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É possível editar gente?

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

Um pesquisador chinês diz ter editado os genomas de garotas gêmeas para, supostamente, torná-las imunes ao vírus da AIDS. A repercussão foi imediata e alarmada. Existem rígidos protocolos na pesquisa de edição de genes, especialmente no que toca a embriões humanos. Nos EUA, embriões podem ter seu DNA alterado em pesquisa, mas jamais implantado. O mundo científico desconfiava que isso seria feito na China, onde as regras bioéticas são menos observadas.

A bioética é uma área do conhecimento associada intimamente à pesquisa e à ciência em geral. Ela estabelece limites que devem ser estritamente observados, pois, ações realizadas no afã do desenvolvimento da ciência ou de uma tecnologia, têm consequências potencialmente deletérias na vida das pessoas que são submetidas ao experimento.

A Bioética foi incorporada aos processos de pesquisa devido a inúmeros casos - hoje registros históricos - em que graves danos foram infligidos em nome de um suposto bem maior. Durante bastante tempo pensou-se que a ciência era neutra e todo resultado de seus atos era benéfico. Há na história inúmeros casos em que a não observância de princípios produziram iatrogenias insanáveis e até morte dos participantes dos experimentos. Exceção aos “experimentos” nazistas, cujos atos se misturam inequivocamente ao sadismo, crueldade; e à eugenia, o trajeto científico mostra casos em que pessoas em posição frágil foram usadas como cobaias.

A questão grave, citada no início do texto, é o fato de que, além da manipulação genética de embriões, houve a utilização do procedimento em pessoas saudáveis. A represa abriu-se e as consequências desse ato - a ser verdade o relato do pesquisador chinês - é que qualquer um, com dinheiro, poderá encomendar descendentes, em tese, com os aperfeiçoamentos que quiser. Mal se podem divisar as consequências dessa ação. A ser validada a edição de genes, quem garante que em certo tempo não se terá duas humanidades como retratado muito bem nos filmes de ficção científica?

Por enquanto, a universidade chinesa alega que abriu uma investigação contra o pesquisador. Os canais normais de comunicação não foram usados pelo cientista e os institutos estatais de fiscalização alegam não terem sido cientificados e que o experimento foi totalmente clandestino. Talvez seja a versão oficial do governo, pois até o momento nenhuma sanção foi aplicada contra o suposto cientista. O ocidente, entre cético e horrorizado, aguarda mais informações sobre o caso.

Vários cientistas alegam que é cedo para a edição de pessoas. No caso específico da pesquisa chinesa, bebês podem ser protegidos de contaminação pelo vírus da AIDS com medicação comprovadamente eficaz. Agora, destampada a caixa de Pandora, quem garante que pesquisadores ao redor do mundo não farão o mesmo? Quanto vale esta tecnologia e qual seu potencial de ganho para laboratórios?

Editados ou não, o que diferencia de fato os seres humanos é a essência. Qualidades como gratidão, compaixão, lealdade e companheirismo jamais poderão ser criados ou alterados em laboratório. E são essas qualidades que nos tornam diferentes e ao mesmo tempo nos igualam como seres humanos.

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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