Editorial

Violência assustadora

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

Poderia ser considerada uma tragédia nacional, de acordo com recente levantamento: mais de 100 casos de feminicídio já foram registrados este ano no país. São, em média, cinco ocorrências por dia. Sessenta e oito terminaram em morte; as outras 39 foram tentativas. É uma tragédia nacional - há episódios conhecidos em 94 cidades, distribuídas em 21 estados. O feminicídio é resultado da incapacidade dos homens de aceitar uma nova cultura.

Ainda conforme levantamento divulgado por um veículo da imprensa, mais da metade dos episódios (55%) ocorreram entre sexta-feira e domingo, enquanto os demais foram registrados de segunda a quinta-feira. Uma hipótese aventada por especialistas aponta que casais separados têm mais contato no fim de semana, por causa de seus filhos ou por encontrarem amigos em comum.

Pesquisas mostram que as mulheres são as maiores vítimas de mortes por arma dentro de casa. Há 1.000% de chances de termos mais casos de violência.

O recente decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que flexibiliza as regras para o posse de armas também preocupa. É uma medida de restauração do poder patriarcal. Para a socióloga Bila Sorj, as mulheres não vão comprar armas para defender seus filhos, elas não serão as clientes da indústria armamentista. Pode ser uma forma de facilitar o feminicídio.

Um caso em uma sexta-feira deste mês: Danielle Medeiros, de 32 anos, leva de seu companheiro um tiro na cabeça. Após o crime, ele enrola o corpo da mulher em um lençol e a enterra numa cova rasa no quintal da casa onde moravam. No dia seguinte, deixa os filhos, de 5 e 12 anos, na casa da avó e sai para jogar futebol com os amigos. À noite, questionado sobre o sumiço de Danielle, confessa o assassinato.

Ainda de acordo com estudo, a crueldade empregada contra as vítimas está presente em todos os casos. Para um estudioso do assunto, a violência é tamanha que se tem a impressão de que, para o agressor, a vítima não é um ser humano. A mulher é vista como um componente social que pode ser descartado por qualquer razão fútil.

Bila Sorj diz que o elevado índice de homicídios atenta contra a “masculinidade tradicional”. Segundo ela, nas últimas décadas, os homens não se transformaram na mesma proporção que as mulheres. Há uma diferença cada vez maior na forma como eles e elas pensam o mundo - explica. No entendimento da socióloga Bia, as mulheres ganharam autonomia para fazer suas próprias escolhas e valorizar sua individualidade. Querem que o casamento seja uma relação negociada, e não a palavra final do marido.

O assassinato não costuma ser o primeiro conflito agressivo de um casal. Trata-se da etapa final de um ciclo de violência que não foi interrompido mesmo após a sanção, em 2006, da Lei Maria da Penha. A socióloga avalia que, com o texto, as mulheres deixaram de aceitar passivamente os confrontos - muitas pedem ações protetivas contra seus companheiros.

Jolúzia Batista, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), indica que há cada vez menos ligações entre a legislação e a realidade. Prova disso é o gradual desmantelamento do projeto Casa da Mulher Brasileira, criado em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff. O programa, que disponibiliza serviços como apoio psicossocial, contato com órgãos judiciais e cuidado das crianças, sofreu cortes orçamentários no governo de Michel Temer.

Segunda ela, alguns estados nem sequer tiveram o programa; em outros, essas casas estão fechadas ou em uma situação muito precária. Eram centros que ajudavam as mulheres a deixar o local em que sofriam violência e a ter uma renda econômica para que seu sustento não dependesse de um agressor.

As mulheres, mesmo conscientes sobre sua vulnerabilidade ao feminicídio, ainda têm dificuldades de transmitir a sensação de perigo. Há muitos equívocos no atendimento às vítimas nas delegacias. Alguns inspetores e delegados recusam-se a registrar boletins de ocorrência por considerar que os relatos não têm importância. Ignoram que o feminicídio é um crime hediondo, definindo-o apenas como um assunto passional que deve ser resolvido pela família.

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