Maria Goreth Cantanhede Pereira, ex-gari, artista e escritora

Poesia para limpar a alma

Ela tem um sonho de ver a profissão de gari mais respeitada e, por meio da poesia, quadros e outros trabalhos, relata as histórias e angústias de experiências nas ruas

Evandro Jr. / O Estado do Maranhão

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27
Maria Goreth Cantanhede Pereira com alguns de seus trabalhos
Maria Goreth Cantanhede Pereira com alguns de seus trabalhos

SÃO LUÍS - Ela poderia ser uma “Margarida”, termo carinhoso dado aos agentes de limpeza no Rio de Janeiro (a palavra “gari” está bem no centro do vocábulo). No entanto, enquanto não consegue obter o devido reconhecimento da sociedade em relação à categoria da qual se orgulha de fazer parte, Maria Goreth Cantanhede Pereira, 44 anos, vai distribuindo gentileza e flores em forma de poesia. Afinal, é escrevendo que ela consegue expressar seu descontentamento pela forma como as pessoas encaram uma atividade tão importante para a comunidade.

Goreth é ex-gari e, atualmente, ligada ao setor administrativo da Prefeitura. Não obstante, pegou para si a responsabilidade de defender a causa e honrar a profissão. Ela escreve desde os 10 anos e aos 7 também se apaixonou por outras artes. Atualmente, além de escrever poesias e literatura de cordel, é artista plástica, com inúmeros trabalhos produzidos. É autora dos livros “Confissões, Diálogos e Poesias” (2004), “Garimpando Poesias” (2009), “Desejos Poéticos” (2011) e “O Diário de Sentimentos” (2010).

Além disso, em parceria com Jorge Furtado, assina um pequeno livro de cordel, intitulado “Cenas escondidas de um trabalho árduo”, onde conta sua experiência como gari limpando as ruas de São Luís. “Eu junto com a minha equipe/ sofremos humilhação/ ao pedir um copo d’água/ nos disse o cidadão/ levem a garrafa e o copo/ pois em sujeira eu não toco/ e vocês vêm do lixão”, diz um trecho do cordel. Outro: “Porém, existem sujeiras/ difíceis de remover/ pois não estavam no chão/ onde eu estive a varrer/ é uma sujeira horrível/ que embora sendo invisível/ ninguém consegue esconder”.

Goreth Pereira com obra exaltando a cultura popular
Goreth Pereira com obra exaltando a cultura popular

A obra foi lançada ano passado, durante a Feira do Livro de São Luís, e destacou-se na Feira Literária Internacional de Pernambuco. Agora, ela escreve outra: “Tempos de Infância”, que encartará bonecas de papel, seu primeiro brinquedo, já que a família não tinha condições de comprar bonecas convencionais. “Minha mãe me entregou apenas lápis e papel e me disse que eles que me dariam dignidade”, conta ela, que é divorciada e tem 4 filhos. Um deles, de apenas dez anos, demonstra talento para o cordel.

Reaproveitamento
Em julho deste ano, a ex-gari escritora, poeta e artesã participará do Encontro Internacional da Sociedade de Cultura Latina do Brasil. Suas obras de arte são produzidas com reaproveitamento de materiais, como tecidos, garrafas PET e fibra de coco. Em breve, ela deverá ter uma experiência na Biblioteca Pública Municipal de São Luís, no Bairro de Fátima. “Estou ansiosa para trabalhar na biblioteca, cercada de livros por todos os lados”, afirma.

Goreth Pereira, que é membro da Associação dos Garis, conta que a experiência de dois anos e seis meses varrendo as ruas da cidade lhe mostrou uma realidade cruel.

“As pessoas nem olham para nós, garis. Não dão bom dia, e nos tratam de maneira distante, fria. Isto sem falar que muitos têm nojo da gente. O fato de você trabalhar com lixo não implica em dizer que você seja sujo. Muito pelo contrário. Você é da área da limpeza. Meu uniforme sempre foi limpo. Sempre tive a preocupação de usar os equipamentos de segurança, tudo nos conformes”, conta a ex-gari, que teve seu trabalho reconhecido pelo prefeito de São Luís, Edivaldo Holanda Júnior.

Minha mãe me entregou apenas lápis e papel e me disse que eles me dariam dignidade”

Várias homenagens

Profissional dedicada, a ex-gari Maria Goreth Cantanhede Pereira é uma mulher educada, que usa corretamente as palavras e sempre aguarda a sua vez de falar. Ela contabiliza várias homenagens. Em 2011, pela TV Mundi, recebeu o “Troféu Gonzagão Personalidade Cultural Nordestina”. É membro correspondente da Academia Capixaba de Letras, Artes e Trovas do Espírito Santo, da Sociedade de Cultura Latina do Brasil e da Academia Norte-Americana de Literatura Moderna, capítulo do Brasil, cuja presidente é Dilercy Aragão Adler.

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