em Moscou.

"Hoje Maduro está no controle do país, mas a cada dia sua influência diminui, conforme sua legitimidade é contestada", disse Dmitry Rozental, especialista em Venezuela no Instituto de Estudos Latino-Americanos, de Moscou. "Suas chances de se manter no poder estão desaparecendo".

Guaidó acenou à China com a promessa de manter acordos assinados sob as leis aprovadas pela Assembleia Nacional, cujos poderes foram retirados por Maduro em 2017. Na semana passada, ele disse em um artigo em um jornal chinês que uma Venezuela democrática seria uma aposta melhor para proteger investimentos russos e chineses.

A Assembleia Nacional, controlada pela oposição, criticou o crescente papel da Rosneft, liderada por um poderoso aliado de Putin, Igor Sechin, que tem participação financeira em cinco empresas do ramo petrolífero da Venezuela. A companhia informou na terça-feira (5) que a PDVSA, produtora estatal de petróleo da Venezuela, pagou metade de sua dívida com a Rosneft no ano passado, devendo US$ 2,3 bilhões no final de 2018.

O papel da Rosneft

A Rosneft assumiu uma participação de 49,9% na subsidiária americana da PDVSA, a Citgo, como garantia para um empréstimo de US$ 1,5 bilhão em 2016, e assinou um acordo em 2017 para operar dois campos de gás natural em alto mar.

Embora esses acordos possam ser cancelados porque não foram endossados por legisladores, a Rússia pode negociar um acordo, disse Rozental.

Em uma visita a Caracas em novembro, antes da crise política, uma missão russa testemunhou a proporção do colapso econômico da Venezuela. A equipe, que circulava em carros blindados, ficou chocada com a pobreza de venezuelanos comuns nas ruas, segundo um funcionário russo na visita.

Com as exportações venezuelanas de petróleo em seu menor índice em 28 anos e diminuindo ainda mais conforme as sanções dos EUA contra o petróleo da PDVSA entram em vigor, a Rússia sabe que o verdadeiro culpado é a má administração das maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, disse Andres Landabaso Angulo, professor de economia da Universidade Moscou Plekhanov.

Os EUA e seus aliados na região estão determinados a derrubar Maduro, enquanto a Rússia não pode arriscar um grande confronto no quintal de Washington, disse Ivan Konovalov, diretor do Centro de Estudos Estratégicos de Tendências em Moscou.

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