Artigo

A (nova) desolação da natureza

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

Brumado. Brumoso. Brumadinho. Lugar de bruma, nevoento, com neblina. Na variação diminutiva, temos o nome da cidade que hora vive um dos maiores desastres, ambiental e humano, no Brasil, nas últimas décadas. O diminutivo, Brumadinho, soa um lugar confortável, acolhedor. Mas desconforto e desolação é tudo o que esse nome evoca agora.

A visão “antes” das montanhas verdes, o rio, a cidadezinha encravada, a vida pacata das chácaras estão definitivamente maculadas. Completa a cena o formigueiro de homens enlameados com rostos resignados e uma dezena de helicópteros rubros que voejam em frenesi como um enxame de libélulas, ora carregando os sacos com vítimas, ora pairando delicadamente sobre o lamaçal.

A estatística de vítimas se renova a cada dia, mas em cada número há uma história infinita. Uma vida com todos os desencontros, sonhos, verdades e mentiras, alegrias e tristezas, expectativas e frustrações, relações e caminhos, carentes de porta-vozes de consolação, de vozes que se aglutinem para o abraço irmão. O jornal mostra rostos de “identificados” e diz o nome e o equivalente a um obituário telegráfico.

As imagens das vítimas mostra uma fieira sem fim de gente jovem, no auge da vida. Fotos descontraídas que traem a notícia de sua morte. É difícil entender que são mortos, deixando uma última imagem. Gente comum. Gente simples. Gente construindo pequenas histórias, ricas em si mesmas, mas tão iguais a nós mesmos: fulano de tal, trinta e poucos anos, casado, técnico em algo, pai de um garotinho.

Não sabemos as respostas. Não digo das causas da tragédia em si, mas das incontáveis ações e omissões que as geraram em toda a sua terrível magnitude. Os relatórios com sopa de números, recomendações e pressuposições seguirão seu curso e virarão calhamaços, juntado o farto conjunto de provas e contraprovas. Mas quem restaurará as vidas perdidas? Os lugares acostumados, os pastos, as árvores, o rio, a cara da cidade?

Quantas perguntas e quantas respostas são necessárias? Vivemos indiferentes. A imagem da pobre vaca coberta de lama seca, presa ao chão de escombros, calmamente ruminando sua última alimentação lembra a nós todos. Passivos ante o perigo, logo depois da hecatombe. Fervilhamos para lá e para cá, mas continuamos como sempre. Destruindo e sendo destruídos e tudo cheio de razões muito bem explicadas - afinal, dizem muitos, já que a lama seca, e a mineração é fundamental para um país. Não vamos satanizar a indústria da mineração.

No Espírito Santo, a destruição de muitas árvores de mangue em certo lugar está acabando com a população de fragatas. As aves querem atender ao chamado para acasalar e construir ninhos, mas não há onde construí-los, pois as casas-árvores foram dizimadas. É assim que fazemos e, paralelamente, criamos, possivelmente, explicações e razões bem ajustadas e úteis, para minimizar ou justificar o injustificável e inqualificável.

Brumadinho, e antes dela, Mariana, olham para si mesmas desoladas, vitimadas pela ausência de justiça, sem ação preventiva, sem respeito, encardidas da cor de barro, ferro e lama. Expressas nos olhares perdidos de um sofrido S.O.S. querem voltar a viver, mas a lama levou tudo. Até quando? Quando e onde serão as próximas tragédias?

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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