Crise venezuelana

Militares se rebelam contra Maduro em quartel e são detidos

Oficiais rebeldes roubaram armas e divulgaram vídeo em que pediam levante contra presidente; moradores protestam; em um dos vídeos divulgados, um homem fardado que se identificava como sargento da guarda pediu o não reconhecimento de Maduro

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, é alvo de manifestações por parte de militares rebeldes
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, é alvo de manifestações por parte de militares rebeldes (Reuters)

COTIZA/ VENEZUELA - Uma rebelião militar em um quartel da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) em Caracas fez os bairros de Cotiza e San José de Ávila amanhecerem com explosões e protestos ontem (21). Circularam nas redes sociais vídeos de homens fardados que anunciavam um levante contra o presidente Nicolás Maduro. Também foram publicadas imagens de altos oficiais em movimentos de contenção dos rebeldes. Mais tarde, o governo anunciou a detenção do que chamou de "traidores" da República e prometeu puni-los "com todo o peso da lei".

Por volta de 2h50 da madrugada, os militares rebeldes deixaram o posto de coordenação policial Macarao com dois veículos militares. Invadiram a sede da unidade de segurança de Petare e roubaram de lá um lote de armas de guerra. De acordo com informações de El País, teriam levado 55 fuzis e 55 pistolas, já recuperadas pelas Forças Armadas.

Segundo o governo, o grupo sequestrou, sob ameaças de morte, dois oficiais e dois guardas nacionais no local. Depois, refugiou-se na base da Guarda Nacional Bolivariana em Cotiza, de onde moradores disseram ter escutado disparos por volta de 4h da madrugada (horário local), no oeste de Caracas. Ainda segundo o governo, os rebeldes enfrentaram "firme resistência por parte de oficiais e tropas profissionais ali aquartelados" e acabaram detidos.

Em um dos vídeos divulgados, um homem fardado que se identificava como sargento da guarda pediu o não reconhecimento de Maduro, na companhia de vários oficiais. Vestido de verde, o sargento revelou seu nome, José Gregorio Bandres Figueroa, e disse que o grupo agia contra um "regime o qual desconhecemos completamente". "Necessito do apoio de vocês. Vão às ruas. Aqui estamos nós", ressaltou Figueroa.

Algumas unidades das forças de segurança venezuelanas cercaram os arredores da unidade militar e bloquearam vias principais próximas ao local logo nas primeiras horas do dia, mostraram fotos e relatos nas redes sociais.

Não há som de tiros nos vídeos, apenas homens que caminham — alguns com fuzis — no pátio do posto da Guarda Nacional em Cotiza. Vizinhos dos bairros saíram às ruas em apoio aos militares que tomaram o quartel. Militares governistas e policiais lançaram ao menos duas bombas de gás lacrimogêneo contra o grupo em protesto.

O site Efecto Cocuyo informou que os militares rebeldes se entregaram ao governo na presença de um procurador militar e que cerca de 27 homens foram levados para a principal sede das Forças Armadas do país, Fuerte Tiuna. Uma outra fonte disse ao GLOBO que o grupo incluiria um sargento e 26 soldados.

Oposição oferece apoio

Presidente da Assembleia Nacional venezuelana (AN), Juan Guaidó escreveu no Twitter que a rebelião no comando da guarda em Cotiza é uma "amostra do sentimento generalizado que impera na Força Armada (Nacional Bolivariana, a Fanb)". O líder opositor reiterou a proposta de conceder anistia aos militares que romperem com Maduro. A medida foi aprovada há uma semana, durante sessão em que a AN declarou o bolivariano usurpador do poder e chamou para si a responsabilidade por todos os poderes que caberiam ao presidente.

"Nossos militares sabem que a cadeia de comando é quebrada pela usurpação do gabinete presidencial. A AN está empenhada em fornecer todas as garantias necessárias aos membros da Fanb que contribuem ativamente para a restituição da Constituição. Não queremos que a Fanb seja dividida ou confrontada, queremos que seja colocada como um homem do lado do povo, da Constituição e contra a usurpação", escreveu Guaidó.

O dirigente opositor Julio Borges, do partido Vontade Popular, disse, em mensagem no Twitter, que "o mesmo descontentamento e desejo de mudança que motivou a insurreição da GNB em Cotiza existe dentro de toda" a Força Armada Nacional Bolivariana.

Já a ex-procuradora-geral do país Luisa Ortega escreveu na mesma rede social que "a valentia destes homens da Guarda Nacional demonstra que há dignidade e vontade nos quartéis para sair da tirania".

"A força da liberdade retumba em Miraflores e se faz imparável. Apoiemos a rebeldia militar. Estou com vocês, jovens patriotas", destacou Ortega, que compartilhou o vídeo dos militares em rebelião.

O número dois do chavismo e presidente da governista Assembleia Nacional Constituinte (ANC), Diosdado Cabello, destacou no Twitter que a Força Armada Nacional Bolivariana rendeu um "pequeno grupo" de traidores da pátria.

"Novamente nossa Força Armada Nacional Bolivariana, sentinela da pátria, captura e rende um pequeno grupo de assaltantes e traidores da pátria que roubaram armamento para gerar violência e ansiedade na população. Nós venceremos!!!!!", escreveu Cabello na rede social, em post compartilhado pelo presidente Maduro.

Ação rebelde

Segundo o presidente da ANC, a ação rebelde foi detectada na madrugada, e o governo logo iniciou o contra-ataque para "neutralizar os atos dos traidores" que, escreveu ele, "atentaram contra a paz da República".

"Eles já estão confessando detalhes. A primeira coisa que disseram foi que lhes ofereceram moradias e castelos e os deixaram sozinhos, que haviam sido enganados", detalhou o líder chavista.

Diante do incidente, o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, frisou que "quem ultraja suas armas com infames vícios será castigado com todo o peso da lei".

"Durante a detenção foi possível recuperar armas roubadas. No momento, (os detidos) estão fornecendo informações de interesse para as agências de inteligência e o sistema de justiça militar. Contra os sujeitos, será aplicado todo o peso da lei", diz nota publicada por Padrino após o levante.

No comunicado, a Fanb atribuiu a rebelião à motivação de "obscuros interesses da extrema direita e contrários às normas elementares da disciplina militar, da honra e das tradições da instituição. As forças do governo ressaltaram que todas as unidades operativas, dependências administrativas e institutos educativos funcionam "sob completa normalidade" nesta segunda-feira.

As Forças Armadas são o principal pilar de sustentação de Maduro, cujo mandato não foi reconhecido por mais de 40 países. O líder bolivariano não teria sobrevivido seis anos à frente de Caracas sem o suporte dos militares, a quem oferece vantagens políticas e econômicas em troca do apoio.

A cúpula militar - que pomposamente se declara "chavista, nacionalista e anti-imperialista" - responde com frequentes declarações de "lealdade". Apesar do empenho em mostrar as Forças Armadas como monolíticas, o ministro Padrino admite que o "diabo" (da rebeldia) ronda os quartéis.

Dois generais figuram entre os 25 detidos por um suposto atentado contra o mandatário, no último 4 de agosto, quando dois drones carregados de explosivos foram detonados perto de uma plataforma em que Maduro encabeçava um ato militar. Cerca de 180 efetivos foram detidos em 2018 sob acusações de conspirar contra o governo, segundo a ONG Controle Cidadão.

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