Negócios

Sob sanções do Ocidente, Rússia se alia à China para explorar Ártico

No centro dos negócios está uma das maiores reservas de gás natural do mundo, na Sibéria; a Rússia tem se voltado para seu vizinho comunista em busca de apoio

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

SABETTA, RÚSSIA - Na gelada península de Yamal, no norte da Sibéria, a empresa russa Novatek ergueu a Yamal LNG, um ambicioso projeto energético situado em uma das maiores reservas de gás natural do mundo. Localizada dentro do Círculo Polar, onde as temperaturas chegam a 30º C abaixo de zero e as noites duram meses, a usina também é um dos exemplos mais evidentes da aproximação entre a Rússia e a China, uma das principais financiadoras do empreendimento.

Desde que os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções contra Moscou após a anexação da Crimeia, em 2014, a Rússia tem se voltado para seu vizinho comunista em busca de apoio.

A relação entre os dois países tem sido classificada por analistas como um matrimônio de conveniência. Eles mantêm acordos estratégicos relativos a infraestrutura, defesa, agricultura e meios de comunicação. No entanto, os principais pactos têm sido feitos no setor energético:

"A aliança natural entre os dois países nesse setor existe por causa dos imensos recursos russos e da demanda chinesa. Agora, devido a fatores geopolíticos como as sanções e a guerra comercial entre Estados Unidos e China, ela está sendo intensificada", analisa James Hernderson, diretor do programa de Gás Natural do Instituto Oxford de Estudo de Energia.

Gás natural

No porto de Sabetta, um barulho ensurdecedor indica que o gás natural liquefeito começou a ser bombeado para o navio Christophe de Margerie. O navio viajará para a China a partir do terceiro e último braço da usina Yamal LNG, que custou 25 bilhões de euros e visa abastecer os mercados europeus e asiáticos através da rota do Mar do norte. Este mês, no porto de Sabetta, o primeiro-ministro Dmitri Medvedev, acompanhado delegações russas, chinesas e europeias, participou de uma cerimônia simbólica celebrando a conclusão do projeto, concluída um ano antes do previsto.

A 2.250 quilômetros de Moscou, o consórcio Yamal LNG faz parte dos planos russos de aumentar suas exportações de gás natural e rivalizar com Qatar e Estados Unidos. Além disso, é também um exemplo das alianças estratégicas que o país tem construído nos últimos anos:

"A relação energética entre China e Rússia é mais solída do que em qualquer outro momento da última decáda", diz Erica Downs, especialista em China da Universidade de Columbia.

A Novatek, segunda maior empresa de gás da Rússia, de propriedade de Leonid Mijelson, o homem mais rico do país segundo a revista Forbes, tem 51% do consórcio. O restante pertence à empresa francesa Total (20%), à estatal chinesa CNPC (20%) e ao Fundo Nacional da Rota da Seda, também da China (9%).

Apesar de ser um empreendimento privado, o investimento é também uma grande aposta do governo russo, que passou a se envolver cada vez mais com o projeto depois das sanções. A construção da Yamal LNG implicou um esforço logístico, financeiro e político inédito, que teria sido impossível sem o apoio chinês. Hoje, onde até quatro anos atrás existiam apenas gelo e pastores nômades, os russos ergueram aeroporto, hotel e ginásio, além de um complexo de apartamentos para cerca de 20 mil pessoas. Não muito longe do porto de Sabetta, é possível encontrar alces e ursos polares.

A Yamal LNG, que explora um campo que conta com reservas provadas e prováveis de 955 bilhões de metros cúbicos de gás, é um dos poucos projetos de cooperação que sobreviveram às sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.

Responsável por 80% da produção de gás natural da Rússia e 15% da produção mundial, a Novatek está crescendo rapidamente e com foco no mercado asiático. Seus clientes nessa parte do mundo (China, Japão, Coreia do Sul, Índia) representam aproximadamente 54% dos seus contratos, enquanto o resto da sua produção vai para o mercado europeu.

Oleoduto

Yamal não é o único grande projeto energético russo ligado a Pequim. Um oleoduto da estatal Gazprom, chamado Poder da Sibéria, tem 3 mil quilômetros e vai até a fronteira sudeste da China. A um custo de US$ 55 bilhões, é tido como o projeto energético mais ambicioso desde o fim da União Soviética. Desde que Putin e o presidente chinês Xi Jinping firmaram um acordo bilateral de fornecimento de gás em 2014, bancos e empresas chinesas já investiram mais de US$ 40 bilhões em negócios russos no setor.

O gigante asiático aproveitou a necessidade das empresas de energia russas para garantir contratos de grande volume e longo prazo, mas também para desenvolver outros interesses estratégicos. Esses acordos estão mirando, por exemplo, a oportunidade de empresas chinesas chegarem ao Ocidente, especialmente o Leste europeu.

O avanço dos navios petroleiros pelas águas geladas do Mar do Norte rumo ao Oriente, que também está se intensificando por causa das mudanças climáticas, vai além do abraço energético entre Pequim e Moscou. A Rússia está expandindo seu poder no Ártico e a China está obtendo acesso às rotas de navegação na região mais setentrional do planeta. Pequim tenta há anos expandir seus interesses na região e, segundo a professora da London School of Economics Kristina Spohr, já fala em uma "rota da seda polar".

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