Cessar-fogo

EUA e Talibã chegam a esboço de acordo de paz no Afeganistão

Acerto preliminar é visto como marco rumo ao fim do conflito de quase 18 anos, mas governo de Cabul ainda está à margem das negociações

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26
Presidente afegão, Ashraf Ghani conversa com representante americano Zalmay Khalilzad no Palácio de Cabul
Presidente afegão, Ashraf Ghani conversa com representante americano Zalmay Khalilzad no Palácio de Cabul (AFP)

CABUL - Autoridades dos Estados Unidos e do grupo fundamentalista Talibã concordaram em princípio com a estrutura de um acordo de paz em que os insurgentes garantem evitar que o território afegão seja usado por terroristas, informou o negociador-chefe americano ontem ( 28). O esboço do acordo poderia levar a uma retirada das tropas americanas que invadiram o país há quase 18 anos, em troca de um cessar-fogo, e a conversas entre os talibãs e o governo afegão, segundo o enviado de Washington.

"Nós temos o esboço da estrutura que tem que ser trabalhada antes de se tornar um acordo", ressaltou o enviado americano, Zalmay Khalilzad. "O Talibã se comprometeu, para nossa satisfação, a fazer o que for necessário para evitar que o Afeganistão se torna uma plataforma para grupos e indivíduos terroristas. Sentimos confiança o suficiente".

Depois de nove anos de esforços por um acordo de paz com o Talibã, o esboço de acordo, embora preliminar, é o maior passo tangível na direção do fim de uma guerra de duas décadas que custou dezenas de milhares de vidas e mudou profundamente a política externa americana.

Os Estados Unidos mantêm atualmente 14 mil soldados no Afeganistão. Eles invadiram o país no início de outubro de 2001, pouco menos de um mês depois dos atentados de 11 de Setembro, para derrubar o governo do Talibã, que havia dado abrigo ao chefe da organização terrorista al-Qaeda, Osama bin Laden. Desde então, os talibãs, que têm amplo apoio na maioria pashtun da população afegã, travam uma guerra de guerrilha contra o governo apoiado pela coalizão internacional comandada pelos Estados Unidos.

Uma autoridade sênior dos EUA contou, sob a condição de anonimato, que a delegação dos talibãs pediu tempo para deliberar com a liderança do grupo sobre a insistência americana em que os insurgentes conversem com o governo afegão e acordem um cessar-fogo como parte de qualquer acordo. A autoridade ressaltou que os americanos deixaram claro aos interlocutores que todos os problemas discutidos são "interconectados" como parte de um "pacote de acordos".

Embora fontes do Talibã digam que detalhes mais concretos sobre a retirada das tropas americanas já tenham sido acordados, autoridades dos EUA destacaram nesta segunda-feira que tais detalhes ainda não foram fechados.

O enviado Khalilzad retornou ao Afeganistão neste domingo a Cabul para reportar ao governo local os resultados das mais recentes conversas com delegação do Talibã em Doha, no Qatar.

Em mensagem à nação após a reunião com Khalilzad, o presidente afegão, Ashraf Ghani, expressou preocupação de que um acordo de paz seja apressado. Ele citou acordos anteriores que terminaram em derramamento de sangue, incluindo o momento em que a União Soviética deixou o país. Apesar da promessa de um acordo de paz na época, o Afeganistão caiu em anarquia, e anos depois o presidente que estava no comando durante a transição foi enforcado em uma rotatória de tráfego.

"Nós queremos paz rápido, queremos logo, mas nós queremos paz com prudência", destacou Ghani. "A prudência é importante para que não repitamos erros passados".

Como parte da estrutura de acordo, Khalilzad disse que o Talibã estava firme no compromisso de impedir que o território afegão virasse base de grupos como a al-Qaeda e outras organizações terroristas internacionais, e prometeu prover garantias e mecanismo de segurança para alcançar o objetivo. Esta é há tempos uma demanda primária de autoridades americanas.

Cabul teme

As condições apresentadas pelos americanos nas negociações levariam os Estados Unidos a concordar em retirar suas tropas de combate do Afeganistão, mas somente em troca das conversas do Talibã com o governo afegão e do compromisso de um cessar-fogo duradouro. Até agora, os talibãs se negaram a falar diretamente com o governo afegão, que consideram uma "marionete" dos Estados Unidos.

Embora a estrutura de um acordo tenha sido genericamente aceita por autoridades afegãs, elas não são protagonistas das negociações. Autoridades próximas ao presidente Ghani destacam que ele teme que os americanos fechem pontos importantes sem consultar os aliados, como a possível formação de um governo interino. Ghani tem insistido em que detalhes do tipo só podem ser acordados em conversas diretas do governo com o Talibã.

Em apelo aos talibãs, nesta segunda-feira, Ghani pediu que eles iniciem "negociações sérias".

"Apelo aos talibãs que mostrem sua vontade afegã, para aceitar a exigência de paz dos afegãos e a iniciar negociações sérias com o governo afegão", disse o presidente, em discurso pronunciado no palácio presidencial e exibido pela televisão.

Ele advertiu que qualquer acordo entre os Estados Unidos e os talibãs tem que ser aprovado pelo governo de Cabul. "Não esquecemos que as vítimas desta guerra são afegãos e que o processo de paz deve ser dirigido pelos afegãos", completou Ghani.

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