Crise venezuelana

Oposição já discute legislação para transição na Venezuela

Plano começará a ser colocado em prática após mobilização popular marcada para o dia 23;o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, de 35 anos, o mais cotado para liderar o que a oposição espera ser uma transição com a saída de Maduro

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26
Juan Guaidó, presidente da AN, em uma das reuniões populares que estão sendo realizadas em toda a Venezuela
Juan Guaidó, presidente da AN, em uma das reuniões populares que estão sendo realizadas em toda a Venezuela (Reuters)

CARACAS - Enquanto encerram os preparativos do que promete ser a maior concentração popular contra o governo do presidente Nicolás Maduro desde 2017 - convocada para 23 de janeiro e já considerada entre opositores um novo dia D em sua disputa com o Palácio de Miraflores -, adversários do chefe de Estado discutem em ritmo frenético um projeto da “Lei do Estatuto que Regerá a Transição à Democracia e ao Restabelecimento da Vigência da Constituição”.

O texto é um plano de voo que começaria a ser implementado após o dia 23, quando a oposição conseguir, em palavras de analistas locais, “voltar a mostrar músculo popular e dar um contundente recado ao país, à comunidade internacional e, sobretudo, às Forças Armadas”. Em uma de suas versões preliminares, fala-se na designação por parte da Assembleia Nacional (AN) - desconhecida por Maduro e respaldada por mais de 40 países — de um Conselho Nacional para a Transição Democrática, nomeação de embaixadores no exterior e em assumir “a gestão e defesa dos ativos da República Bolivariana da Venezuela e de seus entes no exterior, especialmente contas bancárias, recebimento de pagamentos financeiros ao Estado e administração da dívida externa”.

A escolha do dia 23 é simbólica: nessa data, em 1958, foi derrubado o ditador Marcos Pérez Jimenez. O futuro da oposição e do projeto de lei depende, segundo especialistas, da imagem que surgirá das ruas nesse dia. Uma adesão expressiva da população impulsionará a ofensiva liderada pelo novo presidente da AN, Juan Guaidó, de 35 anos, o mais cotado para liderar o que a oposição espera ser uma transição com a saída de Maduro.

O documento de quase 20 páginas está circulando entre opositores e vem sendo debatido com governos estrangeiros. A participação dos Estados Unidos e do Brasil é central. Em Caracas, comenta-se que a redação do documento, que ainda gera discussões internas, contou com o ativo envolvimento do encarregado de negócios dos EUA, James Story. O protagonismo americano tem explicação: se transformar este plano de voo em realidade, a oposição precisará de recursos econômicos.

Segundo a analista Argelia Rios, “esta é uma situação inédita, porque a Constituição venezuelana não prevê o que fazer em caso de usurpação do poder”. A usurpação, denunciada pela oposição e por governos do continente, estaria ocorrendo desde 10 de janeiro, quando terminou o mandato iniciado por Maduro em 2013. Dado o não reconhecimento das eleições presidenciais de maio passado por vários países, opositores e governos estrangeiros consideram que o chefe de Estado está exercendo uma Presidência ilegítima.

— Guaidó reativou a oposição e entusiasmou muitos venezuelanos. Ainda não está claro se ele seria uma espécie de presidente de transição, mas, como está à frente do Parlamento, será quem comandará o processo. A AN é nossa única instituição legítima e deverá exercer as funções de governo se esta estratégia avançar — explicou Argelia.

Mas existem divergências. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) no exílio, cujo presidente, Miguel Ángel Martín, participou de reuniões em Brasília quinta e sexta-feira, incluindo com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), considera já existir um vazio de poder na Venezuela que justifica, segundo a Constituição, a designação de um “presidente encarregado”. Consultado, Martín disse estar informado do projeto de lei, mas admitiu que “essa é a estratégia do setor político da oposição”.

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— Nós, juristas, temos uma visão diferente, e eu disse ao governo brasileiro que o que corresponde é que Guaidó assuma a Presidência. É o que Brasil e EUA estão esperando e vão reconhecê-lo.

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O presidente da AN pertence ao partido Vontade Popular (VP), liderado por Leopoldo López, em prisão domiciliar. O número dois do VP, Carlos Vecchio, está exilado nos EUA, e o número três, Freddy Guevara, refugiado na Embaixada do Chile em Caracas. Guaidó estava no lugar certo, na hora certa e foi, praticamente por descarte, o escolhido por López para assumir o comando do Parlamento, que este ano correspondia a seu partido.

O jovem engenheiro, formado na Universidade Católica e nascido numa família de classe média baixa do estado de Vargas, surgiu como uma liderança estudantil em 2007, ano em que o então presidente Hugo Chávez enfrentou uma onda de protestos promovidos pelas universidades.

— Guaidó foi uma surpresa e está conseguindo unir a oposição, apesar de algumas divisões que ainda existem. É um rosto novo, que devolveu certa credibilidade perdida aos opositores — comentou Margarita López Maya, professora da Universidade Central da Venezuela (UCV).

Nas últimas semanas, o presidente da AN foi a figura central nas reuniões populares que estão sendo realizadas nas principais cidades, cada vez com maior adesão.

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— Ainda predomina a classe média, porque os mais pobres dependem de dinheiro e ajuda do governo — afirmou Margarita.

TEMOR DE MAIS REPRESSÃO

Mas já foram realizadas reuniões em bairros humildes de Caracas com expressiva participação popular. Na visão de Carlos Romero, também professor da UCV, a “AN será o principal instrumento da oposição nesta nova etapa”. Ontem, Guaidó reuniu-se com os embaixadores da União Europeia em Caracas. O bloco propôs um Grupo de Contato Internacional para encontrar uma saída à crise no país.

— Guaidó conseguiu instalar um clima de esperança, depois de mais de um ano de depressão nacional entre os opositores. Veremos o que acontece depois do dia 23 — apontou.

O temor de um novo ciclo de repressão é grande. O próprio Guaidó já foi alvo de uma tentativa de detenção pelo Serviço Boliviariano de Inteligência. Nas atuais circunstâncias de violência no país, os riscos são enormes.

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