Literatura

Arlete e Colheita

Pesquisador analisa a obra “Colheita”, da escritora Arlete Nogueira

Ramiro Azevedo*/Especial para o Alternativo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27
Capa do livro de Arlete Nogueira
Capa do livro de Arlete Nogueira (Colheita)

São Luís - Nós já nos acostumamos, gratamente, a assistir a lançamentos de obras e ou trabalhos ficcionais/acadêmico – dissertativos de nossos prosadores e poetas. De fato, temos observado, com alegria, muitos lançamentos de livros produzidos por nossa intelligentsia. E neste particular, a AMEI vem colaborando decisivamente para divulgar nossos escritores – os veteranos e os incipientes.

Entre os consagrados, Arlete Nogueira da Cruz

Com vasta e fecunda produção acadêmico-dissertativa e ficcional, Arlete tornou-se um ícone da presença feminina nas Artes e Cultura em nível nacional.

Com o marido, Nauro Machado, é considerada a outra metade desse casal tão conhecido entre nós. Formou com ele uma referência altamente simbólica para as letras maranhenses.

Sua larga e profícua produção intelectual tem-se distribuído, frutuosamente, na Crítica, na Poesia, na Prosa, na Dissertação Acadêmica (lecionou na UFMA), no Feminismo discreto e atuante, na Maternidade e no ser e estar na Província.

Seu último trabalho é COLHEITA (São Luís: UNIGRAF, 2017, 176 P.), coletânea de poemas (e registros críticos em prosa) que a autora situa no tempo e no espaço “[...] que seria e continua sendo dedicada de modo muito especial a ele, Nauro, querido e poeta [...]” (p.7). e no preâmbulo relembra a mãe “[...] como um exemplo bom na minha vida. “(p.7) Também a genitora, poetisa “[...] tentando vencer os preconceitos [...]” (p.7)

Em Colheita Arlete vela e desvela seus eus lírico e existencial.

1- A Estética de Recepção

Na análise da obra ficcional o hermeneuta pode dispor de variados (uns na moda outros démodés) pontos de vistas epistemológicos. Os estilos de época críticos também variam – New Criticism, Impressionista, Formalista, Pragmatista, Estruturalista etc. A abordagem deste ensaio, pois, se situa na Estética de Recepção baseada em Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss. É uma escolha, portanto, epistemológica.

O mérito da Estética de Recepção repousa no papel ativo do leitor.

De fato, os outros sistemas semióticos valorizavam a frase (Formalismo, Estruturalismo) e o discurso (Pragmática), negligenciando o papel do leitor, este atribuindo sentido à obra literária e exercitando o plural do texto. É o leitor, então, o objeto da teorização literária (Iser, Jauss).

Compete-lhe sinfronicamente o processo hermenêutico, dando uma forma e uma resposta ao objeto estético, isto é, na Teoria do Conhecimento, já que a consciência intencional se volta para um objeto, que é o tema, circundado por um horizonte (Iser, Jauss).

O tema se situa no horizonte e este possui uma dimensão temporal. Portanto, a percepção do objeto varia no tempo. Compete ao leitor com seu eu, seu background, formação cultural etc., construir o tema e o horizonte textuais. Neste particular, o hermeneuta estabelecerá as categorias textuais, isto é, os fatores de contextualização, de conexão sequencial, cognitiva, de ações pragmáticas etc.

Por ele, o leitor (Iser e Jauss o perceberam tão bem!) situará em cena os modelos cognitivos globais, frutos de sua perspicácia e compreensão textuais.

Linguagem e sentido, para Iser e Jauss, se combinam fazendo surgir um espaço, o Leer, isto é, o vazio (o décor, em síntese). Este permite o leitor penetrar a diegese e daí conviver com os actantes (personagens).

O leitor, então, participa diretamente da história narrada. Entra em cena, portanto, o campo, que é a compreensão textual mediante a(s) leitura(s). O decodificador, enfim, preencherá os vazios e carências; o sentido e a forma (Iser; Jauss); a historicidade da cultura (Wolfgang Kaiser) e cumpre estar menos preso a sua posição ideológica.

2- A Colheita

Este trabalho, no dizer da autora, resume bastante a sua poética, no tempo e no espaço. É o somatório de momentos de seus eus lírico e existencial (ficcionista, filha, professora, mãe, esposa etc).

Semioticamente o ícone da capa é o alter ego da escritora (Barthes denomina a capa o príncipe dos significantes), no caso a COLHEITA, baseada numa pintura de Vicente Van Gogh. Trata-se de uma campônia, curvada, pobre, no labor desgastante da terra ( o id freudiano) metaforicamente, a poetisa.

O trigo – alimento bíblico por excelência – é o viver, o situar-se num mundo difícil e condicionante. No caso em tela, o fazer poético e sua colheita, o empenho lírico (a enunciação, conforme Antoine Martinet), o sermo est animae de Publilio Siro.

A compônia metaforicamente é a própria escritora.

Os títulos dizem bem do seu afã no lutar pelo verbo poético – tensos, dramáticos, delicados, vibrantes, nostálgicos; filiais, ansiosos, filosóficos etc. A saber: Horas Úmidas; Litania da Velha; O Quintal; Sal da solidão; Poemas Conclusivos.

Por limitações de espaço, colho apenas um representante eloqüente do seu estro poético.

Eu concluo meu poema

como um dia que termina

sob uma luz de cansaços

crispando minha alma em tédio (p.127)

Atente-se aos significantes (situados nos semantemas cansaços, crispando, alma e tédio) calcados nas lexias (relembre-se Barthes e o código enigmático).

São cansaços, no plural (momentos de estafa, e mais: mulher, no mundo de machos, dominantes). É o eu existencial feminino, subjugado, provinciano, determinado pelos limites culturais e sociais.

Cripar é franzir, encolher, reduzir-se. Alma é bifronte: corpo e mente. Tédio é fastio, desgosto, rotina ( a seara poética é também frustrante).

O significante concluo resume o vazio e o horizonte ( Iser, Jauss; Kaiser). Afinal, a poetisa é mulher anfíbia – sécs. XX e XXI, cidadã e provinciana. A vida migrada na urbe forçou sua família a transforma-se (lembro-me da vacaria no Jenipapeiro, posse de seu pai, Raimundo da Cruz, com quem por vezes conversava).

O significante poema é o seu estro, sua produção humana e intelectual. É concluída. Está concluído esse estar; e esse ser no mundo ficcional. E vivencial. Atente-se à semiose “um dia que termina”. O poema, pois, é a mulher-poetisa,em off, a que fala distante ( a conexão de sentido, entretanto, é a da autoridade discursiva) mas presencialmente numa semiose ficcional. O ciclo termina. E termina em tédio, mas, paradoxalmente, a poetisa retornará a semeadura, ao labor da terra ficcional e à outra próxima colheita (afinal, a campônia de Van Gogh o faz vivencialmente).

Enfim, como representante da arte ficcional feminina Arlete Machado se impõe, ocupando seu espaço literário, honrada, talentosa e fértil plurissignificativamente.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Ramiro. Captive of time. São Luís: sfed. 2013.

BARTHES, Roland. Semiótica narrativa e textual. São Paulo: Cultrix, 1997.

ISER, Wolfgang. O ato de leitura: um a teoria do efeito estético. São Paulo: ED.34, 1996.

JAUSS, H.R. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.

REIS, Carlos. Técnicas de análise textual. Coimbra: Almeidina, 1976.

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